domingo, dezembro 30, 2012

O Impossível (2012)


O maremoto de 2004 no Sudeste Asiático foi a maior catástrofe natural que a minha geração assistiu até o momento. Estima-se que mais de 230 mil pessoas morreram por causa das ondas gigantescas, algumas com até 30 metros de altura, e, posteriormente, pelas consequências devastadoras do desastre.

Por isto que assistir a um filme como "O Impossível" seja tão incômodo e angustiante. Muitos de nós vimos, nos telejornais, intermináveis imagens do mar invadindo e varrendo do mapa cidades. Não se trata apenas de uma história de sobrevivência, mas principalmente de uma história de morte e destruição, que dizimou lares e famílias inteiras.

O ponto de vista é de uma família de estrangeiros, em viagem de férias à Tailândia, inspirado numa história verídica. A estrutura da narrativa é tradicionalíssima: no começo é só felicidade e diversão, até que a onda arrasadora do tsunami surge para mudar a vida daquelas pessoas para sempre.
Durante a primeira parte da trama, acompanhamos a luta de Maria (Naomi Watts), primeiro para sobreviver à inundação, depois para salvar seu filho Lucas e, por fim, sobreviverem ao inconcebível, ou, ao impossível que dá nome ao filme.
Na segunda parte, o foco se transfere para Henry (Ewan McGregor), o marido, que com os outros dois filhos, tentam manter a esperança de encontrar a esposa e Lucas ainda vivos.

Há dois aspectos que tornam o filme inconveniente: 1 - há uma fixação quase macabra em apresentar as feridas e a agonia dos personagens, de modo que chega a ser repugnante; e 2 - num nível mais intelectual, a história não possui profundidade.

Assim, deixei a sala de cinema com um misto de emoções, por um lado, "O Impossível" é um belo trabalho de reconstrução desta catástrofe, por outro, não possui uma mensagem muito clara que justifique sua existência.

Convenhamos que nem todos os filmes precisam ter uma mensagem, alguns podem ser mero entretenimento, sem nenhuma pretensão de ensinar algo às pessoas, porém, esta não me parece ser a proposta de "O Impossível", que pouco tem de entretenimento, inclusive, exaure o espectador com tantas desgraças.

No fundo, é uma história de sobrevivência, do animal humano que somos, e de como, em meio à tanta devastação, ainda é possível encontrar pessoas caridosas e compassivas, assim como egoístas que não dão a mínima para o sofrimento alheio.

Realmente, eu preferiria uma abordagem mais ampla, não apenas centrada em turistas ocidentais que, uma vez que embarquem num avião, estarão longe de toda a ruína causada pelo tsunami. Adoraria ter a perspectiva dos tailandeses e dos indonésios, que levariam anos para reconstruírem suas vidas, para sepultarem todos seus mortos e cicatrizarem todas suas feridas.

"O Impossível" é um filme bem executado, no entanto, brutal e sem propósito. Substitua o tsunami pelo King Kong ou pelo Godzilla, e você tem um blockbuster hollywoodiano, contudo, neste caso, há um sofrimento gratuito e interminável, sem a diversão dos americanos lançando bombas numa criatura horrenda.
O final não significa o fim da dor, mas apenas a certeza da falta de propósito de nossas existências e também a constatação que, na luta nossa contra a natureza, somos a parte mais frágil e indefesa.

quarta-feira, dezembro 26, 2012

Les Misérables - O Musical (2012)


Poucos romances se tornaram tão revelantes e universais ao longo dos séculos como "Les Misérables", de Victor Hugo.
Terrivelmente atual em 1862, quando foi publicado originalmente numa França turbulenta, ainda esmagada pelas sombras da Revolução, de seus subsequentes Anos de Terror e frequentes revoltas e tumultos.
O lema iluminista de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" serviu de inspiração para outros movimentos revolucionários ao redor do mundo e moldou os princípios que viriam a nortear a Modernidade.
Victor Hugo era um dos filhos da Revolução e seus livros são quase monografias, defendendo algumas teses bastante evidentes.

Em "Les Misérables", dois temas se cruzam e dialogam: o primeiro, do ex-prisioneiro Jean Valjean, condenado a 19 anos de trabalho forçado e que, ao tentar se reintegrar à sociedade, é perseguido por um oficial da Lei, Javert, um sujeito que não acredita que um bandido possa se recuperar; o segundo, é o do próprio espírito revolucionário, das batalhas necessárias que devemos empreender pela causa da justiça, mesmo que isto nos custe a vida.
O fato é que não é fácil resumir uma obra que se estende por muitas centenas de páginas em seus cinco volumes, muito menos é a tarefa de adaptá-la para o cinema ou para um musical.

Mesmo assim, "Les Misérables" já foi transposto para o cinema, TV e teatro várias dezenas de vezes, sendo que a melhor adaptação que já vi foi de uma série televisiva com Gérard Depardieu no papel de Jean Valjean, e John Malkovich no de Javert. Em suas 6 horas, há tempo o bastante para explorar a complexidade da obra de Hugo, ainda que não seja o suficiente para explorar todas as sutilezas.

Talvez por isto que a adaptação para um musical, primeiro em Paris, depois em Londres e Nova York, tenha sido recebida com reações negativas da crítica, apesar do sucesso popular.
Pois "Les Miserábles" ainda continua atual, ainda fala sobre os injustiçados, os pobres e esquecidos, sobre aqueles que não tiveram oportunidades, para quem falta um teto ou comida e que acabam tendo que se rebaixar aos mais profundos dos poços, abrindo mão da dignidade e daquela centelha de moral que nos caracteriza como humanos.
Victor Hugo escreveu sobre os pobres e miseráveis de uma França oprimida pela ganância e indiferença de monarcas e governantes, mas hoje poderia estar escrevendo sobre os soropositivos esquecidos de rincões da África, ou sobre as prostitutas infantis nas favelas de Mumbai, pois a miséria ainda está viva, ainda está presente em nossa sociedade.

O musical preserva a essência da obra de Victor Hugo, apesar de suas muitas pontas soltas. Através da música é possível expressar emoções que nenhuma cena ou descrição são capazes, e é nesta tecla que bate "Les Misérables - O Musical".


Eu não era um grande fã de musicais, logo confesso, por isto, não fui ver "Le Miz" na Broadway. Tornei-me um apreciador posteriormente, quando a peça já não estava mais em cartaz. Por isto, esperei ansioso a ousada adaptação deste musical para o cinema, dirigida pelo britânico Tom Hooper.
O elenco não era dos mais estimulantes. Excetuando Hugh Jackman, que iniciou sua carreira em musicais e se consagrou em West End, eu não associaria nenhum dos outros grandes nomes do elenco principal, como Anne Hathaway e Russel Crowe, com um musical.
Nada poderia me preparar para o (talvez) maior fenômeno cinematográfico dos últimos anos.

O maior mérito não está na adaptação, nem neste enredo tão conhecido, mas na inovação na hora de gravar as trilhas musicais. Ao invés do habitual, de realizar a gravação das canções em estúdio e depois tocá-las em playback no set de filmagem para que os atores sincronizassem as vozes, o diretor optou por gravar as trilhas ao vivo, durante as próprias cenas.
Isto pode parecer um detalhe insignificante, porém proporcionou um realismo e uma carga dramática às performances como jamais vi antes em um musical. Depois disto, estas mesmas canções em estúdio parecem desprovidas de alma.


A melhor atuação de todas é, sem dúvida, do desespero de Fantine (Anne Hathaway) ao atingir a pior degradação possível. Após, é impossível pensar na canção "The dream I dreamed" sem ser na voz dela.
Por outro lado, como era de se esperar, Hugh Jackman não decepciona, com alguns momentos de brilhantismo e, por incrível que pareça, até Russel Crowe mostra a que veio. Já a grande surpresa foi a estreante Samantha Barks, no papel de Éponine, possivelmente a maior revelação deste filme.

Esta nova versão de "Les Misérables" quer que nós nos sintamos deploráveis, até culpados por termos comida na mesa todos os dias e ainda assim reclamarmos por causa de dinheiro. Talvez esta tenha sido exatamente a intenção principal de Victor Hugo em sua época, estapear a cara da burguesia francesa que enchia seus cofres, enquanto nas portas de suas casas pessoas morriam de fome.
Talvez os miseráveis sejamos realmente nós, com os corações endurecidos, incapazes de enxergar um palmo diante dos olhos, sem nos compadecermos com o real sofrimento dos outros.
A Literatura não tem, nem deve ter, obrigação de ser educativa, mas, sem dúvida, há muito a se aprender com os sofrimentos de Jean Valjean, Fantine, da pequena Cosette e de toda a legião de necessitados que bate às nossas portas.
Quiçá o grande poder da escrita seja o de atravessar séculos e mais séculos e ainda nos tocar diretamente, revelando-nos, às vezes, que aquilo a que damos tanto valor nem sempre é que há de mais valioso.