quinta-feira, dezembro 08, 2005

Hotel Ruanda (2004)



É com muito constragimento que nós, ocidentais, confessamos nossa ignorância completa quanto ao que se passa na África.
Este continente é um universo limite para nossa racionalidade, um misto de pobreza extrema e de um exotismo natural inconcebível. Girafas e elefantes convivem com carros e pessoas em nosso imaginário. Savanas e safaris.

Nada mais tolo do que isso!

Durante séculos, os colonizadores europeus dominaram o território africano. Fragmentaram-no em dezenas de países, muitas vezes reunindo em uma mesma fronteira povos antagônicos, falantes de idiomas diferentes, grupos étnicos divergentes. Sob o domínio colonial, uma instável paz foi mantida. Porém, bastou que as bases do mercantilismo colonialista se convertessem nas exigências mercadológicas do capitalismo contemporâneo para que os europeus reunissem suas trouxinhas e deixassem aquela terra esquecida pelo nosso Deus judaico-cristão a sua própria sorte.
É neste momento em que a situação se complicou na África. Sem a tutela paternalista dos brancos, os povos africanos, cindidos em raças, etnias, credos, idiomas, passaram a se digladiar pelo controle de seus países. Este continente viu-se assolado por guerras civis, genocídios, intervenções da ONU, êxodos, campos de refugiados e as tristes imagens com as quais nos habituamos nos telejornais.
"Hotel Ruanda" é uma dessas histórias.

Em 1994, houve uma crise política em Ruanda. Os hutus - negros com traços físicos como narizes largos, lábios grossos e baixa estatura -, os quais durante o domínio belga foram maltratados, resolvem retaliar os tutsis, negros com fisionomias mais ocidentalizadas, dando início a um terrível genocídio.
Paul Rusesabagina (Don Cheadle), um hutu casado com uma tutsi, ao perceber que a situação havia escapado do controle e que as forças ocidentais de paz nada fariam para deter a revolução, resolve abrigar, no hotel no qual ele é gerente, o máximo possível de refugiados que conseguir.
Graças a esse ato de coragem, Rusesabagina conseguiu salvar mais de 1200 pessoas.
Baseada numa história real, "Hotel Ruanda" é um tapa em nossa cara.

Vemos os esforços minúsculos realizados pela ONU, o trabalho de formiguinha da equipe da Cruz Vermelha, a preocupação dos dirigentes brancos em salvaguardar apenas os brancos e em deixar os negros à revelia. Todas aquelas instituições criadas por um Ocidente doente para "cuidar" do mundo subdesenvolvido apodrecem diante do assassinado de quase um milhão de ruandenses. Um homem comum, sem poderes de chefe-de-estado, consegue, comparativamente, obter mais resultados do que super-potências, que preferiram ignorar o massacre em Ruanda.

Infelizmente, assim como preconiza um jornalista norte-americano, interpretado por Joaquin Phoenix, numa conversa com Rusesabagina, as imagens do que aconteceu em Ruanda são terríveis, o ocidental de classe média se horroriza diante do que assiste na TV. No entanto, logo em seguida, janta tranqüilamente.

Assim, enquanto no mundo ocorrem guerras, massacres, atentados, assassinatos, inanição, nós jantamos tranqüilamente.

domingo, dezembro 04, 2005

Kinsey, Vamos Falar de Sexo (2004)



Alfred Kinsey (Liam Neeson) dedicou boa parte de sua vida a compreender o mecanismo do sexo. Movido pelo desejo científico de registrar, classificar e decodificar o comportamento sexual dos seres humanos, Kinsey atraiu a atenção, o carinho e, acima de tudo, numa sociedade puritana como a norte-americana, o ódio.
É muito fácil falar e debater sobre sexo no século XXI (porém, não completamente sem uma carga de pudor), mas, em 1950, o gesto desse cientista foi um abalo nos alicerces da moralidade. Ele desafiou todas as convenções, bateu de frente contra um pai castrador, viveu experiências homossexuais, entrevistou homens, mulheres, gays, lésbicas, pedófilos, zoófilos, sadomasoquistas e toda sorte de orientações, taras e inclinações sexuais. Kinsey levou aos limites sua pesquisa, vivendo ele mesmo o objeto de seus estudos.
Sem dúvida, "Kinsey, Vamos Falar de Sexo" levanta uma série de questionamentos sobre a necessidade biológica do sexo, muito além da limitada, para não dizer ignorante, concepção religiosa. O ato de se relacionar sexualmente extrapola o horizonte da mera procriação e não deveria ser encarada como degradação ou pecado.
No entanto, o cientista acaba sufocando o ser humano e Kinsey é o reflexo de um homem obsessivo, que só pensa em sua pesquisa, só fala de sua pesquisa, e que passa por cima de tudo por causa dela.
Ao mesmo tempo em que denuncia a hipocrisia da religião quanto à verdadeira pesquisa científica, também nos alerta quanto aos perigos de se investigar apenas o "como", enquanto se esquece da pergunta mais fundamental de todas: o "por quê?"
O filme não é um dos maiores primores da sétima arte e, numa piada metalingüística, quando um jornalista indaga a Kinsey se ele já havia negociado os direitos para fazer um filme sobre sua pesquisa, o cientista se adianta e descarta tal idéia como estúpida.
Talvez ele estivesse certo...