sexta-feira, janeiro 27, 2012

Cão Danado/Nora Inu (1949)


"Cão Danado/Nora Inu" é um filme de mistério noir dirigido por Akira Kurosawa em 1949, e como todos os filmes do gênero, é um mergulho no submundo e no lado escuro do ser humano.

No devastado Japão pós-guerra, assistimos ao desespero do policial novato Murakami (Toshirô Mifune), da divisão de homicídios, que tem sua pistola roubada dentro do ônibus. Apavorado pelas consequências disto, tanto pelo perigo de sua arma acabar causando alguma vítima quanto de ser repreendido por seus superiores, Murakami empreende uma jornada pelas vielas de Tóquio em busca do ladrão.

Para quem está habituado a ver toda a opulência e sofisticação do Japão contemporâneo, este vislumbre por um país arrasado pela guerra e por duas bombas atômicas é assustador, em parte pelos horrores da guerra, e em parte por ver a capacidade deste povo de se reerguer e se tornar, em pouquíssimo tempo, uma potência econômica, cultural e tecnológica.

"Cão Danado" é um filme fraco, lento e com longas cenas sem propósito evidente. A trilha sonora é tão deslocada e inconveniente que chega até a irritar, simplesmente é como se não fizesse parte do filme e fosse a interferência de alguma rádio pirata. Este é o terceiro filme da parceria Kurosawa/Mifune e o ator está quase irreconhecível, com uma atuação morna e inexpressiva.

E assim como em vários filmes do pós-guerra, tanto na Europa quanto na Ásia, há uma tendência em justificar o crime e a imoralidade a partir dos traumas ou da necessidade, em estreitar os limites do que é ser honesto ou criminoso.

Esta obra vale como um registro daqueles tempos turbulentos, mas é uma narrativa frouxa, sem grande apelo e que não faz jus às obras-primas posteriores de Kurosawa.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Harakiri (1962)


No Japão feudal, durante o shogunato dos Tokugawa em 1630, o ronin Hanshiro Tsugumo apresenta-se diante de um senhor, procurando um local apropriado para cometer seppuku, o ritual samurai de suicídio mais conhecido como harakiri no Ocidente.

Antes de tudo, "Harakiri" é um filme sobre a perda da honra. Através de vários flashbacks, primeiro de um harakiri realizado por um outro samurai, Motome Chijiiwa, depois quando Tsugumo conta sua própria história de miséria, acompanhamos uma crise da classe dos samurais quando o Japão foi pacificado, e muitos guerreiros acabaram se tornando ronins, vagando pelo país, sem senhor e sem sustento.

A primeira cena de seppuku, de Chijiiwa, é simplesmente impressionante, pois, por causa de sua pobreza, ele havia vendido suas espadas, consideradas a alma de um samurai, e subsituído-as por outras de bambu. O senhor do palácio, sabendo que muitos ronins batiam de porta em porta dos senhores, pedindo um local para realizarem seppuku, mas, no fundo, apenas esperando que alguém lhes dessem alguns trocados, resolve fazer o caso de Chijiiwa um exemplo, e obriga-o a se matar com sua espada de bambu.

Este mesmo senhor pensa que Tsugumo também é um destes ronins sem honra e sem verdadeira intenção de se matar, contando-lhe a história de Chijiiwa para tentar dissuadi-lo. No entanto, Tsugumo tem suas convicções e, como saberemos posteriormente, ele tem uma razão muito específica para cometer seppuku no interior daquele palácio.

A história de "Harakiri" é brilhante, que me fez recordar "Ladrões de Bicicleta" de Vittorio de Sicca. Tanto no filme japonês quanto naquele italiano, vislumbramos quão baixo um ser humano pode cair, e como neste desamparo estão dispostos a fazer qualquer coisa. Contudo, é também uma catártica trama de vingança e, eu lhe garanto, sentimo-nos vingados com o ato de Tsugumo!

A fotografia e a iluminação são perfeitas, às vezes até trazendo à mente a do teatro japonês, e os planos-sequências são uma competência que raras vezes se vê em nossos dias.

Posso dizer, sem hesitação, que foi o melhor filme de samurais que já assisti, daqueles que lhe prende na cadeira desde o primeiro segundo, e que continua reverberando em sua mente muitas horas depois.

domingo, janeiro 22, 2012

À Prova de Morte (2007)


Podem falar o que quiser do diretor Quentin Tarantino, que ele abusa de cenas de violência gratuita, que seus filmes são repletos de humor negro, que é racista (como sugeriu Spike Lee), ou o que for, mas não se pode tirar o mérito dele, nem deixar de reconhecer que ele é um dos maiores fenômenos cinematográficos das últimas duas décadas.

São bem poucos os que conseguem trazer à tona temáticas e estilos de filmes C, revesti-los de uma carga conceitual contemporânea e torná-los cult. Além de que passar por um filme do Tarantino pode ressuscitar a carreira de quase qualquer ator.

Em "À Prova de Morte", um filme que faz parte de Grindhouse, uma sessão dupla de Tarantino em parceria com Robert Rodriguez, temos um revival dos filmes de perseguição de carros da década de 70, como aqueles com Burt Reynolds, e do psicopata assassino em série que persegue com seu automóvel turbinado as vítimas.

Outro grande mérito deste diretor é conseguir trazer para a tela do cinema longos diálogos, alguns aparentemente sem sentido, e ainda assim prender o espectador na cadeira. "À Prova de Morte" é uma fusão entre cenas de ação e diálogos tão próximos da realidade que soam inverossímeis.

O psicopata é interpretado por Kurt Russel, que se identifica como um dublê de cinema e séries televisivas e conduz um carrão que, segundo ele, é à prova de morte, reforçado para aguentar qualquer tranco. Este carro é a arma que ele utiliza para assassinar mulheres indefesas, isto até ele encontrar algumas amigas, também dublês de cinema, que estão longe de ser indefesas.

Tudo, desde a filmagem até a atuação um tanto artificial, remete-nos aos filmes C e talvez seja o mais fascinante de "À Prova de Morte", num intertexto entre outros filmes do Tarantino e de outros diretores. Assim como outras obras deste cineasta, esta é uma prova do profundo amor e respeito que ele tem pelo cinema, muito além da indústria, muito além do intelectualismo barato, muito além de reducionismos.

É diversão, pura e simples, e bem realizada.

sábado, janeiro 21, 2012

A Tale of Two Sisters (2003)


Sou fã do cinema de terror oriental, pois, mesmo quando o filme não é tão bom, ainda assim consegue ser mais assustador do que a maioria dos filmes de terror americano. Talvez isto se deva ao viés psicológico do horror asiático, quase sempre com crianças ou pré-adolescentes, o que ressalta ainda mais a tensão.

"A Tale of Two Sisters" (traduzido no Brasil pelo título simples e pouco explicativo de "Medo") é uma produção coreana, que se tornou um remake Hollywoodiano em 2009, "The Uninvited", ou também "O Mistério das duas irmãs".

O original e o remake são relativamente diferentes. Na verdade, primeiro assisti à versão americana e confesso que não me impressionou muito, nem me assustou. Já o original coreano é muito mais eficaz e aterrador, apesar de possuir praticamente o mesmo storyline.

Trata-se da história de duas irmãs inseparáveis, Su-mi e Su-yeon, que, por causa do pai, são obrigadas  a morar com a madrasta. Logo percebemos o conflito clássico da madrasta contra as filhas, que atinge limites inimagináveis, ainda mais se somarmos aparições fantasmagóricas na história.

No entanto, é impossível discernir muito bem o que são aparições reais, pesadelo ou delírio, principalmente da metade do filme até o fim. Acompanhamos uma desintegração progressiva da psiqué da protagonista, Su-mi, até um ponto insustentável.

"A Tale of Two Sisters" possui algumas cenas bastante assustadoras, possivelmente inspiradas em sucessos japoneses, como Ringu. O desfecho aberto e um tanto frouxo dá margem a várias interpretações, o que, na minha opinião, funciona muito melhor do que o final mastigadinho do remake americano. Definitivamente, os americanos não gostam muito de sair coçando a cabeça, tentando decifrar o que o filme queria dizer.

Para quem gosta do gênero, vale assistir a este filme, que figura em várias listagens de melhores filmes de terror dos últimos tempos, mesmo que não seja tão extraordinário assim, mas vale pelo clima geral e por algumas cenas bastante amedrontadoras.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Trono de Sangue (1957)


O enredo de "Trono de Sangue", dirigido por Akira Kurosawa, é de uma típica tragédia grega, ou melhor, de uma típica tragédia shakesperiana, pois é inspirado na peça "Macbeth".

O filme começa após uma insurreição em alguma região do Japão feudal, que é subjugada graças a dois generais, Washizu (interpretado por Toshirô Mifune, ator presente em vários filmes de Kurosawa) e Miki.

Para recompensá-los, Tzusuki, o governante do Castelo da Teia de Aranha, convida-os para visitar sua fortaleza. Os dois generais perdem-se numa floresta próxima ao castelo e encontram-se com um espírito maligno, que faz duas profecias: primeiro, que Washizu se tornaria o novo governante, e depois, o filho de Miki ocuparia o lugar de Washizu.

Assim como nas tragédias gregas, não há como fugir do destino, por isto, ao evitar que ele se cumpra, tanto Washizu quanto Miki apenas conduzem à realização das profecias.

"Trono de Sangue" é Kurosawa em sua melhor forma, com muitas batalhas, sangue e um ambiente bastante masculino. No entanto, talvez o mais interessante deste filme seja perceber o papel feminino, na figura da esposa de Washizu, que de certo modo é quem todo o controle sobre as decisões do marido, um vislumbre das sutilezas femininas numa sociedade brutalmente patriarcal.

Já disseram que Kurosawa é o mais ocidental dos diretores japoneses e, ao assistirmos um filme claramente estruturado a partir de paradigmas narrativos ocidentais, tão próximos do que estamos habituados, somos obrigados a concordar.