domingo, outubro 06, 2013

Gravidade (2013)


Acho que, assim como eu, você também deve ter se emocionado quando, no filme "O Náufrago", a bola de vôlei Wilson cai da jangada de Tom Hanks e se perde no mar.
Que habilidade narrativa fenomenal esta capaz de dar personalidade a uma bola de vôlei, a ponto de nos importarmos com seu destino!

Ontem, ao deixar a sala de cinema após assistir a "Gravidade", não pude evitar comparar este filme com "O Náufrago".
Os dois são filmes de sobrevivência.
Em "O Náufrago", temos um acidente de avião e o protagonista isolado em uma ilha deserta, cujo único companheiro é o Wilson, a tal bola de vôlei.
Em "Gravidade", temos um acidente no espaço com dois sobreviventes, a Dra. Stone (Sandra Bullock) e o piloto Matt Kowaslki (George Clooney).
E as duas histórias possuem um ritmo muito parecido, mas com tons emocionais bastante diferentes.

Não se pode questionar a obra-prima técnica que é "Gravidade", e merecidamente deveria levar todos os Oscares técnicos possíveis, como fotografia, efeitos visuais, edição e edição de som. Até a trilha sonora merece destaque, num ambiente onde o som não se propaga e a trilha sonora acaba cumprindo todo o papel que seria de explosões e outros ruídos.
As cenas do planeta Terra são estonteantes e a velocidade da história é de tirar literalmente o fôlego.

No entanto, a história é pobre de doer. Não há profundidade alguma, não há nenhum tipo de reflexão a ser feito. Isto não chega a ser um problema para filmes deste estilo, mas quando vários críticos se empolgaram e fizeram inúmeras comparações entre "Gravidade" e o clássico "2001, uma Odisseia no Espaço", é impossível não se incomodar com isto.
A obra-prima de Kubrick é pura reflexão sobre a espécie humana, desde as primeiras cenas com os primatas descobrindo o uso de ferramentas, até o computador Hal adquirindo auto-consciência e se vingando dos humanos, até a psicodelia da última cena, com um dos astronautas perdido no espaço.
Já "Gravidade", dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón, é mais sensorial, sem nenhuma preocupação com temas filosóficos ou questionamentos de ordem humana. É uma sequência de peripécias, algumas plausíveis, outras nem tanto, em busca por sobrevivência.
Acho difícil até considerar "Gravidade" como um filme de ficção científica, pois um dos critérios para este gênero é que a história dependa de uma relação necessária entre história e ciência/tecnologia.
No fundo, a trama de "Gravidade" poderia ser transplantada, ponto a ponto, para qualquer outro tipo de cenário ou ambientação, no fundo do mar, no deserto, na floresta, em uma cidade exótica. O espaço, os astronautas, os feitos para sobreviver, tudo isto é contingente, tudo não passa de uma belíssima maquiagem para ocultar uma história convencional e que já vimos às centenas por aí.



Por outro lado, um dos grandes méritos de "Gravidade" e, talvez neste aspecto esteja seu caráter realmente revolucionário, é a revitalização do cinema, enquanto espaço de entretenimento.
A crise no cinema não é recente, mas os downloads de filmes, as TVs em três dimensões, o stream de filmes por serviços como o Netflix, ameaçam (ou ameaçavam) o futuro das salas de cinema, prenunciando o fim desta experiência coletiva de sair de casa, ir até um auditório, sentar-se numa poltrona ao lado de centenas de desconhecidos e, naquele intervalo de tempo, não fazer mais nada senão assistir a um filme e comer pipoca.
Em nosso mundo contemporâneo, o ato de suspender todas as demais atividade para se concentrar em um única é raríssimo, em vias de extinção.
Assistimos a um filme no computador, conferindo ao mesmo tempo as atualizações nas redes sociais, nossos e-mails, com a TV ligada, falando no telefone e sabe-se lá fazendo quantas outras coisas mais.
"Gravidade" é o tipo de filme que implora para ser visto na tela grande, em 3D, com toda a pompa e a potência que somente o cinema pode proporcionar. Não será a mesma experiência assistir um filme como este em casa, na "Tela Quente", ou na telinha do seu computador. Não será mesmo!
O que Cuarón está ensinando ao mundo é que, se o cinema como nós o conhecemos quiser sobreviver, será necessário criar experiências visuais e sensoriais que somente a grande tela pode expressar em plenitude.
Há filmes para TV.
E deverá haver mais filmes para o cinema.
Talvez "Gravidade" seja o primeiro desta nova geração de cinema.

domingo, agosto 11, 2013

Invocação do Mal (2013)


Talvez "Invocação do Mal" seja um dos melhores filmes de terror feito nos EUA nos últimos 10 anos. O que, convenhamos, não quer dizer muito.

Primeiro, porque é inspirado na história real da família Perron e dos demonologistas Ed (Patrick Wilson) e Lorraine (Vera Farmiga) Warren. Este casal de "caçadores de fantasmas" é o mesmo que investigou o caso de Amityville, que também foi adaptado para o cinema.

O enredo é basicamente o mesmo de todos os que envolvem uma casa mal assombrada: uma família compra uma casa isolada no meio do mato, começa a vivenciar fenômenos estranhos, a sentir uma presença maligna, a tensão escala até que precisa buscar ajuda (ou todo mundo morre), neste caso em particular, o auxílio dos demonologistas, que logo percebem que algo muito sério está ocorrendo.

A ambientação dos anos 70 é estupenda e a cinematografia é de primeira. O filme tem um ritmo tenso e constante durante mais da metade, conduzindo a trama de uma maneira fantástica, mas sem exagerar.
No clímax da história, as coisas saem um pouco do controle, como o habitual de quase todo filme americano do gênero, mas sem degringolar completamente.
Em "Invocação do Mal" é possível perceber a influência dos grandes filmes do gênero, como o próprio  "O Exorcista" de 1973 e "Amityville" de 1979.
Não consegue fugir completamente dos clichês que permeiam o cinema de terror americano - aliás, nem parece tentar isto -, mas movimenta-se bem no interior destes lugares-comuns.
O ponto forte é justamente a junção do ponto de vista da família que sofre os ataques demoníacos e dos investigadores.

Está longe de se tornar um clássico no futuro, mas é um trabalho muito bem realizado, que cumpre seu papel, causa alguns sustos e tem algumas cenas bastante arrepiantes.
Ainda é uma evidência que na "clichelândia" de Hollywood ainda há espaço para filmes bem realizados, mesmo que não sejam inovadores.

sexta-feira, maio 31, 2013

A Morte do Demônio, de trash cult para arremedo enlatado grotesco


Lançado em 1981, o filme "The Evil Dead" (no Brasil, "A Morte do Demônio") atingiu quase instantaneamente o patamar de clássico do cinema de horror.

O filme é tosco, bizarro, mal-acabado, nojento, mas num bom sentido, se é que é possível bom sentido para tais adjetivos.
Esta produção de baixo orçamento dirigida por Sam Raimi conseguiu o que poucas superproduções conseguem: criar um ícone duradouro.
O personagem Ash (Bruce Campbell) está no mesmo patamar de outros grandes do gênero: como Jack de "O Chamado", Freddy Krueger, Carrie, Padre Merrin, Jason, Samara (ou Sadako), Norman Bates e Mike Myers.
Ash é uma vítima que se torna herói, lutando contra um mal inexplicável e aparentemente indestrutível.

O enredo é banal e foi usado à exaustão, um grupo de jovens vai para um casebre na floresta, onde deflagra terríveis forças sobrenaturais.


"A Morte do Demônio" original veio na cola de "O Exorcista", portanto não é de se estranhar a semelhança da maquiagem das mulheres possuídas, a voz duplicada, os vômitos coloridos e pastosos, a força sobrenatural, os risos e algumas frases de efeito.
No entanto, enquanto "O Exorcista" tem um tom sério e reverente diante do diabo, em "A Morte do Demônio" há todo um humor negro, um clima de chacota, como se nas entrelinhas viesse também a mensagem que não deveríamos levar aquela história com muita seriedade.
E este é o grande mérito deste filme, ser engraçado e horrível ao mesmo tempo.

Sou totalmente contra remakes. Não acho que acrescenta alguma coisa apropriar-se de um filme clássico, por mais antigo que seja, e fazer dele uma versão contemporânea, para um público imbecil incapaz de ver um filme em preto e branco sem dormir.
Temos vários exemplos de remakes que não apenas não acrescentaram nada, mas também macularam seus originais. "Psicose" de 1998 e "O Planeta dos Macacos" de 2001 são dois exemplos.
Refazer um filme ruim, tentando torná-lo melhor, pode até ser um esforço louvável, mas tornar num lixo um filme clássico, por favor, não!


Então surge o remake de 2013 de "A Morte do Demônio".
A premissa é praticamente idêntica ao do original, com exceção que agora foi incluída uma trama subjacente. David (pelo menos eles modificaram o nome do protagonista) vai para a floresta com uns amigos para tentar tratar da irmã drogada, uma espécie de colônica de reabilitação no meio do mato.
O que se segue todos sabemos. Encontram um livro que desperta os demônios daquele lugar e todos começam a morrer.
Só que o remake tem todos os defeitos do original, é tosco, nojento, mal-acabado, mas sem as qualidades deste. Há muito sangue, vômito, cenas grotescas sem propósito, mas falta aquele quê de ingenuidade e ironia que imortalizou "The Evil Dead" em 1981.
Apenas mais um enlatado americano para jovens estúpidos, que consomem tudo sem refletir.

A sensação é que você perdeu duas valiosas horas de sua vida com este remake.

domingo, março 10, 2013

O Segredo da Cabana (2012)


O poder do Terror deriva principalmente do medo que aquilo que vemos na tela dos cinemas possa nos acontecer na vida real. É o medo em potência, o medo da possibilidade, o medo do horror real que pode nos espreitar em qualquer esquina.

Em "O Segredo da Cabana", temos uma inversão da lógica dos filmes de horror. Cinco universitários resolvem passar um final de semana numa cabana no mato, sem consciência que estão adentrando um território bizarro, vigiado por uma equipe de misteriosos técnicos que liberam monstros num espaço controlado, num jogo cuja finalidade compreenderemos somente no desfecho da trama.

Basicamente, este filme é a versão para adultos de "Monstros SA", daquele desenho animado da Disney. Imagino que devesse causar medo, mas acaba tendendo mais para uma comédia de mau gosto, numa vertende de ficção científica de terror.

Não se pode dizer que se trata de um enredo previsível nem sequer ortodoxo, porém, o esforço para verbalizar e dissecar um padrão bastante específico no gênero acaba redundando vazio e exagerado.

"O Segredo da Cabana", que foi considerado como o melhor filme de terror de 2012, não causa medo, não convence, tampouco entretém. É uma sequência de absurdos e despropósitos que nos levam a questionar quem foi o demente que concebeu tal história, e também quem foram os dementes que resolveram transformá-la em filme.

É uma piada metalinguística que envergonha o gênero do horror.

domingo, março 03, 2013

Zombieland (2009)


Existem três tendências básicas para filmes de zumbis: o horror mais negro e desesperador (como em "A Noite dos Mortos Vivos" de Romero), a carnificina mesclada com terror (como em "A Volta dos Mortos Vivos") e a comédia escrachada como em Zombieland.

Após o fim da civilização por causa de uma doença epidêmica, que transformou os seres humanos em zumbis irracionais e canibais, acompanhamos a jornada de Columbus (Jesse Eisenberg), Tallahassee (Woody Harrelson), Wichita (Emma Stone) e Little Rock (Abigail Breslin), um grupo de desajustados que se encontram em meio a este mundo devastado.

O ritmo do filme é excelente, apesar de ser previsível em vários aspectos. Os zumbis, com uma maquiagem perfeita que poderia pertencer a The Walking Dead, são praticamente inofensivos, já que em momento algum chegam a realmente ameaçar algum dos quatro personagens principais. Mesmo inclinado para a comédia, e que talvez até chegue a arrancar um risinho ou outro, o tom geral é mais para uma aventura, com várias cenas de ação, tiros e perseguição, principalmente durante o clímax.

O trecho da história mais inusitado é quando eles encontram o ator Bill Murray, na mansão dele em Hollywood, que talvez possa ser considerado o ponto mais engraçado de todo o filme, mesmo que seja um pouco desconectado do restante da narrativa.
Os destaques de Zombieland são, definitivamente, Jesse Eisenberg e Woody Harrelson, e a presença dos dois em cena são o segredo do sucesso desta história.

Um ótimo divertimento para quem gosta de ver cabeças de zumbis explodindo, mas que morre de medo de filmes de terror.


domingo, fevereiro 24, 2013

Amour (2012)


Já fui mais entusiasmado pela linguagem do cinema europeu. Hoje sou um pouco mais criterioso entre deslumbrar-me por uma estética inovadora ou simplesmente considerar aquilo um nonsense travestido de vanguarda.

Decepcionei-me bastante com outro filme deste mesmo diretor; em "A Professora de Piano", Michael Haneke errou o alvo, e nos deparamos com uma história sem muito propósito.

Em "Amour", ele já foi mais certeiro, apesar de ainda não ser uma obra-prima.

Neste filme, acompanhamos a história de um casal de idosos, Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anna (Emmanuelle Riva), e como eles lidam com as consequências de um derrame da esposa e de sua degeneração física e mental.
"Amour" é de uma crueza terrível, tão real que é quase como se estivéssemos invadindo a privacidade daquele casal, com uma veracidade absurda que torna esta história muito mais eficaz do que qualquer abordagem piegas e excessivamente cinematográfica, no pior sentido que isto possa insinuar.

Uma característica que deixa muito clara esta tendência naturalista de "Amour" é a ausência de trilha sonora. Escutamos apenas os sons ambientes, e as canções são aquelas que os próprios personagens estão ouvindo.
Outro detalhe que realça este realismo são longos plano-sequências, alguns até sem um propósito evidente, que nos insere neste cotidiano triste e desesperador da doença.

Iniciar o filme pelo final, pela descoberta do cadáver em decomposição de Anna num apartamento vazio, foi uma ótima alternativa para complementar os finais abertos típicos de Haneke, assim, pelo menos ele satisfaz o desejo interno da maioria dos espectadores: "'tá, e daí?"

Dentro de sua proposta, "Amour" é um filme bastante verossímil e inquietante, que nos leva a refletirmos sobre as condições de nossos avós e pais, e, até mais do que isto, de como será nossa própria velhice.

"Todo homem é mortal", diz o exemplo clássico de lógica, mas o problema não é este, a questão fundamental é: "pelo que tanto passaremos até o dia de nossas mortes?"

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Lincoln (2012)



Quem se detém para estudar um pouco da História dos Estados Unidos da América tem de dar o braço a torcer e reconhecer quão admirável é, em certos sentidos, esta nação.

Os pais fundadores, como são chamados os primeiros democratas do país, figuras como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, entre outros, tinham os olhos voltados para Iluminismo francês, importando ideias e conceitos bastante avançados para a época, noções como igualdade e liberdade, a inteligência e a cultura a serviço do desenvolvimento, e a democracia como a forma de governo mais justa e maleável.

Olhando em retrospecto, tudo parece ter ocorrido às mil maravilhas, mas a História tem suas sutilezas e sempre houve cismas na cúpula do poder americano. Havia os idealistas, mas havia também a realidade crua e brutal, esta natureza humana podre que se revela na luta pela supremacia, ao custo da opressão.

Qualquer sujeito razoável sabe que a escravidão é uma abominação, mesmo que isto não fosse tão evidente até para certos intelectuais do século XIX. O fato que é que a escravidão foi um negócio bastante lucrativo por vários séculos e muita gente criou fortunas nas costas dos escravos negros.

Os movimentos abolicionistas que se espalharam como fogo num matagal não comprometiam somente uma mentalidade, como também, senão principalmente, um sistema econômico. Nos EUA, havia dois mundos distintos: o norte industrializado e que rapidamente conseguiu se livrar do trabalho escravo, realizando a transição para o assalariado, sintoma da era industrial, e o sul agrícola, atrasado, com latinfúndios e dependente do labor servil.

A Guerra de Secessão americana começou por causa desta disparidade econômica e também pelo temor dos sulistas que a abolição da escravatura destruísse sua economia.

A figura no meio deste conflito era Abraham Lincoln, o décimo-sexto presidente dos EUA, um homem conhecido por sua inteligência e retratado neste filme de Steven Spielberg.

"Lincoln" aborda a complicada articulação política nos bastidores para a aprovação de uma emenda constitucional abolindo a escravidão, um dos legados que o presidente queria deixar para o mundo.
Basicamente, a trama é uma espécie de mensalão da abolição, com compras de votos de parlamentares para conseguirem fechar o número de votos suficientes para passar a emenda.
Um retrato fiel das tramóias e politicagens do governo, mesmo que fossem por uma boa causa. É o lado sujo da democracia, quando interesses pessoais dos governantes acabam falando mais alto do que o interesse da coletividade, quando o dinheiro e ameaças silenciam ideologias.
Neste caso em particular, a causa do "bem" venceu, mas quantas vezes o certo e o justo não foram distorcidos por estes mesmos interesses escusos nos bastidores do poder?
Esta é a indagação que "Lincoln" pode, ou até deveria, suscitar.

Um equívoco é pensar que a discriminação terminou com a abolição dos escravos. Os EUA ainda é um país extremamente segregado, com uma tensão racial constante, com crimes raciais ocorrendo todos os dias. A escravidão foi abolida nos EUA em 1865, quando vários outros países latino-americanos já haviam se antecipado, de maneira muito significativa com Simon Bolívar, mas a segregação oficial americana perseverou até 1964, sendo que a discriminação nunca se encerrou.

Os americanos gostariam de pensar que vivem num país equânime e igualitário, mas, na realidade, existem várias Américas, a dos brancos, a dos negros, a dos latino-americanos, a dos chineses, a dos nativo-americanos, e a de todas as demais minorias étnicas.

A América fragmentária e desigual gostaria de ver-se espelhada em filmes como "Lincoln", mas, nas ruas, os guetos continuam sendo a evidência inquestionável que eles podem estar juntos, mas separados, num Apartheid invisível de discriminação que mina cotidianamente a vida dos americanos.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

O Massacre da Serra Elétrica (1974)


Apesar do título horrendo, "O Massacre da Serra Elétrica" é muito mais sutil do que isto, ou melhor, sutil até a metade do filme.

Poucos assassinos tiveram uma influência tão poderosa no inconsciente de uma nação quanto Ed Gein, um sociopata famoso por vestir as peles de suas vítimas, ou de corpos que ele desencavava do cemitério, também criando mobílias com partes humanas.
A história deste maníaco serviu de inspiração para o cinema várias vezes, com produções bastante distintas como "Psicose" de Hitchcock, "O Silêncio dos Inocentes" e também para "O Massacre da Serra Elétrica".
O que estes três filmes tem em comum é um psicopata isolado, oprimido por uma forte figura materna e que tem fixação por cadáveres. Todavia, as abordagens são totalmente diferentes, desde um thriller policial até um filme de terror com requintes de crueldade como este de 1974.

A trama começa despretensiosa, com alguns amigos viajando pelo Texas para visitar a casa onde os avós de uns deles moravam. No caminho, dão carona para um sujeito estranhíssimo, o que já prenuncia o tom do que virá por diante. Depois de se livrarem do caronista doidão, eles encontram a casa abandonada dos avós, sem terem ideia que, ali perto, morte e carnificina os aguardam.

"O Massacre da Serra Elétrica" segue num crescendo sufocante, com as primeiras mortes ocorrendo tão naturalmente que nem temos muita consciência do que se sucederá. No entanto, na medida em que todos vão morrendo, somos surpreendidos pela cena mais assustadora de todas, na escuridão, com o maníaco com a serra elétrica na mão correndo atrás da mocinha.
Algo que se tentou fazer muito no cinema, geralmente sem competência, mas que. neste filme, é de deixar o espectador tremendo de tamanha angústia.

O enredo é trivial e se tornou um clichê com o passar do tempo. No entanto, não é a história que torna "O Massacre da Serra Elétrica" um dos clássicos do terror, mas o poder da maldade humana, a crueldade que habita, de alguma maneira, em todas as pessoas. E também a capacidade de retratar esta maldade no cinema, de maneira tão realista e terrível, como raras vezes se logrou.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Suspiria (1977)


É possível que um filme de terror seja, ao mesmo tempo, uma obra de Arte?

Talvez esta tenha sido a intenção do diretor italiano Dario Argento quando concebeu e realizou seu maior clássico, "Suspiria", de 1977.

Neste filme, acompanhamos a viagem da bailarina nova-iorquina Suzy Banyon até a Alemanha, para estudar dança numa renomada academia. No entanto, eventos muito estranho estão ocorrendo pelos corredores da academia e, assim que Suzy chega ali, já é saudada por um trágico assassinato que vitimou duas bailarinas.

Eu não consideraria "Suspiria" um dos filmes mais assustadores que já vi, longe disto inclusive. Há fortes cenas de horror, como o mencionado assassinato logo no começo, e há um clima constante de tensão, no entanto, o que distingue esta obra de Argento de vários outros do gênero é o cuidado absurdo aos detalhes, aos pontos de vistas, aos ângulos inusitados de câmera, à iluminação, à trilha sonora maestral, aos planos-sequências.
Tudo em "Suspiria" exala a centelha de um artista, que se revela em cada aspecto aparentemente insignificante.

A atuação é medíocre, porém compensada por toda a qualidade técnica da produção, comparável às de Kubrick ou de Roman Polanski.

"Suspiria" é um dos clássicos do cinema de horror, mas também é uma importante obra entre todos os gêneros.
Um pesadelo em forma de filme.

domingo, fevereiro 10, 2013

Mama (2013)


Eu me arriscaria a dizer que, em nossos tempos, um dos gêneros cinematográficos mais exigentes e difíceis de serem realizados com competência é o Terror.

Cada grande filme estabelece um padrão de qualidade difícil de ser superado e, ao observarmos em retrospecto, é complicado ser assustador depois de clássicos como "O Exorcista", "A Noite dos Mortos Vivos", "O Chamado", "A Profecia" ou "O Iluminado".

Vez ou outra, aparece alguma nova história que transcende esta tradição, mas, na maioria dos casos, vemos apenas o mesmo digerido, regurgitado e reembalado.

Em "Mama", temos uma premissa bastante interessante. Após um acidente, duas garotas são criadas num casebre no meio do mato por uma estranha entidade. Com o passar dos anos, elas mesmas acabam se tornando criaturas tão assustadoras quanto o monstro que cuidou delas, até que, enfim, o tio das meninas consegue encontrá-las, tentando reinseri-las na sociedade.
Só que o monstro, a mamãe do título, vem junto, para atormentar.

Faltou ousadia para este filme se tornar bom. Recheado com todos os clichês hollywoodianos e movido basicamente pelas mesmas técnicas de terror de sempre - a trilha sonora, os sustos, vultos e sombras -, "Mama" é decepcionante, pois não assusta, o que é o maior fracassso para um filme deste gênero, nem convence.

Uma execução pobre que comprometeu uma ideia bastante promissora.

terça-feira, janeiro 22, 2013

O Voo (2012)


Antes de tudo, não se engane. Este filme não é sobre aviação, nem sobre um acidente aéreo, ou sobre as investigações posteriores.

"O Voo" é um filme sobre alcoolismo e as consequências desta doença na vida das pessoas, seja do próprio alcoólatra, seja de seus parentes ou das demais pessoas que podem ser postas em riscos por este vício.

Denzel Washington é o comandante William Whitaker, um piloto que se envolve num acidente de avião e, por um ato milagroso, consegue salvar quase todos os passageiros da morte certa. Apesar de ter sido uma falha mecânica, Whitaker começa a ser investigado, pois encontraram indícios que ele poderia estar alcoolizado.

A trama desenvolve-se abordando, principalmente, a luta do piloto, ou melhor, sua negação diante de seu vício. Ele não reconhece o perigo que representa para si próprio, ou para os outros, e, ao longo das duas horas deste filme, acompanhamos sua trajetória para erguer-se do poço e reconstruir sua vida.

Sinceramente, não entendi toda a pirotecnia envolvendo um acidente aéreo, pois isto é totalmente irrelevante para a história. Whitaker poderia ser um motorista de ônibus, um torneiro mecânico, ou realizar qualquer outra profissão ordinária. Há alcoólatras em todas as classes sociais, atingindo todos os tipos de famílias, mas talvez a opção por um piloto comercial envolva toda a responsabilidade, na tentativa de criar uma tensão entre heroísmo e culpa, entre um ato de bravura e um comportamento autodestrutivo.

Mesmo sendo fã de Denzel Washington, o desempenho dele em "O Voo" foi mediano, aliás, alguns cacoetes de interpretação que já haviam se manifestado em outros filmes, como em "Hurricane" ou "O Gângster", se tornam evidentes demais para passarem despercebidos.

O desfecho é um anticlímax, tão piegas (e evidente) que não tem nenhum efeito emocional. "O Voo" é um filme panfletário demais para ser eficientes, ou para causar algum tipo de reflexão profunda.

sexta-feira, janeiro 18, 2013

A Hora Mais Escura (2012)


No mundo ideal dos norte-americanos, o bandido morre no final. É a máxima "olho por olho, dente por dente" aplicado ao pé da letra, somente a vingança apaga o ultraje feito.

Veja qualquer filme policial, faroeste ou de ação. Raramente o vilão é preso, julgado e condenado. Na maioria esmagadora dos casos, o criminoso é executado pelos mocinhos, ou acaba morrendo tentando fugir. Somente a morte apaga o crime, somente a execução é a justa medida da compensação.

O maior atentado terrorista em solo americano, o terrível ataque de 11 de setembro de 2001, expôs para os EUA e para o resto do mundo a fragilidade de um sistema e, principalmente, de uma mentalidade. A América conquistou a hegemonia econômica, política e militar durante o século XX, e criou muitos inimigos neste percurso, inclusive, convertendo aliados em antagonistas.

Osama Bin Laden foi um dos líderes treinados pela CIA, o serviço secreto americano, para ajudar os EUA numa guerra desigual contra a União Soviética, que invadia com seus tanques e helicópteros o árido e inóspito Afeganistão. No jogo da Guerra Fria, tanto os EUA quanto a URSS utilizavam países e governos aliados como peças num jogo de xadrez, sacrificando-os como se fossem peões na linha de frente.
Uma vez concluído um dos conflitos, como ocorreu na Coréia, no Vietnã, ou no Afeganistão, as duas potências abandonavam o palco da guerra, deixando toda a devastação e miséria para trás, sem consideração alguma por aqueles que um dia ajudaram-nos a defendem seus interesses imperialistas.

Bin Laden foi a cobra que picou a mão que a alimentou, mas, principalmente, a mão que abandonou os afegãos à própria sorte. Na mentalidade dos fundamentalistas islâmicos, e principalmente da Al Qaeda, a organização terrorista encabeçada por Bin Laden, todos os atos terroristas perpetrados contra os EUA e seus aliados são retaliações, são ações de vingança contra uma nação que não possui respeito algum pelo resto do mundo.

O terrorismo é a forma de guerra mais eficaz no século XXI, pois um homem-bomba pode gerar pânico num país inteiro. Contra indivíduos fanáticos, dispostos a tirar a própria vida por um ideal, não há exército capaz de derrotá-los. Morre um, e vinte se erguem para substituí-los. E esta é uma lógica que os EUA ainda não compreendeu.

Mas esta não é a história de "A Hora Mais Escura", dirigido por Kathryn Bigelow, a mesma por detrás de "Guerra ao Terror", um filme marcado por seu realismo sobre o cotidiano de tropas americanas no Oriente Médio.
Em "A Hora Mais Escura", acompanhamos o trabalho de uma agente da CIA no Paquistão, obcecada em rastrear e "capturar" Bin Laden. Entendamos esta "captura" como execução, o bom fim de todo bandido perigoso.

É difícil compreender a mensagem deste filme, onde exatamente ele quer nos levar. Para honrar e preservar a dignidade e a vida dos americanos, estes estão dispostos a torturar, humilhar e matar qualquer um que esteja em seu caminho. Inclusive, a tortura parece ser uma instituição nos interrogatórios da CIA no exterior, como sugere "A Hora Mais Escura". Não há um único membro da Al Qaeda que não seja, ou não tenha sido, torturado ao longo do filme e isto é um sintoma que, na luta contra o Terror, existem terroristas nos dois lados desta história. Um exemplo clássico do "mocinho" que se perde em sua trilha por vingança. Mesmo que nem possamos falar em mocinhos neste caso, pois tanto os EUA quanto os terroristas tem suas doses de crimes hediondos nas costas.

Conhecemos parte, ou boa parte, de como foi a operação de execução de Bin Laden. Os americanos descobriram seu paradeiro no Paquistão ao investigarem seu mensageiro pessoal, depois, bastou enviar uma tropa de elite para invadir o complexo e matar todos aqueles que reagissem, ou que esboçassem alguma reação, incluindo o próprio Bin Laden.
O que não sabíamos era toda a trajetória de investigação, a corrida frenética por pistas e evidências, para encontrarem o "homem mais perigoso do mundo".

Osama Bin Laden está morto, o vilão morreu no final. No entanto, quantos o substituirão, quantos não serão aqueles que se prontificação a se matarem para vingar o assassinato do líder?

Talvez a "Hora Mais Escura" não seja o final, mas apenas um novo começo, ou apenas mais um capítulo horroroso desta guerra suja e sem trégua.


domingo, janeiro 13, 2013

Django Livre (2012)


É difícil ser original quando se trata de faroestes, aliás, arrisco-me a dizer que é quase impossível.
Porém, as pretensões de Tarantino nunca foram a de ser original, como ele mesmo já afirmou claramente durante sua carreira. Os filmes de Tarantino são recortes, uma coleção de cenas, histórias e contextos que ele, como cinéfilo inveterado, admira no cinema.

Tarantino suga indiscriminadamente de todas as fontes, dos filmes mais cults aos mais blockbusters, pois, para ele, qualquer bom filme pode ser uma inspiração. No entanto, se este diretor fosse um mero parasita, simplesmente copiando, ou parodiando, filmes alheios, ele não teria conquistado o reconhecimento merecido. Tarantino digere e regurgita tudo dentro de sua violenta e brutal visão de mundo. Para Tarantino, viver é sobreviver, e sobreviver implica em livrar-se de todos aqueles que se interpõem no caminho, libertando-se de todas as amarras, como Django (Jamie Foxx), um ex-escravo que se torna caçador de recompensas.

Podemos dizer que tudo levou Tarantino a este filme. Sem dúvida, ele é um grande apreciador do gênero faroeste, como quase todos seus filmes anteriores apontam. Assim como Kurosawa, que transplantou a dinâmica dos western para os samurais do Japão Feudal, Tarantino deu um jeito de tornar muitos de seus filmes num faroeste travestido. Estes são os casos de Kill Bill, de Bastardos Inglórios e, em menor escala, À Prova de Morte.
Os faroestes possuem uma linguagem muito particular e característica. Geralmente, há um protagonista heróico de moral duvidosa, pois, no Oeste selvagem, não há espaço para fracos. Matar ou morrer depende de ser mais rápido e de não hesitar. Há vilões terríveis, por isto, o mocinho precisa também ser implacável.
Tarantino se apropria deste gênero com maestria e ele prefere não inovar, talvez excetuando pelo estranho personagem Doutor King Schultz (Christoph Waltz, uma cara que se tornou conhecida internacionalmente depois de ter aparecido como o oficial da Gestapo em Bastardos Inglórios e levado um Óscar de melhor ator coadjuvante por este papel). Não é sempre que vemos um caçador de recompensas alemão num filme de bang-bang, muito menos um personagem que traga uma nova perspectiva sobre temas tão cruciais quanto o escravagismo.
Dr. Schultz é a visão externa sobre uma situação que muitos nem se dão conta. Para ele, a escravidão é uma abominação, sensação que se acentua no decorrer do filme. É ele quem compra e depois liberta Django. É ele quem descobre o incrível talento de Django com armas de foto e convida-o para ser seu parceiro. É ele quem decide ajudar Django a resgatar sua esposa, uma escrava chamada Brunhilda e que aprendeu alemão para conversar com sua "sinhá".

"Django Livre" é um filme para os fãs de faroeste, disto não tenho dúvida. No entanto, antes de tudo, é também para aqueles que reconhecem o incrível trabalho de Tarantino em revitalizar gêneros e enredos, em revelar como até o divertimento mais banal pode possuir uma enorme carga dramática e - por que não? - também nos levar a ponderar sobre a inata brutalidade humana.
Com trilha sonora de Enio Morriconi, um dos maiores compositores italianos e cujo trabalho está presente em vários spaghetti westerns, "Django Livre" é diversão garantida, com muitos tiroteios, sangue e extraordinários diálogos.


segunda-feira, janeiro 07, 2013

Hitchcock (2012)


Que Alfred Hitchcock foi o maior mestre do Suspense e do Mistério do cinema, isto não é novidade para ninguém.
No entanto, que seu braço-direito, desde o início de sua bem-sucedida carreira como diretor, era a sua esposa, Alma Reville, bem poucos sabem. Ela era a palavra final na hora de escolher um roteiro para adaptação, auxiliava na direção e também tinha um olho clínico para editar os filmes do marido.

E menos pessoas ainda conhecem as dificuldades que Hitchcock e Alma tiveram de enfrentar para produzirem o maior clássico de suspense de todos os tempos, "Psicose".

Este é o tema de "Hitchcock", estrelado por Anthony Hopkins no papel de Alfred Hitchcock, Hellen Mirren no de Alma, e Scarlett Johansson no de Janet Leigh, uma das estrelas de "Psicose".

O ritmo do filme é um pouco lento, mas há boas cenas com um humor ácido e inteligente, e esquenta para valer perto do final, quando Hitchcock e Alma vão para a sala de edição para prepararem a última versão de "Psicose".

Sem dúvida, o grande mérito de "Hitchcock" é o vislumbre na vida privada e não-convencial deste gênio e de como, nos momentos de maiores dificuldades, necessitamos do apoio daqueles que amamos.
Não é exatamente um filme para todos os públicos, voltado principalmente para os amantes do cinema, aqueles mais interessados em alguns aspectos técnicos por detrás da câmera, e também para os apreciadores da filmografia de Hitchcock.
Alguém que nunca tenha assistido a versão original de "Psicose" perde boa parte da diversão e, se também não conhecer um pouco da bizarra história de Ed Gein, o assassino que inspirou tanto o livro quanto o filme (e também serviu de inspiração para "O Silêncio dos Inocentes"), ficará sem entender certas referências.

A atuação de Anthony Hopkins é brilhante, mas, às vezes, debaixo de toda aquela maquiagem, ele se parece mais a Marlon Brando no final de carreira do que com Hitchcock de fato.

Um filme muito divertido para os amantes da sétima arte.