domingo, dezembro 10, 2006

Volver (2006)



Raimunda (Penélope Cruz) retorna para casa e encontra o marido morto na cozinha, esfaqueado pela própria filha, a qual alega que se defendia do pai, que queria violentá-la. Enquanto isto, Sole (Lola Dueñas), sua irmã, é assombrada pelo "fantasma" da mãe. Este é o enredo da mais recente tragicomédia de Almodóvar.
O mestre espanhol brinca com o espectador, iniciando seu filme com todas as características de um dramalhão mexicano, no qual todos os elementos de sobressaem negativamente, a fotografia, a trilha sonora, a atuação. Tudo é excessivo, demasiadamente marcado, catastrófico. Mas logo o clima é atenuado pelo peculiar humor de Almodóvar e a tragédia se transforma da possibilidade de mudança na vida de Raimunda e sua filha, que, através da dor e da culpa, estabelecem um novo marco zero.
"Volver" mantém a linha tradicional do diretor, protagonistas femininas fortes, a presença da morte, da finitude, dos limiares, o absurdo do mundo, a prostituta, os recalques duma infância triste, os abusos. O mundo de Almodóvar é único, porém, coletivo. Único, porque visão sua; coletivo, porque, apesar da estranheza e da singularidade, todos possuem histórias absurdas em suas famílias, todos possuem seus traumas e seus demônios sepultados nas profundezas do subconsciente.
Penélope Cruz é uma atriz mediana, mas que engrandece nas mãos do diretor espanhol. A violência da trama consegue obter uma qualidade que até a própria Penélope deve desconhecer e, no final das contas, ela brilha. Carmen Maura, no papel da mãe de Raimunda e Sole, é um atributo à parte. Tão lírica em sua dramaticidade, cômica em sua desgraça.
Enfim, elogiar Almodóvar é como chover no molhado. Seus filmes foram feitos para serem vistos e nos emocionarem; para eles, as palavras são poucas e falhas.

sábado, dezembro 02, 2006

49 up (2005)

Um professor de filosofia costumava questionar, durante meu curso de graduação, onde estava a criança no homem e onde estava o homem na criança. Esta pergunta era retórica, visando demonstrar a interrupção que havia entre estas duas fases da vida, que um não estava contido no outro.
O filme de Michael Apted, "49 up" o contradiria, mostrando que ambos, criança e adulto, são complementares e nunca deixam de dialogarem.
O projeto é ambicioso, retratar a vida de uma dúzia de pessoas, começando desde os sete anos de idade e acompanhando-as a cada outros sete anos. Vemo-as em seus quatorze, vinte e um, vinte e oito, trinta e cinco, quarenta e dois e, finalmente, em seus quarenta e nove anos. Um projeto de uma vida inteira, retratando a vida inteira de outras pessoas.
O campo de pesquisa abarca desde as perspectivas sobre o futuro, o que tais pessoas planejavam para seu futuro próximo e distante, até aspectos pessoais, como relacionamentos, sexo, filhos e frustrações. O mais surpreendente é constatar como certas crianças possuíam claramente a diretriz pela qual conduziriam suas vidas, enquanto outras, com o passar dos anos, vagam de trabalho em trabalho, de divórcio em divórcio, só encontrando um rumo após atingirem a maturidade.
A proposta deste documentário era a de retratar a Inglaterra no ano 2000, mas, por abordar um tema tão delicado como o passar dos anos e a proximidade da morte, ele acaba se tornando um retrato do ser humano em todas as eras. E, mais do isto, "49 up" é um espelho terrível da nossa própria história, é um estímulo a olharmos nosso passado e relembrarmos nossos sonhos de crianças e vermos como falhamos na maioria deles; é um convite a revermos nossos sonhos presentes e descobrirmos o que estamos fazendo de concreto para torná-los reais. Por isto, é triste. Força-nos a constatar que fracassamos na maior parte das vezes e que o tempo passa rápido e ao que demos valor nem sempre era o mais importante.
"49 up" é melancolicamente maravilhoso e, para mim, um dos melhores documentários que já assisti. Talvez para outro espectador, a vida dos outros seja frívola, mas nada nos diz tanto respeito quanto nossas próprias vidas e um filme que nos faça refletir sobre ela não é algo que assistimos todo dia.