quinta-feira, dezembro 08, 2005

Hotel Ruanda (2004)



É com muito constragimento que nós, ocidentais, confessamos nossa ignorância completa quanto ao que se passa na África.
Este continente é um universo limite para nossa racionalidade, um misto de pobreza extrema e de um exotismo natural inconcebível. Girafas e elefantes convivem com carros e pessoas em nosso imaginário. Savanas e safaris.

Nada mais tolo do que isso!

Durante séculos, os colonizadores europeus dominaram o território africano. Fragmentaram-no em dezenas de países, muitas vezes reunindo em uma mesma fronteira povos antagônicos, falantes de idiomas diferentes, grupos étnicos divergentes. Sob o domínio colonial, uma instável paz foi mantida. Porém, bastou que as bases do mercantilismo colonialista se convertessem nas exigências mercadológicas do capitalismo contemporâneo para que os europeus reunissem suas trouxinhas e deixassem aquela terra esquecida pelo nosso Deus judaico-cristão a sua própria sorte.
É neste momento em que a situação se complicou na África. Sem a tutela paternalista dos brancos, os povos africanos, cindidos em raças, etnias, credos, idiomas, passaram a se digladiar pelo controle de seus países. Este continente viu-se assolado por guerras civis, genocídios, intervenções da ONU, êxodos, campos de refugiados e as tristes imagens com as quais nos habituamos nos telejornais.
"Hotel Ruanda" é uma dessas histórias.

Em 1994, houve uma crise política em Ruanda. Os hutus - negros com traços físicos como narizes largos, lábios grossos e baixa estatura -, os quais durante o domínio belga foram maltratados, resolvem retaliar os tutsis, negros com fisionomias mais ocidentalizadas, dando início a um terrível genocídio.
Paul Rusesabagina (Don Cheadle), um hutu casado com uma tutsi, ao perceber que a situação havia escapado do controle e que as forças ocidentais de paz nada fariam para deter a revolução, resolve abrigar, no hotel no qual ele é gerente, o máximo possível de refugiados que conseguir.
Graças a esse ato de coragem, Rusesabagina conseguiu salvar mais de 1200 pessoas.
Baseada numa história real, "Hotel Ruanda" é um tapa em nossa cara.

Vemos os esforços minúsculos realizados pela ONU, o trabalho de formiguinha da equipe da Cruz Vermelha, a preocupação dos dirigentes brancos em salvaguardar apenas os brancos e em deixar os negros à revelia. Todas aquelas instituições criadas por um Ocidente doente para "cuidar" do mundo subdesenvolvido apodrecem diante do assassinado de quase um milhão de ruandenses. Um homem comum, sem poderes de chefe-de-estado, consegue, comparativamente, obter mais resultados do que super-potências, que preferiram ignorar o massacre em Ruanda.

Infelizmente, assim como preconiza um jornalista norte-americano, interpretado por Joaquin Phoenix, numa conversa com Rusesabagina, as imagens do que aconteceu em Ruanda são terríveis, o ocidental de classe média se horroriza diante do que assiste na TV. No entanto, logo em seguida, janta tranqüilamente.

Assim, enquanto no mundo ocorrem guerras, massacres, atentados, assassinatos, inanição, nós jantamos tranqüilamente.

domingo, dezembro 04, 2005

Kinsey, Vamos Falar de Sexo (2004)



Alfred Kinsey (Liam Neeson) dedicou boa parte de sua vida a compreender o mecanismo do sexo. Movido pelo desejo científico de registrar, classificar e decodificar o comportamento sexual dos seres humanos, Kinsey atraiu a atenção, o carinho e, acima de tudo, numa sociedade puritana como a norte-americana, o ódio.
É muito fácil falar e debater sobre sexo no século XXI (porém, não completamente sem uma carga de pudor), mas, em 1950, o gesto desse cientista foi um abalo nos alicerces da moralidade. Ele desafiou todas as convenções, bateu de frente contra um pai castrador, viveu experiências homossexuais, entrevistou homens, mulheres, gays, lésbicas, pedófilos, zoófilos, sadomasoquistas e toda sorte de orientações, taras e inclinações sexuais. Kinsey levou aos limites sua pesquisa, vivendo ele mesmo o objeto de seus estudos.
Sem dúvida, "Kinsey, Vamos Falar de Sexo" levanta uma série de questionamentos sobre a necessidade biológica do sexo, muito além da limitada, para não dizer ignorante, concepção religiosa. O ato de se relacionar sexualmente extrapola o horizonte da mera procriação e não deveria ser encarada como degradação ou pecado.
No entanto, o cientista acaba sufocando o ser humano e Kinsey é o reflexo de um homem obsessivo, que só pensa em sua pesquisa, só fala de sua pesquisa, e que passa por cima de tudo por causa dela.
Ao mesmo tempo em que denuncia a hipocrisia da religião quanto à verdadeira pesquisa científica, também nos alerta quanto aos perigos de se investigar apenas o "como", enquanto se esquece da pergunta mais fundamental de todas: o "por quê?"
O filme não é um dos maiores primores da sétima arte e, numa piada metalingüística, quando um jornalista indaga a Kinsey se ele já havia negociado os direitos para fazer um filme sobre sua pesquisa, o cientista se adianta e descarta tal idéia como estúpida.
Talvez ele estivesse certo...

quarta-feira, novembro 30, 2005

O Segredo de Vera Drake (2004)



O diretor Mike Leigh é obsecado pelo cotidiano. As pequenas coisas da vida, os momentos que passam desapercebidos, os diálogos sem segundas intenções, os atos aos quais poucos dão importância, é sobre esses elementos que esse diretor britânico erige suas obras.

Uma faca de dois gumes.
Esse mergulho na realidade como ela é, despida das cores ficcionais, pode fazer surgir grandes vislumbres da existência, ao mesmo tempo em que pode criar as narrativas mais tediosas concebíveis.
Em "Segredos e Mentiras", Leigh apresentou um enredo moroso e arrastado. Soneca na certa!
Porém, em "O Segredo de Vera Drake", ele extrapola o universo puramente cotidiano e introduz uma trama instigante.
Vera Drake (Imelda Staunton) é uma senhora como qualquer outra: trabalha como doméstica em casas de famílias, ajuda sua mãe idosa, diligente esposa e mãe atenciosa. Enfim, uma pessoa acima de qualquer suspeita. No entanto, uma vez por semana, Vera ajuda garotas a se livrarem de uma gravidez indesejada. Para ela, não há maldade nem malícia alguma nesse ato. Mas, após uma de suas "pacientes" ficar gravemente doente, Vera descobre da pior maneira a repressão moral e criminal da sociedade em relação ao aborto.
"O Segredo de Vera Drake" não é um filme panfleto, não defende uma tese, não toma uma posição. Vera não tem consciência do risco que pode estar causando à saúde das pessoas às quais ela ajuda, tudo que ela tem em mente é tentar dirimir o sofrimento daquelas jovens.
A interpretação de Imelda Staunton é angustiante por seu realismo. A afasia de Vera Drake diante da punição e do escárnio público está entre um dos momentos mais memoráveis do cinema. Apesar do trabalho incrível de Hilary Swank em "Menina de Ouro", deve-se reconhecer que a maturidade de Staunton a faz brilhar, e os dilemas da mulher que incita outras ao aborto é, por sua sutileza, muito mais desafiadores do que os da boxeadora tetraplégica.
Não há os malabarismos retóricos que tanto agradam nos filmes judiciais norte-americanos. Não há aquele suspense de última hora, aquela suspensão em saber se o juri inocentará ou condenará a mocinha.
O filme é cru e triste como a realidade. Um mundo no qual não há peripécias, sem clemência para quem erra.
"O Segredo de Vera Drake" é aquele louco escondido no porão do qual, freudianamente, Dalton Trevisan nos alerta.

segunda-feira, novembro 28, 2005

Madagascar (2005)


A questão entre cultura e natureza sempre inquietou a humanidade.
Não cabe aqui fazer um resumo das diferentes hipóteses desenvolvidas no decorrer da História, mas cumpre afirmar que, vez ou outra, os pratos da balança penderam para um dos lados. A cultura, como a instância decorrente da socialização dos homens, já foi interpretada como o fator principal que nos distingue dos demais animais, ao mesmo tempo em que foi encarada como um fator corruptivo, de desentranhamento da verdadeira pureza humana.
Pode parecer estranho para muitos que uma animação aparentemente tão despretensiosa quanto "Madagascar" dê margens a relacioná-la com tais indagações acerca da cultura/natura. Porém, basta fazer uma análise superficial do filme para perceber que essa problemática está no cerne do enredo e, mais do que isso, é resolvida de maneira extremamente simplória.
O filme se inicia no zoológico do Central Park, em Nova York, do qual a zebra Marty (Chris Rock) quer sair a qualquer custo. Movido por uma ânsia essencial, Marty deseja voltar para a natureza, retornar para a selva. Ideal que nem de longe é compartilhado por seus amigos, o leão Alex (Ben Stiller), a hipopótamo Gloria e a girafa Melman. Numa fantasiosa representação da vida num zoológico, com massagens teraupêuticas, cabelereiros e acupuntura para os animais, "Madagascar" discaradamente simula um ambiente nos quais os animais cativos possuem o melhor tratamento possível, com uma vida muito melhor do que a "selvageria" desenfreada da floresta.
Nesse mundo, a vontade Marty é quase uma insanidade. Por que trocar conscientemente uma vida regrada, controlada, protegida, por uma desconhecida e perigosa?

Nesse sentido, "Madagascar" é o extremo oposto de "Procurando Nemo". Enquanto que nesse segundo, o pequenino Nemo parte numa busca de auto-conhecimento, de auto-aperfeiçoamento, de superação de seus próprios limites, o primeiro é a insanidade daqueles que trocam o certo pelo duvidoso, a segurança pelo desconforto. Nemo é o aventureiro que não se satisfaz com os limites que a sociedade lhe impõe, ele está acima das convenções sociais e é através das adversidades que ele aprende. Marty é o indivíduo de classe-média, entendiado com sua vida cotidiana e rotineira; precisa partir, apenas para descobrir que ele pertence àquela vida rotineira.

Marty e seus amigos conseguem escapar do seu cativeiros e vêem-se lançados num mundo estranho e hostil. Madagascar, investada por lêmures e feras carniceiras, repele Marty, Alex, Gloria e Melman. Tudo lhes é alheio, eles não pertencem ao cenário, tampouco podem se adaptar. O selvagem em "Madagascar" é sinônimo de barbárie, de imoralidade; a civilização, por sua vez, é o progresso, o relacionamento respeitoso, a inserção no universo da eticidade.
Esse tolo reducionismo é apenas um dos pontos negativos desse filme que não cativa. A história morna, personagens planos, piadas insossas fazem de "Madagascar" uma decepção.

Um filme sobre os quatro pingüins psicóticos seria, sem dúvida, muito mais atraente e engraçado.

sábado, novembro 05, 2005

Janela Secreta (2004)



Eu havia ouvido falar muito bem desse filme. Gosto muito da atuação de Johnny Depp e, na maioria das vezes, filmes baseados na obra de Stephen King são passáveis.
"Janela Secreta" possui uma trama interessante. O escritor Mort Rainey recebe, em sua casa na beira do lago, uma estranha visita, um caipira, vindo direto do Mississipi, que alega ter um de seus textos plagiados por Mort. Uma série de problemas decorrem dessa alegação, à qual Mort jura de pés juntos ser inocente.
Quem possui o hábito de assistir filmes de suspense deduz logo nos quinze primeiros minutos como o filme se desenvolverá. Apesar de não ser ruim, por recair numa estrutura tão banal e primária, "Janela Secreta" causa um certo desconforto. Era de se esperar mais por uma história tão inusitada.
A maneira como o roteiro lida com a psiqué do protagonista, como monólogos interiores, com flashbacks, com a imaginação dele, é um ponto positivo, mas a solução dada é patética e só surpreende os mais incautos.
Razoável, mas não memorável.

sábado, outubro 22, 2005

Batman Begins (2005)



Nenhum dos diretores que se aventuraram, anteriormente, a verter para o cinema a história de Batman havia sido bem-sucedido.
As razões para esses insucessos são várias, mas se poderia destacar como uma das principais o fato de que a tragédia de Bruce Wayne e de sua vida dupla como um vigilante noturno é uma das mais complexas, contraditórias e agressivas do mundo dos quadrinhos. Antes dele, personagens mais simples e maniqueístas, como Super-homem ou Capitão América, já haviam provado que, para o cinema, era necessário um passo à mais do que tentar imitar literalmente os HQs.
Por isso, "Homem-Aranha", estrelado por Tobey McGuire, representou uma virada nesse gênero de filmes. Se não foi o primeiro, sem dúvida foi o que mais acertou a mão e criou uma linha mestra para os filmes inspirado em HQs que o sucederiam. De fato, "Batman Begins" poderia ser definido como o "Homem-Aranha" underground (e nem tão underground assim!). O filme do homem-morcego segue quase à risca o mesmo desenvolvimento do sucesso do aracnídeo, os mesmos dilemas, o mesmo percurso de descoberta de sua missão heróica e as mesmas dificuldades de um paladino da justiça iniciante. Empolga, mas dá uma enorme sensação de dejá vu.
Vemos o multi-milionário Bruce Wayne (Christian Bale) partindo em peregrinação ao Oriente, em busca de respostas pessoais pela morte brutal de seus pais. Lá, ele é treinado por um grupo de justiceiros que, sempre onde há injustiça, eles se reúnem para "purificar" o mundo. Como todos vigilantes, a medida da justiça é determinada por eles mesmos, portanto, dificilmente se poderia enquadrar num ideal universal deste conceito. Discordando dos princípios deste grupo - misto de ninjas e psicanalistas -, Wayne retorna a Gotham City e decide contribuir, de um modo bastante especial, para livrar a cidade do crime e da corrupção. Assistido pelo comissário Gordon (Gary Oldman), um policial incorruptível, por um cientista quase maluco (Morgan Freeman), por Alfred (Michael Cane), seu fiel mordomo e, indiretamente, pela promotora Rachel (Katie Holmes), Batman enfrenta os chefões do crime.
Como costuma ocorrer, o talento de grandes atores chega a ofuscar o brilho fugidio dos novatos, Sir Michael Cane e Morgan Freeman, mesmo com pequenos papéis, tomam a cena e incorporam os diálogos mais ricos. Liam Neeson e Gary Oldman assumem papéis planos, com personagens caricatos, mas, apesar disso, conseguem crescer. O comissário Gordon chega até a lembrar aquele bobão da bat-série que tanto alegrou nossas bat-infâncias.
"Batman Begins" supera de longe as porcarias nos quais esse herói já foi protagonista e, como o filme indica, tende a reverter a imagem tosca que sobre ele repousa no cinema. As continuações virão indubitavelmente e resta aguardar para ver se surgirá alguma novidade no roteiro e não apenas esta colagem de clichês e lugares comuns que tendem a rechear filmes de quadrinhos.

domingo, setembro 25, 2005

A Queda - As Últimas Horas de Hitler (2004)



Que estranho fascínio esta criatura diabólica, conhecida como Adolf Hitler, exerce sobre o imaginário humano!
No entanto, "A Queda" não trabalhará, como já foi feito até a exaustão pelo cinema norte-americano, este assunto demonizando o ditador, mas sim, com uma sutileza extraordinária, revelando a humanidade que havia naquele bunker em Berlim.
Conhecer um pouco da História da Segunda Grande Guerra não é vital, porém, contribui para reconhecer aquelas personalidades que marcaram negativamente a contemporaneidade: Hitler, Himmler, Goebbels, Speer, Eva Braun, Fegelein, além de outras que não aparecem no filme, mas que são mencionadas, como Göring e Dalitz.
O século XX foi bastante produtivo em crueldade e, ao invés de heróis, temos uma galeria de vilões. Hitler está, sem sombra de dúvida, no topo do pedestal da crueldade. Por isso, "A Queda" se torna um filme tão surpreendente: vemos um indivíduo contraditório, que consegue ser afável com seus subalternos civis, gosta de animais, atencioso com sua concubida - Eva Braun -, ao mesmo tempo em que é irascível, megalomaníaco, cruel, paranóico e inclemente.
Além de abordar os últimos dias do Führer em seu esconderijo, esta maravilhosa produção alemã, a primeira na história do cinema a apresentar um ator alemão no papel do ditador, revela toda sorte de emoções e comportamentos daqueles que estão próximos ao poder, variando da fidelidade cega de Goebbels, crente de que Hitler pode ainda conseguir se salvar, até os desesperados que não estão mais dipostos à morrer por um sonho insano.
Ver retratado em um filme tudo aquilo que documentários e livros durante décadas tentaram reproduzir - um governante descontrolado, comandando em mapas tropas que já foram dizimadas, arquitetando planos impraticáveis, enfurecido com conspiradores inexistentes, disposto a sacrificar milhões de vidas ao invés de se render - é bastante impactante.
É fácil julgar aqueles que colaboraram com o projeto nazista, nós que estamos distantes espaço-temporalmente daqueles acontecimentos, mas, como no caso de uma das testemunhas, a secretária do Führer Traudl Junge, que vivenciou aqueles dias, não havia este afastamento e era compreensível a adesão à aura de poder que emanava daquele sujeito.
Como que um só indivíduo foi capaz de unificar um povo inteiro num delírio imperial?
Isso ainda permanece um mistério. Não há dúvidas de que Hitler não possuía o apoio incondicional de todas as pessoas, nem mesmo de membros das estruturas de poder. Muitos sabiam que seus projetos eram impraticáveis, muitos tentaram abandonar o barco quando este começou a naufragar, muitos civis morreram sem jamais poder escolher entre a vida ou a morte.
"A Queda" é um dos filmes que merece ser visto por causa das grandes lições que encerra. Exemplos de crueldades que não podem ser esquecidos; exemplos de humanidade que transcendem até mesmo a barbárie da guerra.
Atuações magistrais (entre elas a de Bruno Ganz no papel de Hitler e de Ulrich Matthes como Joseph Goebbels) e uma reconstrução histórica excepcional fazem deste filme simplesmente uma obra-prima do cinema.

domingo, setembro 18, 2005

Balzac e a Costureirinha Chinesa (um fábula sobre transformação) (2002)



Durante o regime maoísta na China Comunista, dois amigos, Lu e Ma, são enviado para as montanhas, por causa de suas orientações reacionárias (entenda-se ocidentalizantes), para passarem por um processo de reeducação.
Neste local, eles devem aprender a se desapegarem de seus princípios capitalistas-ocidentais e descobrir como é a vida campesina revolucionária. Lá, Lu e Ma conhecem uma singela e ignorante costureirinha. O objetivo de ambos se torna, então, "civilizá-la".
Ao lerem livros proibidos, autores clássicos da literatura francesa como Balzac, Zola e Flaubert, os três criam um vínculo íntimo que os ligam à liberdade de pensamento e à ruptura de um autoritarismo intelectual.
Não raro costuma-se propagar aos quatro ventos os efeitos sociais da literatura, de como ela pode mudar o mundo. Creio que poucos exemplos poderiam ser mais apropriados do que as mudanças radicais que os livros realizaram naquele pequeno vilarejo chinês perdido em meio a montanhas. O próprio processo de superação dos três acaba por se refletir em toda a vida daquelas pessoas humildes, que papagueiam ideais revolucionários sem mesmo saber o que eles significam, semelhante a muitos jovens, que se acham revolucionários sem ler (ou sem entender) Marx.
"Balzac e a Costureirinha Chinesa" é uma crítica, ao mesmo tempo que uma advertência, contra quaisquer princípios ditatoriais restritivos da liberdade de expressão e de como o saber e a cultura podem sim serem motores de mudanças. Ao contrário do materialismo dialético, no qual a super-estrutura acaba por refletir a infra-estrutura, aqui temos um inversão de papéis, a cultura e o ideal burguês-liberal explodindo de dentro o escopo limitado de um marxismo imbecilizado e imbecilizante.
Uma fotografia belíssima e um enredo envolvente faz deste filme uma das pérolas do cinema internacional.
Inocentemente avassalador!

Também pode ser lido em
www.adorocinema.com.br

quinta-feira, setembro 08, 2005

Retratos da Província




Toda tentativa para ser original, em nossa época, redunda num esforço inútil.

Vários autores já preconizavam, muito antes de sequer se conceber um universo virtual como a internet, uma narrativa tridimensional, labiríntica, sem princípio nem fim.

Por razões óbvias, por sua limitação espacial, o livro nunca foi um suporte apropriado para este tipo de experimentação e apenas por extensão conseguia atingir o fim almejado desta inter-conectividade das narrativas e personagens.

No capítulo 10 de Ulysses, James Joyce descreve, na curta duração de uma hora, as trajetórias de uma dezena de personagens que se esbarram, encontram-se, ignoram-se ou simplesmente coabitam na mesma cidade. Jorge Luis Borges, em seu conto, Jardim das Veredas que se Bifurcam, propõe um mergulho nesta narrativa ilimitada, simultânea e inabarcável, mesmo que ele próprio só tenha podido vislumbrá-la conceitualmente.

Desde a década de 80, tem surgido, principalmente nos EUA, um movimento conhecido como hyperficção, o qual mune-se do suporte virtual para compor narrativas fragmentadas, as quais podem ser lidas em qualquer seqüência e da maneira como o leitor bem entender. Através da navegação por hyperlinks, o leitor escolhe a trajetória que mais o apraz, tornando-se, de certo modo, co-autor da narrativa.

No Brasil, os esforços em criar hyperficções ainda são limitados. Poucos autores se propuseram a se enveredar neste intrincado universo da não-linearidade que rompe com todos os princípios da ficção tradicional.

Esta coleção de contos que se encontra neste site, foi concebida como uma obra única, com as tramas entrelaçadas, com vidas que se tocam e num mundo compartilhado. Foi redigida num fôlego único e é de qualidade díspar. No entanto, vale como primeiro experimento.

Espero que vocês visitem,

Abraços.

http://www.provincia.cjb.net/

quinta-feira, agosto 25, 2005

Bicicletas de Belleville (2003)



Depois de haver sido indicado a Oscar de Melhor Animação em 2004, uma aura envolveu "Biclicletas de Belleville", uma produção franco-canadense.
Uma trama estéril une as três personagens principais desta animação - Champion, Madame Souza e o fiel cão Bruno. Por razões não explicitadas na narrativa, Champion se vê, ainda criança, obrigado a morar com sua avó, uma matriaca portuguesa, Madame Souza, que tenta de todas as formas animar seu lúgubre neto. Para tanto, ela compra para ele um cachorro, a novidade, porém, logo perde a graça e Champion retorna a seu universo de tristeza. Após observar o interesse que seu neto tem por bicicletas, Madame Souza resolve estimulá-lo a ser um ciclista. Após vários anos, Champion está pronto para seu maior desafio atlético, Le Tour de France.
No entanto, durante a competição, uma inusitada situação acontece: Champion é sequestrado por misteriosos e truculentos homens vestidos de preto e conduzido através do mar até a metrópole de Belleville. Madame Souza, uma avó diligente, ancorada no faro apurado de Bruno, segue no rastro de Champion, até descobrir a misteriosa camarilha responsável pelo sumiço de seu neto.
A idéia até sugere que o filme pode ser interessante; o trabalho gráfico é belíssimo; as falas esparsas nos força a preenchermos nós mesmos as lacunas. Contudo, o fio condutor da história é fraco, o desenvolvimento é lento e moroso, as personagens se movem ao sabor das vicissitudes como que desprovidas de vontade própria.
Implícito na apresentação da cidade de Belleville, há uma crítica ao consumismo, à mercadorização dos indivíduos, ao desapego da moda (e dos modismos) às tradições, crítica à corrupção e à miséria urbana. A recriação de Nova York (a principal inspiração para a cidade de Belleville) baseia-se no realismo de Edward Hopper, um dos maiores pintores urbanos norte-americanos da Belle Époque. Mas o filme recai à sedução de personagens tipos, de clichês, de um deus ex machina e não convence. É mais uma animação infantil, travestida de cult.
Apesar de insinuar, "Bicicletas de Belleville" não explicita; não mostra a que veio; não cativa.
É um daqueles fenômenos coletivos de aceitação que não se pode explicar, que ocorrem sem se entender por quê nem como.

sábado, agosto 20, 2005

2 Filhos de Francisco (2005)



A história de Zezé di Camargo & Luciano?

Vários narizes já se torcem e um duplo preconceito vem à tona: primeiro, contra o cinema nacional, seguindo a linha daqueles que afirmam que no Brasil só se produz porno-chanchadas ou filmes violentos e escatológicos; segundo, contra música sertaneja.
Confesso que o segundo deste preconceitos é um dos que eu mesmo nutro, principalmente graças a industrialização que este gênero sofreu nas últimas duas décadas, tendo como expoentes três duplas lapidares - Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo e, o tema deste filme, Zezé di Camargo e Luciano.
Nos Estados Unidos, há muito tempo que produções biográficas possuem um nicho de mercado próprio e histórias de superação, de realizações pessoais, de transposição de tragédias, e costumam atrair um público cativo (Hurricane, Um Grito de Liberdade, Malcom X, O Povo contra Larry Flint, O Aviador, Ray, isto para citar alguns dos filmes mais conhecidos).
Nosso país ainda está descobrindo a maravilha destas histórias, recontadas ficcionalmente, e que servem, de algum modo, como exemplos de vida.
O cenário é opressor, num vilarejo do interior de Goiás, um humilde lavrador, Francisco Camargo (Ângelo Antônio), deseja uma vida melhor para seus filhos. É incrível que num panorama com horizontes tão restritos, um indivíduo sem instrução e sem condições financeiras ouse lançar asas a sua imaginação e sonhar um futuro diferente.
Como costuma-se satirizar, no Brasil só há dois caminhos para uma pessoa pobre enriquecer, através do futebol ou da música. É claro que, na realidade, o percurso é muito mais árduo do que a simples descoberta de um talento e o despontar numa trajetória instantânea e meteórica.
A carreira de Mirosmar e Emival é exatamente o reflexo das dificuldades encontradas para se concretizar um sonho. Os dois filhos de Francisco reviram o pequeno mundo que conhecem, com sanfona e violão à tiracolo, emocionando aquele povo sofrido que se identifica nas canções - de saudades, labor e privações - que eles interpretam. Cercados por dificuldades, aproveitadores e revézes (entre eles a morte de Emival num acidente de trânsito), Francisco e seu primogênito, Mirosmar, continuam acreditando que um dia sua estrela há de brilhar.
Sabemos o fim desta história, poucos seriam aqueles que nunca ouviram falar da dupla Zezé de Camargo & Luciano (ou, para os íntimos, Mirosmar e Weston), ou nunca escutaram o desgoelar de "É o amoooor!!!".
No entanto, a magia do cinema nos revela seres humanos, transporta-nos para um contexto social ao qual apenas alguns afortunados conseguem sobrepujar. Uma realidade que esta dupla sertaneja, apoiada incondicionalmente por seu pai, desafiou e venceu.
Não é necessário gostar de música sertaneja nem ser fã de Zezé di Camargo & Luciano. Este filme não foi feito apenas para este público. A experiência humana supera todas as distinções de gosto e é impossível não se emocionar.
Uma trilha sonora de muito bom gosto (por incrível que isto possa parecer para alguns), com música sertaneja de raiz e grandes intérpretes. Além de uma escolha de elenco que supera todas as expectativas; Márcio Kieling no papel de Zezé é tão surpreendente que se chega a acreditar, nos primeiros instantes, que é o próprio músico interpretando si mesmo.
"2 Filhos de Francisco" surge com uma divulgação modesta, quase no boca a boca, mas com uma proposta homérica: revelar que vale a pena se viver um sonho, mesmo que este seja distante, penoso e quase inalcançável, pois, para alguns, para aqueles que tiverem talento e perseverarem, talvez possam repetir com Zezé: "Todo mundo achava que meu pai era louco, mas os loucos éramos nós que não acreditávamos".

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quinta-feira, agosto 11, 2005

Água Negra (2005)



O parasitismo norte-americano realmente não tem mais limites. Após "O Chamado", "Dança Comigo?", "O Grito", lança-se agora mais um remake de sucessos japoneses.
No entanto, ao contrário dos três filmes supra-citados, "Dark Water" nunca foi um filme muito convincente. Não possuía o impacto de "Ringu", nem as fortes cenas de "Ju On: The Grudge". Do novo cinema japonês de terror, "Dark Water" era um dos mais fraquinhos.
O nome de Walter Salles na direção poderia ser um voto de confiança de que o filme não seria tão ruim. Afinal de contas, um diretor que traz em seu currículo filmes premiados como "Central do Brasil", "Diários de Motocicleta" e "Abril Despedaçado" deveria ter boas idéias para um filme que, originalmente, não era nem assustador tampouco possuía uma boa história.
Durante o processo de divórcio, Dahlia Willians (Jennifer Connely) deve comprovar que possui uma boa estrutura para conseguir ficar com a guarda de sua filha, Ceci (Ariel Gade). Para tanto, ela sujeita-se a alugar um apartamento em péssimo estado, mas grande o suficiente para ela e sua filha habitarem. Mas logo nos primeiros dias, elas começam a ter problemas com vazamentos de água proveniente do andar superior. Uma água negra, que dá nome ao filme, que insiste em continuar se infiltrando pelo teto mesmo após várias tentativas de reparo.
Este drama doméstico, que muitos locatários já devem ter sofrido (inclusive eu mesmo), logo revela-se como fruto de uma assombração, o espírito sem descanso de uma menininha que busca pelo amor de sua mãe.
Porém, contrariando o propósito de um filme de terror, "Água Negra" não assusta. Os vazamentos, por serem um evento cotidiano, aterrorizam mais do que a alma penada propriamente dita. O filme possui um ritmo morno do início ao fim, oferece respostas ruins e conclui de maneira insatisfatória. Além disto, ao abolir o conceito japonês quase escatológico, com um fantasma enlameado e de cabelos cobrindo o rosto, o remake americano se tornou um suspense fraco, que poderia ser intitulado "Água Negra com açúcar".
A estréia de Walter Salles no circuito hollywoodiano é um fiasco.
Agora resta sentar e esperar pelo próximo remake...

terça-feira, agosto 09, 2005

Dolls (2002)


A aspiração por ascensão social conduz Matsumo a romper seu noivado com Sawako e casar-se com a filha de seu patrão. No entanto, no dia da cerimônia, ele recebe a notícia de que Sawako havia tentado se matar e, então, toma uma drástica decisão.
Ao descobrir que está severamente doente, Hiro, um chefe Yakuza, passa a relembrar seu passado, remoer suas escolhas, e resolve retornar ao parque no qual ele costumava se encontrar com uma namorada de juventude.
Haruna Yamaguchi, uma famosa cantora pop, sofre um acidente de carro e, após ter seu rosto deformado, retira-se da vida pública e passa seus dias contemplando o mar.
Takeshi Kitano dirige estes três mitos urbanos, estas três vidas que se entrelaçam e que incomodam a paz cibernética do Japão. São as vozes do Outro, daqueles relegados às sombras, daqueles que tem muito a dizer, porém, que falam numa outra linguagem: o idioma do sofrimento e da dor.
Em alguma medida, todas estas histórias tratam de amor e de escolhas radicais. Não há juízos de valores, pois, em suas misérias, estes seres humanos são arquétipos da sujeição às conseqüências de suas decisões. Após um ato de insurgência, todos eles se movem como marionetes desprovidas de força, esmagadas pelo peso de seu exercício de arbítrio. Não é à toa que Kitano se inspira no tradicional teatro bunkaru, pois, assim como a tragédia grega, o teatro tradicional japonês com bonecos encerra verdades essenciais sobre a humanidade, as personagens trazem em si a falha trágica que impele todo o enredo ao desfecho fatal.
Não somos iludidos com a possibilidade de revoluções, sequer podemos acreditar que os protagonistas desejam mudanças. O que eles buscam são apenas respostas, contudo, tais respostas não estão disponíveis. Têm de ser criadas, concebidas e acolhidas. Porém, quem cria tais respostas é a voz do Mesmo, aquela mesma postura que os excluiu da sociedade, que os recluiu à margem da racionalidade e dos costumes.
"Dolls" é a história da exclusão.
Lembra muito alguns dos "Sonhos" de Kurosawa, desde a fotografia até o ritmo narrativo, não há reviravoltas nem um deus ex machina, simplesmente títeres manipulados pelas mãos do destino.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Machuca (2004)



No auge do processo socialista no Chile, encaminhado pelo presidente Salvador Allende, "Machuca" retrata o confronto de dois mundos.
Gonzalo Infante (Matías Quer) estuda numa das melhores escolas de Santiago, no entanto, a democratização de várias áreas faz com que o diretor do colégio, padre McEnroe (Ernesto Malbran), desenvolva um esquema de integração de classes sociais. Graças a esta decisão, alunos carentes, entre eles Pedro Machuca (Ariel Mateluna), obtêm a oportunidade de ingressar nesta conceituada instituição de ensino.
Em geral, a opção por retratar o universo infantil funda-se numa ilusão de que as crianças vivem num microcosmo lúdico, alheios a toda realidade e incólumes diante das crises históricas. Os exemplos são vários: "Lugar Nenhum na África", "Império do Sol", "Língua das Mariposas", "As Cinzas de Ângela", etc. Todos ambientados em momentos críticos, nos quais se exige algum tipo de compromisso (revolucionário ou contra-revolucionário), e nos quais as conseqüências destas decisões podem ser fatais.
"Machuca" sugere que seguirá esta orientação, ainda mais quando Pedro Machuca e Gonzalo Infante se aproximam e tornam-se amigos. De fato, neste primeiro instante, consciência de classe ou distinção econômica não são fatores capazes de interferir neste inusitado relacionamento e tal mescla proporciona experiências nunca antes imaginadas por aqueles dois meninos.
Porém, contradizendo a fórmula lúdica da alienação infantil, "Machuca" reforça mais do que nunca a noção marxista de lutas de classes. Num país dividido entre uma burguesia receosa em perder seus direitos de propriedade privada, do lucro e das regalias que o capitalismo proporciona àqueles que estão no topo da pirâmide econômica, e um proletariado esmagado pela miséria, sequiosos por mudanças e justiça social, a amizade entre Pedro e Gonzalo não pode ser permitida.
As diferenças não podem ser ignoradas, ainda mais quando a sombra de um golpe militar paira sobre o Chile, quando a antiga ordem social está para ser reinstaurada, quando toda a América Latina está prestes a ser tragada pelas mãos de ferro de ditaduras ou por populismos maquiavélicos.
"Machuca" é uma lição histórica sobre o destino de todas as utopias: a triste constatação de que a centelha de esperança por igualdade sempre é sepultada pelos punhos dos que enriquecem às custas da desigualdade.

domingo, agosto 07, 2005

Super Size Me - A Dieta do Palhaço (2004)



A proposta é interessante: fazer todas as refeições durante um mês em lanchonetes da rede McDonald's.
No entanto, Morgan Spurlock força nas tintas e o filme se torna uma caricatura de si mesmo.
Discípulo de Michael Moore, o novo papa da crítica anti-americana feita por americanos, Spurlock comete os mesmos erros deste, porém, sem conseguir os mesmos acertos.
Qualquer um que entenda um pouco de metodologia científica sabe que, numa pesquisa, deve-se possuir uma amostragem representativa, para que os dados estatísticos possam ser obtidos de maneira imparcial. O organismo humano é algo bastante complexo e é notório que o que causa mal para alguns, é benéfico (ou ao menos não causa reações adversas) a outros. Existem relatos de indivíduos que fumam pesadamente durante décadas sem grandes conseqüências, enquanto outros rapidamente sofrem os malefícios do tabagismo.
A pesquisa genética ainda engatinha nesta área e, aos poucos, tem se descoberto que há genes capazes de lidar com certas susbstâncias consideradas tóxicas ou capazes de metabolizar mais gordura. Portanto, a opção de Spurlock de sujeitar-se a este experimento como cobaia é no mínimo tendenciosa. É possível que se outra pessoa houvesse realizado o documentário, outros resultados poderiam ter sido obtidos.
O documentário, cuja pretensão deveria ser documentar, torna-se num panfleto unilateral contra fast foods. Apesar da boa intenção, Spurlock mune-se da mesma linguagem frenética usada pelas grandes redes de lanchonetes e soca goela abaixo sua tese. Não permite que o espectador retire suas próprias conclusões e está sempre antecipando o que se deve pensar sobre o assunto.
É difícil mensurar em até que ponto a demonização das coorporações alimentícias é uma boa estratégia de ataque. Ao menos parece ter surtido algum efeito, já que o McDonald's passou a divulgar uma tabela com os valores calóricos junto com a venda do lanche, contudo, quem está habituado, em alguns casos viciado, a consumir sempre os lanches desta rede dificilmente mudará seus hábitos graças a "Super Size Me".
Serve como uma advertência, mas jamais como esclarecimento.

sexta-feira, julho 22, 2005

Efeito Borboleta (2004)



A figura de Ashton Kutcher pode ser facilmente associada a filmes de jovens americanos estúpidos e com vidas vazias. De fato, ele encarna, ao menos aparentemente, uma juventude idiotizada, sexista e com projetos de vida materialistas.
Por todas estas razões, vê-lo atuando num filme como "Efeito Borboleta" imediatamente surpreende.
A intrigante história funda-se num dos muitos paradoxos temporais que se desenvolveu durante o século XX: Quais seriam as conseqüências na vida individual e coletiva se a viagem no tempo fosse possível?
As duas principais teorias podem ser resumidas na seguinte dicotomia:
1 - a História não pode ser modificada, ou seja, indepentemente das ações individuais, a História possui um determinismo que faz com que ela, de um modo ou de outro, repita sempre os mesmos eventos;
2 - A História pode ser modificada, ou seja, atos individuais podem modificar o rumo dos acontecimentos e resultar em eventos completamente diversos.

A trama de "Efeito Borboleta" privilegia a segunda destas possibilidades e Evan (Kutcher), um rapaz com a incrível capacidade de retornar, através de suas memórias, no tempo, vê-se enredado nas infindáveis possibilidades alternativas de existências, caso altere algum dos aspectos de sua vida.
Com uma narrativa inteligente e estruturado de maneira bem mais simples do que o rebuliço teórico que expus, este filme é um estímulo à reflexão. Talvez mais do que pensar em como seriam nossas vidas caso houvéssemos agido de maneira diferente, "Efeito Borboleta" nos faz cogitar se a liberdade de decidir os rumos de nossa existência fundam-se mais numa ilusão de que poderíamos ter mudado as coisas do que a capacidade efetiva para fazê-lo.
Realmente, um filme que causa perplexidade e reflexão.

sexta-feira, julho 01, 2005

Sin City, A Cidade do Pecado (2005)



Assustadoramente magnífico!
O diretor Roberto Rodriguez apostou alto ao fazer uma tradução (ele mesmo preferiu este termo, ao invés de adaptação) do HQ "Sin City", criado por Frank Miller. Apostou alto, mas não podia ter acertado mais. O filme é simplesmente espetacular, arrasta-nos para o interior de uma cidade decadente, embebidos num clima noir, e cercados por más companhias. Uma fotografia perfeita, que recria para o cinema a estrutura de um Comics, tão próximo desta linguagem que Rodriguez utilizou os gibis de Milller como storyboards.
Um elenco de primeira linha surpreende ao encarar a missão de rodar um filme com uma proposta narrativa e visual completamente distinta do cinema que se produz hoje nos EUA. Bruce Willis, Rutger Hauer, Mikey Rourke, Clive Owen, Jessica Alba, Britney Murphy, Elijah Wood, Benicio Del Toro, isto para citar somente rostos mais conhecidos, são metamorfoseados nas personagens do universo canibalesco de Frank Miller. Eles incorporam tão visceralmente suas personagens que, após alguns instantes, eles despem-se de suas identidades e não mais os reconhecemos como as estrelas hollywoodianas, mas sim como aqueles homens e mulheres que se arrastam pelas ruas de uma cidade imunda, na qual a polícia é corrupta, os bandidos possuem ética, as prostitutas não levam desaforo para casa e na qual a impunidade rola à solta.
A narrativa é dividida em três grandes contos, cada um com unidade própria. Ao contrário de uma prática que se tornou comum, a de dividir micro-histórias e mesclar a narrativa, compondo um roteiro fragmentado, no qual mal nos conseguimos situar, pois quando criamos uma identificação com a trama, ela é interrompida e somos lançados para outros eventos, Roberto Rodrigues preferiu, sabiamente, dividir a trama em três blocos.

MARV
No primeiro, acompanhamos a incrível história de Marv (Mikey Rourke), um troglodita que parte em busca de vingança após a prostituta Goldie ter sido morta ao seu lado na cama de um hotel barato. Ao contrário das motivações vingativas tradicionais, nas quais o herói parte numa ânsia de desforra pela morte do irmão, da mãe, do tio, ou de algum ente querido, Marv havia conhecido Goldie apenas algumas horas antes. No entanto, o fato de ela ter dedicado sua atenção a ele, um homem horrendo (quase desfigurado), é o suficiente para que Marv sinta-se na obrigação de vingar a morte da única mulher no mundo que lhe deu algum valor.
Num ritmo frenético e envolvente, seguimos Marv na sua caçada de sangue, que somente terá fim quando ele descobrir quem é mandante daquele assassinato.

DWIGHT
Nem mesmo aqueles que possuem pinta de mocinhos são perdoados na Cidade do Pecado. Não sabemos qual é o passado de Dwight (Clive Owen), mas frases soltas nos indicam que ele é alguma espécie de criminoso foragido. Ao se relacionar com Shellie (Britney Murphy), a garçonete de uma taverna imunda, Dwight se vê envolvido num conflito com o ex-namorado dela, Jack (Benicio Del Toro). Ao seguí-lo até o bairro das prostitutas e vê-lo sendo assassinado pelas meretrizes, ele se envolverá nas maiores dificuldades para se desafazer do corpo do finado, já que este incidente pode causar uma guerra entre as prostitutas, a polícia e a máfia.

HARTIGAN
Hartigan é um dos poucos policiais incorruptíveis em Sin City. Logo no início do filme, ele arrisca sua vida para salvar Nancy, uma menina de 11 anos vítima de um maníaco sexual. No entanto, o pedófilo era filho de um influente senador; Hartigan tem, então, sua vida arruinada e seu único refúgio é Nancy, a qual ele terá de reencontrar depois de passar 8 anos na cadeia.

"Sin City" é o típico filme que já nasce um clássico. Ele possui todos os elementos capazes de torná-lo o melhor filme de 2005 e certamente pode representar uma revolução na maneira como se narra uma história cinematográfica.
Rodrigues converteu uma obra-prima da literatura quadrinística numa obra-prima do cinema.

quarta-feira, junho 22, 2005

Elefante (2003)



Inspirado na história do massacre em Columbine, "Elefante" é um filme pretensioso de Gus Van Sant. Não diz a que veio e não possui mensagem alguma.
A história se desenrola não-linearmente, acompanhando alguns dos alunos de um colégio durante uma manhã cotidiana de aula. Vemo-os debatendo em sala de aula, praticando esportes, participando de atividades extra-curriculares ou simplesmente perambulando pelos corredores da escola. A intenção de aproximar o espectador das personagens, acompanhando-as em seus momentos quotidianos, fracassa, aliás, tem o efeito inverso, já que transmite a sensação de que aqueles alunos americanos de classe média são completamente fúteis, inexpressivos e substituíveis. Tem-se a impressão constante de que são cordeiros indo ao abate e que isto não faz a menor diferença nem tem impacto algum.
Talvez este afastamento seja decorrente da banalidade do crime. É tão corriqueiro ver alunos se digladiando, filhos matando pais, pais matando vizinhos, alunos matando professores e outros alunos, que o filme de Van Sant parece insinuar que uma manhã usual num colégio norte-americano não é completa se não houver um homicídio (o que certamente não estaria muito longe da verdade, tanto lá quanto cá).
O filme surpreende apenas por um aspecto, que é a excelente montagem e o trabalho excepcional dos continuístas. Mas nada que valha a premiação em Cannes.
O espectador sai exatamente como entrou na sala de cinema, com apenas uma diferença, ele terá grandes dificuldades para compreender o porquê do título "Elefante".

Réquiem Para um Sonho (2000)



O segundo filme do diretor norte-americano Darren Aronofsky é uma história brutal sobre sonhos despedaçados. Os conflitos de quatros personagens se interconectam, enquanto todos caminham a largos passos em direção à desgraça: Harry Goldfarb (Jared Leto), um usuário de drogas que tem uma idéia genial para revender narcóticos e ganhar uma boa grana; Sara Goldfarb (interpretada pela genial Ellen Burstyn), mãe de Harry e que se torna dependentes de inibidores de apetite, após saber que poderia ser convocada para participar de um programa de TV e tentar emagrecer para caber no seu vestido mais querido; Marion Silver (Jennifer Connelly), namorada de Harry e também viciada; e, por fim, Tyrone C. Love (Marlon Wayans), amigo de Harry e parceiro na transação que pretendem iniciar.
Mantendo a mesma linha de "Pi", Aronofsky investe na psicodelia e numa edição frenética. O filme é repleto de belíssimas tomadas, imersas numa trama de podridão e decadência. Quanto mais lutam para concretizar seus sonhos (de Sara, ir ao programa de TV, e do trio, Harry, Tyrone e Marion, fazer uma gorda poupança), mais eles se arrastam ao fundo do poço, oprimidos pelas contingências e abusos que eles mesmos perpretam.
Apesar do ar underground , "Réquiem Para um Sonho" é um filme bastante realista e uma advertência para aqueles idealistas que crêem que tudo é possível, bastando um pouco de força de vontade. Esta fábula urbana mostra que quanto maior o vôo, maior é a queda e que são poucos os que estão preparados para agüentar quando as horas difíceis chegam.
Cru, forte e real!

terça-feira, junho 21, 2005

História Real (1999)



O irmão de Alvin Straight sofre um derrame. Com 73 anos de idade, meio cego e com problemas nos quadris, Alvin parte então numa extraordinária viagem para reencontrar o irmão, a quem não vê a 10 anos por causa de uma briga. Impossibilitado de dirigir, ele embarca em seu cortador-de-grama e tenta percorrer os mais de 500 km que separam os dois irmãos.
Talvez este seja o filme mais digestível de David Lynch, narrando uma história da maneira mais linear e simples possível, mas com uma habilidade ímpar.
Baseado na história verídica de Alvin (como o título em português já sugere), "História Real" é uma lição de vida. Estamos tão acostumados a criar problemas ao invés de solucioná-los que apenas com a proximidade da morte constatamos o quanto erramos. Alvin percebe que nem sempre é tarde demais e, na sua rota em busca da reconciliação, ele ensina e aprende com as pessoas que conhece. Lynch consegue dirigir um filme desesperadoramente humano e incrivelmente belo.
Com uma trilha sonora emocionante (que lembra em alguns momentos Dvorák) e uma fotografia inspirada, "História Real" é uma experiência cinematográfica singular. Creio que um diretor que consiga atingir a essência do ser humano como Lynch o fez, deve sentir-se realizado.
Como se ainda fosse possível, este filme ainda conta com a inacreditável e estasiante atuação de Richard Fansworth, que com apenas o olhar consegue transmitir todos os sentimentos de Alvin.
É um roteiro que contraria todas as regras de "ouro" hollywoodianas, mas que consegue aproximar o pequeno universo de Alvin ao nosso próprio mundo, já que suas vivências e aspirações também nos são próprias.
Belo, triste e "demasiado humano".

domingo, junho 19, 2005

Antes do Pôr-do-Sol (2004)



Jesse (Ethan Hawk) e Celine (Julie Delpy) se reencontram, depois de quase uma década, em Paris. Profundamente impressionado pela experiência em Viena, Jesse escreve um romance contando sua história e, no lançamento do livro na França, atrai a atenção de Celine, da qual ele não teve notícias durante todo este tempo.
Os dois jovens idealistas e românticos se converteram em indivíduos melancólicos e pessimistas. Para ambos, a noite em Viena significou um ponto de virada em suas vidas e nada mais foi como antes. Jesse, oprimido por um casamento sem amor, debate-se desesperadamente com as lembranças de Celine; esta, por sua vez, incapaz de se entregar a um amor, após a leitura do romance de Jesse, vê a chama da inquietação e da paixão se reacender.
"Antes do Pôr-do-Sol" responde à muitas das perguntas suscitadas por "Antes do Amanhecer". Contudo, o fim ambíguo do primeiro filme, que abre possibilidades de interpretações tanto otimistas quanto pessismistas, é resolvido com um hábil realismo. Sem coincidências incríveis, sem eventos mirabolantes, mas com um diálogo incrivelmente bem construído, que nos passa a impressão de que é uma inteligente e inquietante conversa cotidiana, "Antes do Pôr-do-Sol" é a conclusão (ou talvez ainda não...) de uma história de desencontros, de fracassos e de desilusões.
No fim, porém, os dois personagens ainda permanecem românticos e capazes de acreditar na mudança e no amor, sem as pieguices e os arroubos de uma juventude ingênua, mas com a bagagem emocional de relacionamentos dos quais extraíram boas e más experiências.
Mantendo-se fiel ao primeiro filme, "Antes do Pôr-do-Sol" traz à tela do cinema diálogos que poderiam ocorrer numa mesa de bar ou na fila de um banco, no entanto, revestidos da talentosa atuação de Hawk e Delpy que conseguem representar as angústias dos jovens contemporâneos.

segunda-feira, junho 06, 2005

O Clã das Adagas Voadoras (2004)



Quando você pensa que o cinema chinês não consegue mais supreender, Zhang Yimou surge com esta de obra arte chamada "O Clã das Adagas Voadoras".
Como o usual, o roteiro é extraído à partir de narrativas lendárias chinesas, as quais relatam que durante a decadência da dinastia Tang, por volta do século IX, um grupo de revoltosos se insurgiu e, aos moldes de Robin Hood, roubava os ricos para ajudar os pobres. Este grupo era conhecido como "O Clã das Adagas Voadoras". No entanto, ao contrário do que o título em português (e o em inglês) indica, a ênfase não é nas artes marciais, mas num triângulo amoroso impossível.
Com uma produção impecável e uma fotografia perfeita, "O Clã (...)" trilha o mesmo caminho de "Herói", transformando o cinema numa experiência visual e sonora total. A atenção dispensada aos mínimos detalhes é um demonstração de respeito ao espectador, pois Yimou trabalha com maestria todo o potencial de ludicidade da sétima arte.
Ao contrário do tradicional roteiro norte-americano, que tem dois pontos de virada principais (um na primeira metade do filme e outro no final), o roteiro chinês é repleto de reviravoltas e sutilezas que nos lançam de um lado ao outro, como numa hábil partida de xadrez. Apesar de se munir de alguns clichês, Yimou consegue utilizá-los sem comprometer a experiência estética do filme, a tal ponto que o espectador passa a esperar a próxima surpresa, fenômeno semelhante ao que ocorre no filme "Charada", com Audrey Hepburn e Cary Grant.
"O Clã das Adagas Voadoras" é um elogio à arte de se fazer cinema e, numa indústria cultural sobrecarregada de lixo, um exemplo de que ainda há um potencial vasto a ser explorado. Zhang Yimou consegue atingir, ou ao menos parece atingir, aquele ideal wagneriano de "Arte Total", unindo uma trilha sonora fabulosa, imagens estonteantes, um balé marcial fantástico e um roteiro trágico de primeira linha.
É o prenúncio de que muito ainda há de surgir nas mãos deste mestre chinês do cinema.

sábado, junho 04, 2005

Guerra nas Estrelas III: A Vingança dos Sith (2005)



O terceiro espisódio desta segunda trilogia parece ser uma concessão feita por Lucas para agradar aos fãs da primeira trilogia.
A nostalgia paira em pequenos e em grandes detalhes. Ao contrário de "A Ameaça Fantasma" e "O Ataque dos Clones", "A Vingança dos Sith" faz constantes referências aos filmes que consagraram, no final da década de 70 e início de 80, George Lucas como um gênio do cinema. Pela primeira vez, desde que se iniciou a produção desta malfadada trilogia (não em termo de bilheteria, já que qualquer porcaria alcança facilmente cifras de milhões de dólares), o espectador pode sentir um pouco da aura da revolução técnica e conceitual que representou "Star Wars: A New Hope" em 1977.
Mas este filme não apresenta novidades. É uma história que todos aguardavam e da qual conheciam um ou outro elemento. Lucas supre a curiosidade dos fãs em saber como se deu a origem do famigerado vilão Darth Vader, porque e como os gêmeos Luke Skywalker e Princesa Léia foram separados, e como o Senador Palpatine angariou o posto máximo de Imperador da galáxia. Se ele foi incapaz de criar uma trilogia que se equiparasse à primeira, ao menos conseguir encerrar satisfatoriamente com este filme.
Contudo, um espectador que só conheça os dois primeiros episódios ("A Ameaça [...] " e "O Ataque [...]") permanecerá em suspensão. É preciso ter uma visão global para relacionar todos os seis episódios e será um tanto difícil para os jovens de hoje compreender porque que certas coisas, tão modernas nesta mais recente trilogia (que ocorre no passado), tornam-se tão toscas e obsoletas do episódio IV em diante. Além disto, todo o mistério envolvendo Luke Skywalker e Darth Vader, que só é revelado no episódio V ("O Império Contra-Ataca"), perde a importância e converte-se em apenas mais um elemento do conflito entre a Força e o seu lado negro.
Ainda há espaço para uma crítica social neste filme e é muito fácil relacionar o autoritarismo e o imperialismo de Palpatine com o governo de George W. Bush. Porém, este tipo de associação pode ser um pouco rasteira, já que desde o primeiro filme (que é o episódio IV), "Star Wars" já direciona seu ataque a uma ditadura opressiva. Apesar de superficial, "Star Wars" aborda os perigos de uma democracia imperialista e enquanto na primeira trilogia isto poderia ser identificado com a Alemanha nazista (os componentes do alto escalão do Império galático tinham sotaque alemão) ou com a ameaça comunista, na segunda há um germe de crítica a estas pseudo-democracias cujo mote "Liberdade" só vale para seus cidadãos.
Alguns poderão até considerar "A Vingança dos Sith" como a obra mais bem acabada de Lucas, contudo, nenhum dos três primeiros episódios jamais atingirá o impacto e o frescor dos três últimos. Não são nem vinte anos de diferença entre eles, mas há mil anos luz de distância qualitativa. Não se pode negar, entretanto, que a crítica direcionada ao episódio IV, em 1977 - de que o filme de Lucas nada mais era do que um filme de cowboys e índios, só que ambientado no espaço -, ainda é válida.
Por fim, não há nada que me dissuada da idéia de que a personagem mais complexa e heróica deste filme ainda seja o robozinho R2D2.

sexta-feira, maio 20, 2005

Má Educação (2004)



O filme de Almodóvar, "A Má Educação" é metalinguagem pura.
A trama se inicia quando um diretor de cinema, Enrique Goded (Fele Martínez), imerso em uma crise criativa - uma identificação com Fellini parece incidental -, recebe a visita de um rapaz que se identifica como Ignacio Rodriguez (Gael Garcia Bernal), um colega de infância com o qual ele descobriu pela primeira vez os segredos do sexo. Este lhe traz um roteiro escrito inspirado à partir destas reminiscências. A história então se divide em três planos: no tempo presente, relatando a relação de Enrique e Ignacio; no tempo ficcional presente, enquanto Enrique lê o roteiro que narra a história de Zahara, o travesti no qual Ignacio se converteu na idade adulta e que se reencontra com seu amado Enrique; e, por fim, no tempo ficcional passado, abordando o relaciomento de Enrique e Ignacio enquanto crianças, oprimidos por uma rigorosa educação religiosa e tendo de lidar com a pedofilia dos sacerdotes.
Apesar de esta estrutura parecer confusa, Almodóvar consegue montá-la com maestria e coerência (diferentemente de um hábito que tem se tornado prática de dividir o filme em dezena de partes e depois montá-lo aleatoriamente, como em "21 Gramas" e "Pulp Fiction").
"A Má Educação" demonstra muito bem porque este diretor pode ser considerado como um dos grandes nome do cinema da atualidade. Com a excelente atuação de Bernal, este filme se agrega a um momento muito produtivo de Almodóvar, com obras badaladas e que caíram nas graças do público.
Uma crítica aos abusos de padres contra crianças e um mergulho no submundo do homossexualismo (menos do que "Tudo sobre minha mãe") e no das drogas. E, como se não bastasse, uma surpreendente reviravolta na conclusão da história, revelando a complexidade da personalidade humana.

sábado, maio 07, 2005

Pearl Harbor (2001)



Realmente os norte-americanos não nasceram para serem vítimas.
No auge da Segunda Grande Guerra, os EUA preferiam absterem-se de tomarem partido abertamente. Na verdade, por debaixo dos panos, as frotas americanas abasteciam com armamentos, utensílios e alimentos as nações que compunham os Aliados, enquanto que as corporações americanas lucravam rios de dinheiro comercializando tanto com as potências do Eixo como dos Aliados.
O Japão, que se encontrava em frontal oposição à Rússia, à China e à Manchúria, pressentia a iminência do ataque norte-americano, tendo de encarar uma guerra em duas frentes (erro tático que foi fatal para os exércitos alemães). Adiantando-se aos movimentos dos americanos, o exército nipônico realizou um ataque relâmpago a uma base estratégica norte-americana no Pacífico, Pearl Harbor.
Eis o cenário no qual se desenrola o maniqueísta filme de Michael Bay.
Como a grande parte dos filmes hollywoodianos baseados em eventos históricos, tal qual "Titanic", a trama amorosa melosa usada para "rechear" o enredo é desprezível e, na maioria das vezes, nauseante. A atuação dos atores que vivem um triângulo amoroso, os pilotos Rafe McCawley (Ben Affleck) e Danny Walker (Josh Hartnett), e a enfermeira Evelyn Stewart (Kate Beckinsale), é abominável e lembra muito o fiasco de DiCaprio e Winslet no famigerado naufrágio.
É curiosa a perspectiva utilizada, a qual se repetiu no espírito da América após os atentados de 11/9, de surpresa, de incompreensão e de vítimação, como se a nação mais poderosa do mundo (em 1941 ainda despontava como uma potência) fosse intocável. De inocente os EUA não tinham nada e é fato notório que há muito que eles já se preparavam militarmente para ingressar nos combates da Segunda Guerra Mundial. O mais curioso, porém, é que o filme não retrata particularmente o ataque japonês a Pearl Harbor, mas a conseqüente retaliação americana no complexo indútrial de Tokyo. De um descuido estratégico americano, "Pearl Harbor" consegue extrair heróis inverossímeis e cria um ambiente de comoção que afetaria somente alguém nascido "in the land of the brave and the home of free". Neste filme, há a completa ignorância dos processos históricos e dos motores que conduziram àquele estado de coisas.
Os poucos milhares de soldados, militares que juraram proteger seu país com a vida, que pereceram em Pearl Harbor dão o tônus deste filme, sem jamais levar em consideração a morte dos centenas de milhares de civis quando a América, em sua pujança bélica, detona duas armas nucleares sobre cidades japonesas.
Onde está a tão esperada revolução copernicana que tirará do eixo o americocentrismo do cinema?

domingo, abril 24, 2005

Mar Adentro (2004)



Ramón Sampedro (Javier Bardem) é um homem há 28 anos condenado ao seu leito. Um acidente em sua juventude o deixou tetraplégico e, durante toda este tempo, Ramón lutou pelo direito de morrer.
O filme de Alejandro Amenábar é poético em todos os sentidos. Poesia quando retrata o desejo sereno de Ramón por libertar-se de sua condição; poesia em imagens, e poesia quando Ramón põe em um livro poemas da sua dor.
Numa época na qual vimos o duelo jurídico entre o marido e a família da norte-americana Terry Schiavo, um a favor e a outra contra a eutanásia, obras como "Mar Adentro" e "Menina de Ouro" são a justa transposição dos questionamentos sociais contemporâneos. Mais do que o filme de Eastwood, "Mar Adentro" aborda, por seu próprio caráter racional, uma série de indagações éticas acerca da eutanásia, da vida e da morte. O argumento legal utilizado pelos advogados de Ramón, de que, num Estado dito laico, tal decisão, a liberdade de privar-se da própria vida, não deve pautar-se por princípios teológicos, é das mais coerentes. Por outro lado, eleva-se também o questionamento sobre o que pode ser caracterizado como vida: se é a capacidade para locomover-se, conhecer novas coisas, a racionalidade ou a capacidade de amar. Para Ramón, sua condição não é digna, mas isto é apenas um exemplo de como cada indivíduo lida e compreende sua situação sob diferentes perspectivas. Para alguém que pautou sua existência pela liberdade, a incapacidade de mover-se é talvez o maior dos grilhões. Ramón tem a sua volta familiares e amigos que o amam, porém, para ele, ter isto sem a liberdade plena que caracteriza o individualismo moderno, não basta.
Sartre afirmou que o homem está condenado à liberdade; a única situação à qual ele não pôde escolher foi seu próprio nascimento, no entanto, após lhe ter sido concedida a existência, ele tem, ao menos intelectualmente, a possibilidade de escolha ilimitada. Para uma pessoa sem quaisquer limitações físicas, ao estar farta da existência, não há empecilho real algum para tirar sua própria vida. No caso de Ramón, contudo, o único meio possível para isto é com a assistência de alguém. Por que, quando alguém se suicida, ninguém cogita em processá-lo, enquanto que, no caso da eutanásia, aqueles que acolheram o pedido de alguém que conscientemente escolheu morrer, são?
Longe de sugerir uma resposta a esta complicada discussão ética, "Mar Adentro" suscita uma série de outras indagações. É um filme que, ao invés de cercear os sentidos de compreensão, expande de uma maneira muito inteligente este debate.

quarta-feira, abril 20, 2005

Os Intocáveis (1987)



Alguns poucos filmes na história do cinema já nascem clássicos, e "Os Intocáveis" é um destes filmes.
Inspirado numa história real, o filme dirigido por Brian De Palma aborda a turbulenta década de trinta em Chicaco, comandada pelos chefões do crime organizado e numa América esmagada pelo crash na bolsa de valores em 1929. Para combater Al Capone (Robert De Niro), o mais notório dos gansters, Eliot Ness (Kevin Costner) é instituído como o responsável para desmantelar a rede de corrupção e de tráfico de bebida comandada por aquele criminoso. Para tanto, ele reúne um singular grupo de policiais, que mais tarde viria a ser conhecido como "Os Intocáveis", dispostos a arriscar sua vida pela justiça.
Constituído por uma constelação de astros de primeira linha, Costner, De Niro, Sean Connery e Andy Garcia, "Os Intocáveis" é um arroubo de perfeição e qualidade. Com uma reconstrução histórica minuciosa, inclusive com a reprodução dos trajes da época feita por Giorgio Armani, o filme é um baluarte da luta até as últimas conseqüências por uma causa.
A trilha sonora é excepcional e a releitura feita por De Palma da cena da escadaria de Odessa, do "Encouraçado Potemkin" de Eisenstein, é memorável.
Um dos pontos altos do cinema internacional e obrigatório para os amantes da sétima arte.

quinta-feira, abril 07, 2005

Procurando Nemo (2003)



Marlin é um peixe-palhaço e pai de Nemo. Após a morte de sua esposa, vítima da cadeia-alimentar, Marlin converteu-se num pai super-protetor e, consequentemente, castrador.
No entanto, quando Nemo é capturado por mergulhadores, Marlin se vê obrigado a deixar a proteção dos recifes e aventurar-se numa perigosa jornada para recuperar seu filho.
Esta fábula é uma belíssima história de superação individual e de afeto. Tanto pai e filho são forçados a transpor seus próprios limites: Nemo, por possuir uma deficiência física (uma nadadeira menor do que a outra) e Marlin, por seu medo de viver novas experiências.
Além disto, o filme escrito e dirigido por Andrew Stanton é uma inversão dos esteótipos comuns neste tipo de apólogo. Os tubarões, comumente relacionados a antagonistas, fazem parte de uma sociedade de reabilitação alimentar cujo lema é: "Peixes são amigos, não comida", enquanto que os humanos, geralmente associados à racionalidade e aos princípios morais, são os verdadeiros predadores da natureza. São eles que invadem os ecossistemas ao quais não pertencem, subtraem deles elementos com o argumento de estarem auxiliando e os recolocam em ambientes artificiais.
Apesar da projeção de ambições e comportamentos humanos, realmente é possível se questionar em até que ponto que retirar um animal de seu habitat e tentar domesticá-lo é um ato louvável. A representação dos humanos em "Procurando Nemo" é apenas um exemplo de como a nossa consciência ambiental ainda é subdesenvolvida.
Por fim, esta produção premiada com o Oscar de Melhor Filme de Animação traz a impagável Dory, um peixe (fêmea) que possui um sério distúrbio de memória. Uma das personagens mais engraçadas que já vi e creio que sempre rirei com sua maravilhosa habilidade poliglota de conversar com as baleias.
Um filmes com belíssimas lições de vida, porém sem ser moralista; diversão para toda a família.

domingo, março 27, 2005

Closer - Perto Demais (2004)



"Closer - Perto Demais" é uma atípica história de um retângulo amoroso. Dan (Jude Law), Alice (Natalie Portman), Anna (Julia Roberts) e Larry (Clive Owens) são quatro indivíduos solitários em busca de amor. Coincidências, armações e traições unem estas pessoas numa conturbada relação de incompreensão e de desencontros.
O roteiro é fraco. Saltos temporais entre as cenas passa a impressão de que a vida é sempre a mesma, independentemente das contingências; como se nada mudasse e não houvesse aprendizado. As personagens são escravas de suas paixões e buscam freneticamente nos outros aquilo que lhes falta. Em "Closer", não há amor verdadeiro, apenas uma projeção de expectativas que jamais é suprida. O filme é circular, começa e termina no mesmo ponto, não há superação, não há realização, há apenas a comodidade e o conformismo diante do que não se pode mudar.
Com exceção de Natalie Portman, o elenco é mediano. Julia Roberts, após uma série de comédias românticas de quinta categoria, busca alçar o status de atriz cult, trabalhando com Soderberg e agora com Mike Nichols, mas sua atuação é inexpressiva. A dupla masculina, Law e Owens também não possuem presença e passam despercebidos. Os diálogos sem consistência e beirando a banalidade não contribui para tornar "Closer" um filme interessante.
A visão pessimista, shopenhaueriana, poderia ser um ponto a favor do filme, porém, a história tangencia os problemas cruciais da existência humana e focaliza as relações entre as pessoas, mais especificamente as relações sexuais, como se este aspecto fosse o único relevante. As personagens são desprovidas de aspirações, são animais movendo-se em busca de satisfação física, sem se importar com quem.
Uma história superficial e desconexa.

Pós-escrito de 14/02/2011
Quase 6 anos depois de ter assistido a este filme pela primeira vez e escrito sobre ele, pensei que talvez fosse a hora de revisitá-lo e descobrir se a minha opinião havia mudado em algum ponto.
Definitivamente, não altero nenhuma linha do que havia resenhado sobre "Closer". Os personagens são unidimensionais, recobertos por uma falsa aura de profundidade. Em essência, não passam de animais falantes em busca de prazer, sem maturidade emocional ou intelectual, meras marionetes de seus desejos.
Por outro lado, talvez este seja também o grande mérito deste filme, pois, via de regra, é assim como a maioria das pessoas se comporta na vida real: criaturas irracionais e insatisfeitas em busca de prazer. Os conflitos de "Closer" são os mesmos conflitos que milhares de pessoas enfrentam todos os dias, em nossa jornada constante em direção à felicidade. No entanto, o filme parece apontar a hipótese de que felicidade não existe, por isto temos de nos contentar com o restolho que a vida nos proporciona. E talvez este seja o segundo grande mérito deste filme: conduzir os espectadores a buscarem um sentido oculto que não existe. "Closer" é isto aí que apresenta, e nada mais: a vida crua, desinteressante e vazia de quatro personagens infelizes.

domingo, março 20, 2005

Dr. Fantástico (1964)


Este filme satírico do mestre Kubrick é contemporâneo de um clássico da década de 60, "Limite de Segurança" com Henry Fonda (regravado nos anos 90 por George Clooney). Após um general do exército norte-americano ensandecer, um comando de ataque nuclear maciço é dado e o futuro da humanidade é posto em risco.
O presidente dos EUA, por um lado, e um subcomandante do exército britânico, por outro (ambos interpretados pelo impagável Peter Sellers, que faz ainda outro papel no filme, do personagem título, Dr. Fantástico), não medem esforços para evitar que este incidente se converta numa hecatombe com conseqüências inimagináveis.
Nesta comédia, Kubrick atira para todos os lados. Gravado no auge da Guerra Fria, "Dr. Fantástico" é uma crítica a um mundo dividido entre duas potências, as quais, a qualquer momento, poderiam deflagrar uma guera capaz de destruir o mundo. Além disto, ridiculariza os argumentos capitalistas que justificam a perseguição aos comunistas.
O momento alto do filme é a cena antológica de um cowboy (o piloto do avião que lançará uma das armas) cavalgando uma bomba nuclear, que se converte numa sátira ao rumo que os EUA seguiu após os bombardeios nucleares em Hiroshima e Nagasaki.
É muita clara a visão de Kubrick de que, mesmo se o mundo civilizado perecesse numa guerra de proporções globais, ainda assim os líderes das grandes potências ainda seriam capaz de racionalizar argumentos para perpetuar a rivalidade.
O papel mais supreendente é o do próprio Dr. Fantástico (Dr. Strangelove no original), um antigo cientista nazista que, após a queda do Terceiro Reich, une-se aos EUA para ajudar nas pesquisas científicas deste país (o que de fato ocorreu em larga escala, tanto entre os dissidentes que foram para a América como aqueles que se refugiaram na Rússia) e que, habilmente, consegue perpetuar as ideologias do estado nazista ao apelar para sedutoras propostas eugênicas.
Outra participação surpreendente é a ponta feita por James Earl Jones em sua primeira atuação para o cinema.
Uma comédia brilhante e com um humor negro de primeira linha.

Dois Perdidos Numa Noite Suja (2003)



Não é somente o título deste filme que lembra "Coisas Belas e Sujas". O tema desta produção brasileira, dirigida por José Joffily, também aborda o submundo da imigração ilegal num país estrangeiro; enquanto no primeiro, estrelado por Audrey Tautou e Chiwetel Eliofor, a trama é ambientada em Londres e aborda o tráfego ilegal de órgãos, o filme de Joffily se passa em Nova York, onde dois brasileiros, Tonho (Roberto Bomtempo) e Paco (Débora Falabella) penam para conseguir viver o sonho americano de prosperidade.
Mas "Dois Perdidos Numa Noite Suja", ao contrário de "Coisas Belas e Sujas", não dá margem para a esperança e para o otimismo. Durante todo o filme, tem-se a impressão de que não há como escapar daquele ciclo vicioso: ter saudades da pátria, mas não ter a coragem de voltar com o rabo entres as pernas depois de ter fracassado. "Dois Perdidos Numa Noite Suja" é o outro lado da terra das oportunidades; é o desamparo diante da falta de oportunidade, do sub-emprego, dos quartos escuros, das rotinas diárias pesadas para se ganhar pouco, do preconceito e de como é possível arrastar o ser humano a um estado de indignidade, no qual nenhum valor moral prevalece.
É claro que um filme naturalista como este nem sempre convence por seu determinismo, como se a humanidade fosse condicionada necessariamente pelas circunstânciuas e pelo ambiente.
Débora Falabella impressiona por sua atuação, apesar de estar um tanto teatral. Ao menos é uma oportunidade para vê-la interpretando uma personagem com conteúdo dramático, ao invés das personagens rasas e desprovidas de personalidade como Lisbella (de "Lisbella e o Prisioneiro"), entre outras mocinhas novelísticas.

segunda-feira, março 14, 2005

O Homem Que Sabia Demais (1956)



"O Homem Que Sabia Demais" faz parte dos thrillers conspiratórios dirigidos por Alfred Hitchcock (tal qual "Intriga Internacional").
O filme se prenuncia como mais um daquela safra xenofóbica norte-americana e teria tudo para ser um enredo medíocre, de uma família de classe média-alta que, numa viagem à África muçulmana, vê-se envolvida num evento que foge ao controle.
Os temas abordados pela indústria cinematográfica serviriam, para o pesquisador que se proposse a analisá-los, como uma fonte abundante para uma compreensão sociológica da formação do espírito norte-americano. Rasteiramente, pode-se localizar alguns temas recorrentes: o serial killer que assassina jovens que mantêm relações sexuais antes do casamento - baseado na rígida conduta sexual protestante ("Sexta-feita 13", "A Hora do Pesadelo", "Medo em Cherry Falls", etc.); o herói, que após transpôr uma série de obstáculos aparentemente instraponíveis, atinge seu objetivo - em comparação ao self-made man ("Matrix", "Guerra nas Estrelas", "O Aviador", entre outros); o indivíduo que deixa seu lar e viaja para algum lugar exótico, tem alguma espécie de problema e sente-se impotente diante de uma cultura e língua estranhas - revelando a supra-citada xenofobia e apego à pátria tão característica dos norte-americanos, além de configurar uma certa ignorância, que decerto eles consideram como virtude, quanto aos hábitos e costumes alheios ("Busca Frenética", "A Praia", "Expresso da Meia-Noite", e assim por diante).
É claro que esta enumeração acima não esgota, nem parcialmente, as temáticas dos filmes americanos, mas serve apenas como um amostragem de como o enredo está imbuído de algumas características determinantes da mentalidade e das fobias desta potência.
Contudo, apesar do tema, Hitchcock não cede à mesmice e a sua trama atinge proporções globais. O doutor Ben McKeena (James Stewart), durante uma viagem com sua esposa (Doris Day) e filho ao Marrocos, vê um homem ser assassinado no mercado público. Ao tentar ajudá-lo, o homem sussurra em seu ouvido um terrível segredo, que faz com que seqüestrem seu filho para que ele não revele a ninguém o que ouviu.
O filme é envolvente e, como grande parte das obras de Hithcock, ele se tornou referência quanto a certas estruturas narrativas e plano-seqüências. Esta versão, com Stewart e Doris Day, é uma regravação realizada em 1956 do original, dirigido pelo próprio Hithcock, de 1934.
O compositor da trilha sonora é Bernard Hermann (o mesmo de "Psicose") e sua habilidade minimalista é determinante para o clima tenso do filme. No entanto, ele se revela muito mais do que um compositor de uma nota só e compõe uma belíssima obra orquestral e uma canção original - "Que Sera, Sera"- que lhe valeu o Oscar.

quarta-feira, março 09, 2005

Entrando Numa Fria Maior Ainda (2004)



"Entrando Numa Fria Maior Ainda" é a seqüência da história de Gaylord Focker (Ben Stiller), um enfermeiro que passa por poucas e boas para tentar agradar seu sogro, Jack Byrnes (Robert De Niro). Neste filme, há o encontro entre as duas famílias, Byrnes e Fockers, o que será fonte de ainda mais problemas.
Neste segundo filme, contudo, há um aspecto que não foi abordado no primeiro (ou foi apenas superficialmente) que é a dicotomia entre dois modos simbólicos de vida que caracteriza os EUA contemporâneo. Por um lado, o republicano, patriota, puritano ex-agente da CIA, Jack Byrnes, e por outro, a família excêntrica, hippie, liberal e transgressora dos Fockers.
Apesar deste embate simbólico ser soterrado pelo cômico e pela sátira, é justamente numa oposição tão clássica quanto o convervadorismo e o revolucionário que o filme encontra toda sua fonte de inspiração e converte-se numa crítica a uma América que o mundo tem aprendido a odiar.
Uma história que pode encontrar reflexo em toda a família (levado obviamente à hipérbole pela comédia), "Entrando Numa Fria Maior Ainda" é riso na certa.

Eterno Amor (2004)



Do mesmo diretor de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain", com a mesma protagonista, mesmos roteiristas e com boa parte do elenco de "Amélie Poulain", porém, sem o encanto de "Amélie Poulain".
De fato, a impressão que se tem logo de início é a de que Jean-Pierre Jeunet acreditou ter encontrado uma fórmula cult para se dirigir bons filmes, e quis repetir em "Eterno Amor" o sucesso daquele filme que fez com que a carreira de Audrey Tautou deslanchasse.
A história é narrada por Mathilde (Tautou), uma jovem que parte em busca por respostas sobre o que aconteceu com seu noivo, Manech (Gaspard Ulliel), durante a Primeira Guerra Mundial.
À princípio, a fato de abordarem a primeira grande guerra já um deslocamento da prática usual, que cultua (quase que religiosamente) os eventos ocorridos durante a segunda grande guerra. É óbvio que as proporções de destruição entre a primeira e a segunda são gritantes, mas nem por isto alivia o horror da vida nas trincheiras belgas e francesas. A guerra urbana e o holocausto provocado pela máquina de guerra nazista osfucou um pouco o relato daqueles que morreram longe de suas casas em meio a florestas calcinadas intoxicados com gás mostarda, por isto o filme de Jeunet surpreende.
Contudo, "Eterno Amor" perde-se em meio a um enredo emaranhado, confuso e prolixo. Na metade inicial do filme, é infrutífera a luta para compreender qual é o nexo entre as várias personagens e concentrar-se na investigação de Mathilde. O filme entra nos eixos à medida que se aproxima do fim, mas não cativa. As digressões, estratégia extremamente bem utilizada em "Amélie Poulain", tornam-se um vício em "Eterno Amor" e mais atrapalha do que ajuda. A fotografia é belíssima, mas afetada e artificial.
O filme nasce à sombra de "O Fabuloso Destino de Amélie Poulain" e será sob esta sombra que ele será sepultado.

sábado, março 05, 2005

Louca Obsessão (1990)



Em geral, os filmes baseados em obras de Stephen King só servem para assustar criancinhas ranhentas, "Colheita Maldita" e "Cemitério Maldito" são alguns exemplos disto. Mesmo havendo algumas adaptações excepcionais, como "O Iluminado" e "À Espera de um Milagre", King é um escritor mediano e sem muita originalidade quando se trata de conceber suas histórias - ele sempre anda às voltas com casas, chalés ou hotéis em regiões isoladas dos EUA, melancólicas nevascas e o tema constante do isolamento e das distâncias que separam os indivíduos.
Contudo, em "Louca Obsessão", o diretor Rob Reiner consegue com maestria transmitir uma sensação de impotência e de angústia.
O romancista best-seller Paul Sheldon (James Caan) sempre se hospeda num remoto hotel quando da iminência de concluir um livro. Porém, ao tentar retornar à Nova York, ele é tragado por uma impetuosa nevasca e sofre um acidente. (In-) Felizmente, ele é resgatado pela enfermeira Anne Wilkes (Kathy Bates), que se dedica a cuidar dos ferimentos de Sheldon até que as estradas sejam desbloqueadas e ele possa ser levado a um hospital.
Acontece que Anne é a fã número um de Sheldon (segundo sua própria denominação) e ela fará de tudo para que Sheldon jamais a deixe. O único problema é que Anne não é uma pessoa mentalmente estável e seu arroubos furiosos "desconfortam" Sheldon.
"Louca Obsessão" é sem dúvida um dos filmes mais agoniantes que assisti, pois o estágio de impotência no qual Paul Sheldon se encontra - com as duas pernas e um braço quebrados - faz com que torçamos para que ele se livre das garras daquela enfermeira insana. Como todo filme de suspense, temos de aguardar o fim para sabermos o que acontecerá.
Mas pode-se adiantar que, em "Louca Obsessão", temos um exemplo de que há males que vêm para o bem.

quinta-feira, março 03, 2005

O Aviador (2004)



"O Aviador" é o segundo filme em que Martin Scorsese e Leonardo DiCaprio trabalham juntos, e é a terceira obra deste diretor que não funciona. Em "Vivendo no Limite", com Nicolas Cage, e principalmente em "Gangues de Nova York", Scorcese já se mostrava um diretor desgastado e inclinado a ceder em sua proposta artística em favor do espetáculo.
"O Aviador" nada mais é do que um grande espetáculo, no qual tem de tudo - festas, explosões, cinema e mulheres bonitas e famosas. Tudo com a função de fascinar o público norte-americano, que é muito mais suscetível a se embasbacar com as proezas de um conterrâneo excêntrico e ousado.
Howard Hughes era um dos playboys que deram o pontapé inicial para aquela América que se tornaria uma potência cultural, financeira e tecnológica. A América da qual os americanos de hoje sentem saudades. O filme de Scorsese narra a história de Hughes (Di Caprio), desde o momento em que ele recebe uma gorda herança de seus finados pais e começa a investir na nascente indústria cinematográfica até o momento em que, após uma relativa bem-sucedida empreitada no ramo da aviação, Hughes é perseguido pelo governo americano, acusado de praticar negociações ilícitas.
É supreendente assistir o desafio que era, naquela época, produzir um filme, quando gastar 4 ou 5 milhões era uma fortuna. Hoje, atores medianos ganham isto por filme e as super-produções podem alcançar facilmente a cifra de centena de milhões. Mas interpretações caricatas determinam o tom geral do filme.
"O Aviador" parece ter a proposta de exaltar o mito da América como a "terra das oportunidades" e na qual quem luta por seus objetivos, acaba alcançado. Mas filme deste gênero só acabam por revelar que o "sonho americano" é apenas um cadáver insepulto, tão louco e decrépito quanto o próprio Hughes no final de sua carreira.

One Missed Call (Chakushin Ari) (2003)



Os filmes de terror japoneses não hesitam a atribuir alguma maldição à tecnologia. "One Missed Call" (que bem poderia ser traduzido como "Chamada Perdida") não contradiz a esta fórmula acima.
Algumas universitárias começam a morrer, após terem recebido um misterioso telefonema no qual consta uma data e hora futuras, que vem a ser o exato momento no qual elas irão morrer. Do telefone celular da vítima, parte uma nova ligação, que conduz a um ciclo interminável de desgraças.
A trama não é nova, tampouco original. "Ringu" explorou este tema, só que através de uma ultrapassada fita VHS (é bem provável que hoje fosse um DVD ou VCD), e "Ju On: The Grudge" através da casa na qual quem entra, morre.
De todos os filmes japoneses de horror (ao menos entre aqueles que assisti), "One Missed Call" é sem dúvida aquele que possui a atmosfera mais soturna e repulsiva, com várias cenas que não perdem em nada para "O Ataque dos Mortos-vivos". A história não convence e, depois de tantas variações sobre o mesmo tema, duvido que alguém tenha medo de seu telefone celular após assistir a este filme.
Entretanto, pode-se ler uma mensagem nesta fixação nipônica pela tecnologia. O Japão é um dos maiores exportadores de produtos eletrônicos e eles mesmos tiveram de se adaptar a uma abrupta mudança em seus costumes na era pós-guerra. De fato, o mundo globalizado tornou-se completamente dependente da tecnologia, a tal ponto de que, se a internet deixasse de funcionar hoje, muitos serviços essenciais deixariam de funcionar. Talvez seja este o ponto focal de filmes como "Ringu" e, principalmente, de "One Missed Call", a subserviência da humanidade a algo que deveria ser um utensílio. Nós incorporamos tanto o discurso da necessidade que não conseguimos mais reconhecer o que é necessário e o que é acessório.
Além disto, é tom geral nestes filmes de horror a inexorabilidade da morte. Não há como evitá-la e, no fim, por mais que torçamos pelo contrário, podemos antever que não há salvação para os protagonistas. Mas isto já é uma premissa lógica desde Aristóteles e é uma das únicas certezas que podemos ter neste mundo.

"Todo homem é mortal".