quinta-feira, agosto 25, 2005

Bicicletas de Belleville (2003)



Depois de haver sido indicado a Oscar de Melhor Animação em 2004, uma aura envolveu "Biclicletas de Belleville", uma produção franco-canadense.
Uma trama estéril une as três personagens principais desta animação - Champion, Madame Souza e o fiel cão Bruno. Por razões não explicitadas na narrativa, Champion se vê, ainda criança, obrigado a morar com sua avó, uma matriaca portuguesa, Madame Souza, que tenta de todas as formas animar seu lúgubre neto. Para tanto, ela compra para ele um cachorro, a novidade, porém, logo perde a graça e Champion retorna a seu universo de tristeza. Após observar o interesse que seu neto tem por bicicletas, Madame Souza resolve estimulá-lo a ser um ciclista. Após vários anos, Champion está pronto para seu maior desafio atlético, Le Tour de France.
No entanto, durante a competição, uma inusitada situação acontece: Champion é sequestrado por misteriosos e truculentos homens vestidos de preto e conduzido através do mar até a metrópole de Belleville. Madame Souza, uma avó diligente, ancorada no faro apurado de Bruno, segue no rastro de Champion, até descobrir a misteriosa camarilha responsável pelo sumiço de seu neto.
A idéia até sugere que o filme pode ser interessante; o trabalho gráfico é belíssimo; as falas esparsas nos força a preenchermos nós mesmos as lacunas. Contudo, o fio condutor da história é fraco, o desenvolvimento é lento e moroso, as personagens se movem ao sabor das vicissitudes como que desprovidas de vontade própria.
Implícito na apresentação da cidade de Belleville, há uma crítica ao consumismo, à mercadorização dos indivíduos, ao desapego da moda (e dos modismos) às tradições, crítica à corrupção e à miséria urbana. A recriação de Nova York (a principal inspiração para a cidade de Belleville) baseia-se no realismo de Edward Hopper, um dos maiores pintores urbanos norte-americanos da Belle Époque. Mas o filme recai à sedução de personagens tipos, de clichês, de um deus ex machina e não convence. É mais uma animação infantil, travestida de cult.
Apesar de insinuar, "Bicicletas de Belleville" não explicita; não mostra a que veio; não cativa.
É um daqueles fenômenos coletivos de aceitação que não se pode explicar, que ocorrem sem se entender por quê nem como.

sábado, agosto 20, 2005

2 Filhos de Francisco (2005)



A história de Zezé di Camargo & Luciano?

Vários narizes já se torcem e um duplo preconceito vem à tona: primeiro, contra o cinema nacional, seguindo a linha daqueles que afirmam que no Brasil só se produz porno-chanchadas ou filmes violentos e escatológicos; segundo, contra música sertaneja.
Confesso que o segundo deste preconceitos é um dos que eu mesmo nutro, principalmente graças a industrialização que este gênero sofreu nas últimas duas décadas, tendo como expoentes três duplas lapidares - Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e, o tema deste filme, Zezé di Camargo e Luciano.
Nos Estados Unidos, há muito tempo que produções biográficas possuem um nicho de mercado próprio e histórias de superação, de realizações pessoais, de transposição de tragédias, e costumam atrair um público cativo (Hurricane, Um Grito de Liberdade, Malcom X, O Povo contra Larry Flint, O Aviador, Ray, isto para citar alguns dos filmes mais conhecidos).
Nosso país ainda está descobrindo a maravilha destas histórias, recontadas ficcionalmente, e que servem, de algum modo, como exemplos de vida.
O cenário é opressor, num vilarejo do interior de Goiás, um humilde lavrador, Francisco Camargo (Ângelo Antônio), deseja uma vida melhor para seus filhos. É incrível que num panorama com horizontes tão restritos, um indivíduo sem instrução e sem condições financeiras ouse lançar asas a sua imaginação e sonhar um futuro diferente.
Como costuma-se satirizar, no Brasil só há dois caminhos para uma pessoa pobre enriquecer, através do futebol ou da música. É claro que, na realidade, o percurso é muito mais árduo do que a simples descoberta de um talento e o despontar numa trajetória instantânea e meteórica.
A carreira de Mirosmar e Emival é exatamente o reflexo das dificuldades encontradas para se concretizar um sonho. Os dois filhos de Francisco reviram o pequeno mundo que conhecem, com sanfona e violão à tiracolo, emocionando aquele povo sofrido que se identifica nas canções - de saudades, labor e privações - que eles interpretam. Cercados por dificuldades, aproveitadores e revézes (entre eles a morte de Emival num acidente de trânsito), Francisco e seu primogênito, Mirosmar, continuam acreditando que um dia sua estrela há de brilhar.
Sabemos o fim desta história, poucos seriam aqueles que nunca ouviram falar da dupla Zezé de Camargo & Luciano (ou, para os íntimos, Mirosmar e Weston), ou nunca escutaram o desgoelar de "É o amoooor!!!".
No entanto, a magia do cinema nos revela seres humanos, transporta-nos para um contexto social ao qual apenas alguns afortunados conseguem sobrepujar. Uma realidade que esta dupla sertaneja, apoiada incondicionalmente por seu pai, desafiou e venceu.
Não é necessário gostar de música sertaneja nem ser fã de Zezé di Camargo & Luciano. Este filme não foi feito apenas para este público. A experiência humana supera todas as distinções de gosto e é impossível não se emocionar.
Uma trilha sonora de muito bom gosto (por incrível que isto possa parecer para alguns), com música sertaneja de raiz e grandes intérpretes. Além de uma escolha de elenco que supera todas as expectativas; Márcio Kieling no papel de Zezé é tão surpreendente que se chega a acreditar, nos primeiros instantes, que é o próprio músico interpretando si mesmo.
"2 Filhos de Francisco" surge com uma divulgação modesta, quase no boca a boca, mas com uma proposta homérica: revelar que vale a pena se viver um sonho, mesmo que este seja distante, penoso e quase inalcançável, pois, para alguns, para aqueles que tiverem talento e perseverarem, talvez possam repetir com Zezé: "Todo mundo achava que meu pai era louco, mas os loucos éramos nós que não acreditávamos".

Também pode ser lido em
www.adorocinema.com.br

quinta-feira, agosto 11, 2005

Água Negra (2005)



O parasitismo norte-americano realmente não tem mais limites. Após "O Chamado", "Dança Comigo?", "O Grito", lança-se agora mais um remake de sucessos japoneses.
No entanto, ao contrário dos três filmes supra-citados, "Dark Water" nunca foi um filme muito convincente. Não possuía o impacto de "Ringu", nem as fortes cenas de "Ju On: The Grudge". Do novo cinema japonês de terror, "Dark Water" era um dos mais fraquinhos.
O nome de Walter Salles na direção poderia ser um voto de confiança de que o filme não seria tão ruim. Afinal de contas, um diretor que traz em seu currículo filmes premiados como "Central do Brasil", "Diários de Motocicleta" e "Abril Despedaçado" deveria ter boas idéias para um filme que, originalmente, não era nem assustador tampouco possuía uma boa história.
Durante o processo de divórcio, Dahlia Willians (Jennifer Connely) deve comprovar que possui uma boa estrutura para conseguir ficar com a guarda de sua filha, Ceci (Ariel Gade). Para tanto, ela sujeita-se a alugar um apartamento em péssimo estado, mas grande o suficiente para ela e sua filha habitarem. Mas logo nos primeiros dias, elas começam a ter problemas com vazamentos de água proveniente do andar superior. Uma água negra, que dá nome ao filme, que insiste em continuar se infiltrando pelo teto mesmo após várias tentativas de reparo.
Este drama doméstico, que muitos locatários já devem ter sofrido (inclusive eu mesmo), logo revela-se como fruto de uma assombração, o espírito sem descanso de uma menininha que busca pelo amor de sua mãe.
Porém, contrariando o propósito de um filme de terror, "Água Negra" não assusta. Os vazamentos, por serem um evento cotidiano, aterrorizam mais do que a alma penada propriamente dita. O filme possui um ritmo morno do início ao fim, oferece respostas ruins e conclui de maneira insatisfatória. Além disto, ao abolir o conceito japonês quase escatológico, com um fantasma enlameado e de cabelos cobrindo o rosto, o remake americano se tornou um suspense fraco, que poderia ser intitulado "Água Negra com açúcar".
A estréia de Walter Salles no circuito hollywoodiano é um fiasco.
Agora resta sentar e esperar pelo próximo remake...

terça-feira, agosto 09, 2005

Dolls (2002)


A aspiração por ascensão social conduz Matsumo a romper seu noivado com Sawako e casar-se com a filha de seu patrão. No entanto, no dia da cerimônia, ele recebe a notícia de que Sawako havia tentado se matar e, então, toma uma drástica decisão.
Ao descobrir que está severamente doente, Hiro, um chefe Yakuza, passa a relembrar seu passado, remoer suas escolhas, e resolve retornar ao parque no qual ele costumava se encontrar com uma namorada de juventude.
Haruna Yamaguchi, uma famosa cantora pop, sofre um acidente de carro e, após ter seu rosto deformado, retira-se da vida pública e passa seus dias contemplando o mar.
Takeshi Kitano dirige estes três mitos urbanos, estas três vidas que se entrelaçam e que incomodam a paz cibernética do Japão. São as vozes do Outro, daqueles relegados às sombras, daqueles que tem muito a dizer, porém, que falam numa outra linguagem: o idioma do sofrimento e da dor.
Em alguma medida, todas estas histórias tratam de amor e de escolhas radicais. Não há juízos de valores, pois, em suas misérias, estes seres humanos são arquétipos da sujeição às conseqüências de suas decisões. Após um ato de insurgência, todos eles se movem como marionetes desprovidas de força, esmagadas pelo peso de seu exercício de arbítrio. Não é à toa que Kitano se inspira no tradicional teatro bunkaru, pois, assim como a tragédia grega, o teatro tradicional japonês com bonecos encerra verdades essenciais sobre a humanidade, as personagens trazem em si a falha trágica que impele todo o enredo ao desfecho fatal.
Não somos iludidos com a possibilidade de revoluções, sequer podemos acreditar que os protagonistas desejam mudanças. O que eles buscam são apenas respostas, contudo, tais respostas não estão disponíveis. Têm de ser criadas, concebidas e acolhidas. Porém, quem cria tais respostas é a voz do Mesmo, aquela mesma postura que os excluiu da sociedade, que os recluiu à margem da racionalidade e dos costumes.
"Dolls" é a história da exclusão.
Lembra muito alguns dos "Sonhos" de Kurosawa, desde a fotografia até o ritmo narrativo, não há reviravoltas nem um deus ex machina, simplesmente títeres manipulados pelas mãos do destino.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Machuca (2004)



No auge do processo socialista no Chile, encaminhado pelo presidente Salvador Allende, "Machuca" retrata o confronto de dois mundos.
Gonzalo Infante (Matías Quer) estuda numa das melhores escolas de Santiago, no entanto, a democratização de várias áreas faz com que o diretor do colégio, padre McEnroe (Ernesto Malbran), desenvolva um esquema de integração de classes sociais. Graças a esta decisão, alunos carentes, entre eles Pedro Machuca (Ariel Mateluna), obtêm a oportunidade de ingressar nesta conceituada instituição de ensino.
Em geral, a opção por retratar o universo infantil funda-se numa ilusão de que as crianças vivem num microcosmo lúdico, alheios a toda realidade e incólumes diante das crises históricas. Os exemplos são vários: "Lugar Nenhum na África", "Império do Sol", "Língua das Mariposas", "As Cinzas de Ângela", etc. Todos ambientados em momentos críticos, nos quais se exige algum tipo de compromisso (revolucionário ou contra-revolucionário), e nos quais as conseqüências destas decisões podem ser fatais.
"Machuca" sugere que seguirá esta orientação, ainda mais quando Pedro Machuca e Gonzalo Infante se aproximam e tornam-se amigos. De fato, neste primeiro instante, consciência de classe ou distinção econômica não são fatores capazes de interferir neste inusitado relacionamento e tal mescla proporciona experiências nunca antes imaginadas por aqueles dois meninos.
Porém, contradizendo a fórmula lúdica da alienação infantil, "Machuca" reforça mais do que nunca a noção marxista de lutas de classes. Num país dividido entre uma burguesia receosa em perder seus direitos de propriedade privada, do lucro e das regalias que o capitalismo proporciona àqueles que estão no topo da pirâmide econômica, e um proletariado esmagado pela miséria, sequiosos por mudanças e justiça social, a amizade entre Pedro e Gonzalo não pode ser permitida.
As diferenças não podem ser ignoradas, ainda mais quando a sombra de um golpe militar paira sobre o Chile, quando a antiga ordem social está para ser reinstaurada, quando toda a América Latina está prestes a ser tragada pelas mãos de ferro de ditaduras ou por populismos maquiavélicos.
"Machuca" é uma lição histórica sobre o destino de todas as utopias: a triste constatação de que a centelha de esperança por igualdade sempre é sepultada pelos punhos dos que enriquecem às custas da desigualdade.

domingo, agosto 07, 2005

Super Size Me - A Dieta do Palhaço (2004)



A proposta é interessante: fazer todas as refeições durante um mês em lanchonetes da rede McDonald's.
No entanto, Morgan Spurlock força nas tintas e o filme se torna uma caricatura de si mesmo.
Discípulo de Michael Moore, o novo papa da crítica anti-americana feita por americanos, Spurlock comete os mesmos erros deste, porém, sem conseguir os mesmos acertos.
Qualquer um que entenda um pouco de metodologia científica sabe que, numa pesquisa, deve-se possuir uma amostragem representativa, para que os dados estatísticos possam ser obtidos de maneira imparcial. O organismo humano é algo bastante complexo e é notório que o que causa mal para alguns, é benéfico (ou ao menos não causa reações adversas) a outros. Existem relatos de indivíduos que fumam pesadamente durante décadas sem grandes conseqüências, enquanto outros rapidamente sofrem os malefícios do tabagismo.
A pesquisa genética ainda engatinha nesta área e, aos poucos, tem se descoberto que há genes capazes de lidar com certas susbstâncias consideradas tóxicas ou capazes de metabolizar mais gordura. Portanto, a opção de Spurlock de sujeitar-se a este experimento como cobaia é no mínimo tendenciosa. É possível que se outra pessoa houvesse realizado o documentário, outros resultados poderiam ter sido obtidos.
O documentário, cuja pretensão deveria ser documentar, torna-se num panfleto unilateral contra fast foods. Apesar da boa intenção, Spurlock mune-se da mesma linguagem frenética usada pelas grandes redes de lanchonetes e soca goela abaixo sua tese. Não permite que o espectador retire suas próprias conclusões e está sempre antecipando o que se deve pensar sobre o assunto.
É difícil mensurar em até que ponto a demonização das coorporações alimentícias é uma boa estratégia de ataque. Ao menos parece ter surtido algum efeito, já que o McDonald's passou a divulgar uma tabela com os valores calóricos junto com a venda do lanche, contudo, quem está habituado, em alguns casos viciado, a consumir sempre os lanches desta rede dificilmente mudará seus hábitos graças a "Super Size Me".
Serve como uma advertência, mas jamais como esclarecimento.