domingo, abril 17, 2011

Nosso amor do passado/Conversation(s) with other women (2005)



Imagine que você tenha encontrado o amor de sua vida e que se case com ele. Depois, imagine que, sem você saber porque, esta pessoa simplesmente desaparece, sem deixar nenhum indício para onde foi. Por fim, imagine que você reencontre esta mesma pessoa, vários anos depois, transformada e casada com uma outra pessoa.
Como você reagiria?

No filme "Nosso amor do passado", assistimos a dois desconhecidos que se encontram numa festa de casamento. Eles conversam e, aos poucos, revelam-se como amantes do passado. A trama é simples e complexa ao mesmo tempo. Simples em seu desenvolvimento, são duas pessoas conversando e relembrando fatos de seu passado juntos; complexa porque ela ultrapassa os limites do próprio filmes, suscitando questões filosóficas sobre o amor e sobre a memória.
Os dois personagens, interpretados por Aaron Eckhart e Helena Bonham Carter, são adultos amargurados, que provavelmente jamais superaram a separação traumática da juventude. A mulher tenta se mostrar forte em sua solidão, o homem se revela fraco e carente, também em sua solidão.

Numa estrutura bergsoniana de rememoração, homem e mulher reconstroem um passado compartilhado e fragmentado, tentando compreender e assimilar o que pode ter dado errado. Ambos gostariam que aquele encontro pudesse moldar um novo futuro para eles, mas aparentemente nenhum dos dois tem a coragem necessária para dar este passo.

Com uma edição perfeita, com flashbacks ocasionais interpolados à narrativa principal, "Nosso amor do passado" é o tipo de filme que esfacela os corações de quem já amou ou ama. "É tão difícil ser feliz" é uma frase dita no filme, e percebemos que boa parte desta dificuldade é criada por nós mesmos, com nossas complicações cotidianas, por causa de decisões equivocadas, ou por não agir no momento apropriado.

Filmes como este, fundados em diálogos inteligentes e longe de serem triviais, que transcendem a mera narrativa cinematográfica e refletem a profundidade da existência humana, são fenômenos raros. São filmes que trazemos conosco em nossas mentes por horas e dias, atormentando-nos com questões que nem sempre queremos encarar.

quinta-feira, abril 07, 2011

Norwegian Wood, de Haruki Murakami





Dois estereótipos básicos que povoam a imaginação do Ocidente quando se fala em Japão são: os samurais, e de um povo sistemático e extremamente bem comportado.

Justamente por isto que os livros de Haruki Murakami representam um divisor de águas nesta nossa compreensão equivocada da "Terra do Sol Nascente". Seus personagens são muito mais próximos da gente do que imaginávamos, com os mesmos conflitos, mesmos dramas, mesmas esperanças, até os mesmos gostos, só que com olhinhos puxados. Talvez Murakami seja o mais ocidental dos autores japoneses, mas o mais provável é que ele apenas tematize a condição humana, o que imediatamente nos une, brasileiros, americanos, japoneses ou indianos.

"Norwegian Wood" foi o romance que trouxe notoriedade a Murakami em 1987. O título, inspirado na canção homônima dos Beatles, já antecipa muito do clima do final dos anos 60, da rebeldia e do rock-and-roll.
O protagonista é Toru Watanabe e acompanhamos sua juventude através de alguns flashbacks. O universo de Murakami pertence ao domínio da memória, daquelas recordações indeléveis que nos tornam as pessoas que somos hoje.
Watanabe é um jovem em busca de um rumo. A universidade não o agrada, não tem muita ideia de como será seu futuro, sabe que gosta de música e de literatura, mas, de resto, é como um Holden Caulfield (de "O Apanhador no Campo de Centeio") à procura da própria identidade. Watanabe pertence a uma geração movida à sexo, música e bebida, e o acompanhamos através de seus amores e decepções, por todo o turbulento processo de passagem da adolescência pela idade adulta.

O grande mérito de Haruki Murakami, além de retratar o Japão com um novo olhar, é o de representar as inquietações de todos os jovens neste processo de transição, dos medos e da aquisição de responsabilidades. Os diálogos entre os personagens são brilhantes e de um realismo impressionante, possivelmente extraídos da própria história pessoal do autor.

"Norwegian Wood" é uma leitura agradável e rápida, porém de uma profundidade existencial que distoa de sua aparente acessibilidade. Murakami consegue a proeza de propôr profundas questões sobre a vida, sem ser tedioso ou complexo.

É simples e belo, como a vida deveria ser.

terça-feira, abril 05, 2011

Cisne Negro (2010)


Já fui mais fã dos filmes de Darren Aronofsky, daqueles de começo de carreira, quando não se tem de provar nada para ninguém, como em Pi ou Réquiem por um Sonho.

Em "Cisne Negro", este diretor investe no que melhor sabe, num thriller psicológico que deixa o espectador pasmo, sem discernir entre realidade e delírio. São poucos os momentos de "Cisne Negro" em que realmente temos certeza do que está ocorrendo de fato.

A trama é instigante e deve ocorrer todos os dias nas grandes companhias de balé. Nina (Natalie Portman) é uma bailarinha que sonha em representar o papel mais importante em "O Lago dos Cisnes" - uma das obra-primas do compositor russo Tchaikosvky -, o Cisne Branco e, seu alter-ego, o Cisne Negro.
Com a aposentadoria forçada da bailarina principal, interpretada por Winona Ryder, Nina vê a possibilidade de seu sonho tornar-se real.

Por ser a dançarina com a técnica mais perfeita da companhia, Nina facilmente consegue o papel para o Cisne Branco, porém carece de paixão para interpretar a vilã do balé, o Cisne Negro, é então que o filme começa a descambar num delírio e frenesi interminável.
A chegada de uma concorrente, Lily (Mila Kunis), que possui as características que Nina não tem, é uma grande ameaça, e numa trama envolvendo repressão, sexo, rivalidade e loucura, tudo pode acontecer.

Por mais desconfortável que seja assistir "Cisne Negro", e por mais que o filme tenha causado mais furor do que o necessário, esta é uma crítica a um universo de perfeição e beleza, às custas de muitos sacrifícios.
É interessante e ousado tematizarem o balé, um arte apreciada por poucos em nossos tempos, mas esta mesma trama poderia ser utilizada para o esporte, para o mundo da moda, para o mundo da música ou do próprio cinema, onde cada um quer devorar o outro, pisar nas pessoas para chegar ao topo, oprimidos por um ideal de perfeição inatingível.

Antes de tudo, "Cisne Negro" é a história da nossa civilização, insana e impiedosa, capaz de esmagar os demais para atingir seus objetivos.
É a história das nossas obsessões.