terça-feira, fevereiro 19, 2013

Lincoln (2012)



Quem se detém para estudar um pouco da História dos Estados Unidos da América tem de dar o braço a torcer e reconhecer quão admirável é, em certos sentidos, esta nação.

Os pais fundadores, como são chamados os primeiros democratas do país, figuras como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, entre outros, tinham os olhos voltados para Iluminismo francês, importando ideias e conceitos bastante avançados para a época, noções como igualdade e liberdade, a inteligência e a cultura a serviço do desenvolvimento, e a democracia como a forma de governo mais justa e maleável.

Olhando em retrospecto, tudo parece ter ocorrido às mil maravilhas, mas a História tem suas sutilezas e sempre houve cismas na cúpula do poder americano. Havia os idealistas, mas havia também a realidade crua e brutal, esta natureza humana podre que se revela na luta pela supremacia, ao custo da opressão.

Qualquer sujeito razoável sabe que a escravidão é uma abominação, mesmo que isto não fosse tão evidente até para certos intelectuais do século XIX. O fato que é que a escravidão foi um negócio bastante lucrativo por vários séculos e muita gente criou fortunas nas costas dos escravos negros.

Os movimentos abolicionistas que se espalharam como fogo num matagal não comprometiam somente uma mentalidade, como também, senão principalmente, um sistema econômico. Nos EUA, havia dois mundos distintos: o norte industrializado e que rapidamente conseguiu se livrar do trabalho escravo, realizando a transição para o assalariado, sintoma da era industrial, e o sul agrícola, atrasado, com latinfúndios e dependente do labor servil.

A Guerra de Secessão americana começou por causa desta disparidade econômica e também pelo temor dos sulistas que a abolição da escravatura destruísse sua economia.

A figura no meio deste conflito era Abraham Lincoln, o décimo-sexto presidente dos EUA, um homem conhecido por sua inteligência e retratado neste filme de Steven Spielberg.

"Lincoln" aborda a complicada articulação política nos bastidores para a aprovação de uma emenda constitucional abolindo a escravidão, um dos legados que o presidente queria deixar para o mundo.
Basicamente, a trama é uma espécie de mensalão da abolição, com compras de votos de parlamentares para conseguirem fechar o número de votos suficientes para passar a emenda.
Um retrato fiel das tramóias e politicagens do governo, mesmo que fossem por uma boa causa. É o lado sujo da democracia, quando interesses pessoais dos governantes acabam falando mais alto do que o interesse da coletividade, quando o dinheiro e ameaças silenciam ideologias.
Neste caso em particular, a causa do "bem" venceu, mas quantas vezes o certo e o justo não foram distorcidos por estes mesmos interesses escusos nos bastidores do poder?
Esta é a indagação que "Lincoln" pode, ou até deveria, suscitar.

Um equívoco é pensar que a discriminação terminou com a abolição dos escravos. Os EUA ainda é um país extremamente segregado, com uma tensão racial constante, com crimes raciais ocorrendo todos os dias. A escravidão foi abolida nos EUA em 1865, quando vários outros países latino-americanos já haviam se antecipado, de maneira muito significativa com Simon Bolívar, mas a segregação oficial americana perseverou até 1964, sendo que a discriminação nunca se encerrou.

Os americanos gostariam de pensar que vivem num país equânime e igualitário, mas, na realidade, existem várias Américas, a dos brancos, a dos negros, a dos latino-americanos, a dos chineses, a dos nativo-americanos, e a de todas as demais minorias étnicas.

A América fragmentária e desigual gostaria de ver-se espelhada em filmes como "Lincoln", mas, nas ruas, os guetos continuam sendo a evidência inquestionável que eles podem estar juntos, mas separados, num Apartheid invisível de discriminação que mina cotidianamente a vida dos americanos.

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