segunda-feira, dezembro 05, 2011

Histórias Cruzadas (2011)


Os EUA foi uma das primeiras nações das Américas a abolirem a escravidão em 1865, no entanto, a segregação racial vigorou oficialmente no país até 1968, quando foi assinado o Civil Rights Act.

Mesmo assim, ainda hoje, os EUA é um país segregado, onde minorias étnicas são empurradas para guetos e crimes raciais são constantes. Há uma tensão racial imanente nos Estados Unidos e que não desaparecerá com filmes ingênuos como "Histórias Cruzadas".

O maior sonho dos americanos brancos é que o mundo fosse tão cor de rosa como eles pintam. Na imaginação dos americanos de descendência européia, o preconceito terminou com a abolição da escravatura, todos são iguais e felizes, mas a realidade da maioria das cidades americanas é dura e os subempregos ainda dependem do trabalho dos negros e dos imigrantes latinos.

Em "Histórias Cruzadas", temos um vislumbre desta hierarquia racial, com os americanos brancos no topo, sendo servido pelos negros. A ambientação natural para reforçar esta hierarquia é uma cidadezinha do sul dos EUA, Jackson, Mississipi, uma região agrícola e, por isto, que mais foi afetada pela abolição da escravatura e onde o preconceito vingou, e ainda persiste, por várias gerações.

Sob a ótica de uma jovem jornalista branca, que como uma outsider, reflete e se indigna com a situação das empregadas negras, que cuidam de crianças brancas por vários anos até que, um dia, são despedidas e devem partir para uma nova família, numa sucessão sem fim, e que não tem sequer o direito de usar o banheiro das casas nas quais trabalham, apresenta-nos uma história típica dos anos 60, quando muitos teóricos ansiavam por ter acesso à ótica do "outro", do oprimido, daqueles sem voz.

A protagonista, conhecida como "Skeeter" (Emma Stone), decide escrever um livro baseado nos dramas destas babás e empregadas, talvez numa tentativa de mudar o mundo, aliás, um mundo que já parecia estar mudando.

O ritmo do filme é lento ao limite da sonolência e há poucas ou nenhuma reviravolta. Todo o percurso da narrativa é tão óbvio que incomoda, nada surpreende e quase nada ocorre. O mundo muda, inevitavelmente, mas não por causa do livro de Skeeter ou por causa das histórias das babás, mas apenas porque os negros com alguma consciência social estavam quebrando o pau em várias cidades americanas e boicotando os comerciantes que proibiam a entrada de negros.

"Histórias Cruzadas" presta um desfavor à causa negra, indicando que eles necessitavam da mãozinha amiga de uma branca para guiá-los para a luz, e também num fugidio intuito de apaziguar a tensão racial atual. Afinal de contas, a hierarquia social permanece intocada, ainda são os brancos regendo o mundo, ainda são os negros e imigrantes na base, e o ódio e o medo de ambas as partes ainda é alimentado de pais para filhos.

A História recente dos EUA é da segregação e de como as diferentes etnias tentam coexistir, juntos mas separados.

domingo, julho 10, 2011

X-Men: Primeira Classe (2011)


A leitura dos quadrinhos do X-Men fez parte da minha adolescência.
Mais do que qualquer outro grupo de super-heróis, a turma de mutantes de Charles Xavier aborda temas complexos, como preconceito, discriminação, o medo de mudanças, a manipulação governamental das massas, e questões filosóficas, como eugenia, opressão e igualdade.

No universo Marvel, os mutantes representam uma nova etapa na evolução dos seres humanos, através de seus poderes sobrenaturais, os mutantes são um passo além. Justamente por isto, alguns deles sentem-se superiores e desejam erradicar os demais humanos, enquantro outros, representados pela figura sapiencial do Professor Xavier, desejam uma convivência pacífica entre mutantes e seres humanos.

Como a História nos ensina, a convivência entre os diferentes grupos quase nunca é pacífica, se os conflitos étnicos, sociais e econômicos já são constantes e causam milhares de vítimas ao redor do mundo, a hipotética existência de mutantes apresentaria um problema ainda maior.

Em 2000, foi lançado o primeiro filme sobre os X-Men, uma franquia que já arrecadou uma fortuna e levou milhões de espectadores às salas de cinema. Ainda se espera que outros filmes venham na cola desta série, principalmente após um acerto tão grande quanto "X-Men: Primeira Classe", o quinto filme, e provavelmente o melhor, progatonizando os mutantes.

Em "X-Men: Primeira Classe", acompanhamos a origem de dois personagens fundamentais no universo X-Men, Charles Xavier e Magneto.
O filme começa durante a Segunda Guerra Mundial, quando Erik Lehnsherr (Michael Faassbender) vê sua família ser presa e morta num campo de concentração. Sua trajetória posterior narra sua busca por vingança, para encontrar o nazista responsável pelo assassinato de sua mãe, o mesmo homem que o forçou a desenvolver seus poderes mutantes de controlar os metais.
Logo neste início, também conhecemos Charles Xavier (James McAvoy), herdeiro de uma rica família americana e dotado de uma mente brilhante, além de ser um telepata poderosíssimo.

Durante a crise nuclear entre EUA e União Soviética em 1962, Charles Xavier e Erik se encontram e unem forças para tentarem deter o que poderia ter sido o fim da civilização, uma guerra nuclear em escala global causada pela tática soviética de instalação de mísseis nucleares em Cuba. No entanto, estes dois personagens são movidos por intenções completamente diferentes: Erik deseja vingança, Charles pretende mostrar ao mundo que os mutantes não são ameaças.
No decorrer da trama, por causa de suas convições, estes dois personagens se afastarão, até se tornarem os arqui-inimigos de hoje.

O filme é muito bem elaborado, dentro de seus limites narrativos. Não podemos esperar uma adaptação fiel aos quadrinhos, já que não é possível encaixar num filme de duas horas 40 anos de quadrinhos do X-Men, no entanto, para um espectador que não seja leitor dos gibis, acredito que a mensagem seja clara e autosuficiente.
Não é necessário ser fã dos X-Men para compreender e apreciar a mensagem de tolerância implícita neste conflito evolutivo.
"Somos diferentes, mas somos iguais", esta poderia ser a grande defesa de tese de Charles Xavier.

O destaque é para Michael Fassbender, no papel de Magneto, mandando bem em inglês, alemão, francês e tentando falar um pouco de espanhol.

"X-Men: Primeira Classe" possui um ótimo ritmo e, apesar da grande quantidade de personagens, consegue dar-lhes individualidade e voz. Talvez uma das adaptações de quadrinhos mais inteligentes dos últimos tempos.

domingo, abril 17, 2011

Nosso amor do passado/Conversation(s) with other women (2005)



Imagine que você tenha encontrado o amor de sua vida e que se case com ele. Depois, imagine que, sem você saber porque, esta pessoa simplesmente desaparece, sem deixar nenhum indício para onde foi. Por fim, imagine que você reencontre esta mesma pessoa, vários anos depois, transformada e casada com uma outra pessoa.
Como você reagiria?

No filme "Nosso amor do passado", assistimos a dois desconhecidos que se encontram numa festa de casamento. Eles conversam e, aos poucos, revelam-se como amantes do passado. A trama é simples e complexa ao mesmo tempo. Simples em seu desenvolvimento, são duas pessoas conversando e relembrando fatos de seu passado juntos; complexa porque ela ultrapassa os limites do próprio filmes, suscitando questões filosóficas sobre o amor e sobre a memória.
Os dois personagens, interpretados por Aaron Eckhart e Helena Bonham Carter, são adultos amargurados, que provavelmente jamais superaram a separação traumática da juventude. A mulher tenta se mostrar forte em sua solidão, o homem se revela fraco e carente, também em sua solidão.

Numa estrutura bergsoniana de rememoração, homem e mulher reconstroem um passado compartilhado e fragmentado, tentando compreender e assimilar o que pode ter dado errado. Ambos gostariam que aquele encontro pudesse moldar um novo futuro para eles, mas aparentemente nenhum dos dois tem a coragem necessária para dar este passo.

Com uma edição perfeita, com flashbacks ocasionais interpolados à narrativa principal, "Nosso amor do passado" é o tipo de filme que esfacela os corações de quem já amou ou ama. "É tão difícil ser feliz" é uma frase dita no filme, e percebemos que boa parte desta dificuldade é criada por nós mesmos, com nossas complicações cotidianas, por causa de decisões equivocadas, ou por não agir no momento apropriado.

Filmes como este, fundados em diálogos inteligentes e longe de serem triviais, que transcendem a mera narrativa cinematográfica e refletem a profundidade da existência humana, são fenômenos raros. São filmes que trazemos conosco em nossas mentes por horas e dias, atormentando-nos com questões que nem sempre queremos encarar.

quinta-feira, abril 07, 2011

Norwegian Wood, de Haruki Murakami





Dois estereótipos básicos que povoam a imaginação do Ocidente quando se fala em Japão são: os samurais, e de um povo sistemático e extremamente bem comportado.

Justamente por isto que os livros de Haruki Murakami representam um divisor de águas nesta nossa compreensão equivocada da "Terra do Sol Nascente". Seus personagens são muito mais próximos da gente do que imaginávamos, com os mesmos conflitos, mesmos dramas, mesmas esperanças, até os mesmos gostos, só que com olhinhos puxados. Talvez Murakami seja o mais ocidental dos autores japoneses, mas o mais provável é que ele apenas tematize a condição humana, o que imediatamente nos une, brasileiros, americanos, japoneses ou indianos.

"Norwegian Wood" foi o romance que trouxe notoriedade a Murakami em 1987. O título, inspirado na canção homônima dos Beatles, já antecipa muito do clima do final dos anos 60, da rebeldia e do rock-and-roll.
O protagonista é Toru Watanabe e acompanhamos sua juventude através de alguns flashbacks. O universo de Murakami pertence ao domínio da memória, daquelas recordações indeléveis que nos tornam as pessoas que somos hoje.
Watanabe é um jovem em busca de um rumo. A universidade não o agrada, não tem muita ideia de como será seu futuro, sabe que gosta de música e de literatura, mas, de resto, é como um Holden Caulfield (de "O Apanhador no Campo de Centeio") à procura da própria identidade. Watanabe pertence a uma geração movida à sexo, música e bebida, e o acompanhamos através de seus amores e decepções, por todo o turbulento processo de passagem da adolescência pela idade adulta.

O grande mérito de Haruki Murakami, além de retratar o Japão com um novo olhar, é o de representar as inquietações de todos os jovens neste processo de transição, dos medos e da aquisição de responsabilidades. Os diálogos entre os personagens são brilhantes e de um realismo impressionante, possivelmente extraídos da própria história pessoal do autor.

"Norwegian Wood" é uma leitura agradável e rápida, porém de uma profundidade existencial que distoa de sua aparente acessibilidade. Murakami consegue a proeza de propôr profundas questões sobre a vida, sem ser tedioso ou complexo.

É simples e belo, como a vida deveria ser.

terça-feira, abril 05, 2011

Cisne Negro (2010)


Já fui mais fã dos filmes de Darren Aronofsky, daqueles de começo de carreira, quando não se tem de provar nada para ninguém, como em Pi ou Réquiem por um Sonho.

Em "Cisne Negro", este diretor investe no que melhor sabe, num thriller psicológico que deixa o espectador pasmo, sem discernir entre realidade e delírio. São poucos os momentos de "Cisne Negro" em que realmente temos certeza do que está ocorrendo de fato.

A trama é instigante e deve ocorrer todos os dias nas grandes companhias de balé. Nina (Natalie Portman) é uma bailarinha que sonha em representar o papel mais importante em "O Lago dos Cisnes" - uma das obra-primas do compositor russo Tchaikosvky -, o Cisne Branco e, seu alter-ego, o Cisne Negro.
Com a aposentadoria forçada da bailarina principal, interpretada por Winona Ryder, Nina vê a possibilidade de seu sonho tornar-se real.

Por ser a dançarina com a técnica mais perfeita da companhia, Nina facilmente consegue o papel para o Cisne Branco, porém carece de paixão para interpretar a vilã do balé, o Cisne Negro, é então que o filme começa a descambar num delírio e frenesi interminável.
A chegada de uma concorrente, Lily (Mila Kunis), que possui as características que Nina não tem, é uma grande ameaça, e numa trama envolvendo repressão, sexo, rivalidade e loucura, tudo pode acontecer.

Por mais desconfortável que seja assistir "Cisne Negro", e por mais que o filme tenha causado mais furor do que o necessário, esta é uma crítica a um universo de perfeição e beleza, às custas de muitos sacrifícios.
É interessante e ousado tematizarem o balé, um arte apreciada por poucos em nossos tempos, mas esta mesma trama poderia ser utilizada para o esporte, para o mundo da moda, para o mundo da música ou do próprio cinema, onde cada um quer devorar o outro, pisar nas pessoas para chegar ao topo, oprimidos por um ideal de perfeição inatingível.

Antes de tudo, "Cisne Negro" é a história da nossa civilização, insana e impiedosa, capaz de esmagar os demais para atingir seus objetivos.
É a história das nossas obsessões.