domingo, dezembro 30, 2012

O Impossível (2012)


O maremoto de 2004 no Sudeste Asiático foi a maior catástrofe natural que a minha geração assistiu até o momento. Estima-se que mais de 230 mil pessoas morreram por causa das ondas gigantescas, algumas com até 30 metros de altura, e, posteriormente, pelas consequências devastadoras do desastre.

Por isto que assistir a um filme como "O Impossível" seja tão incômodo e angustiante. Muitos de nós vimos, nos telejornais, intermináveis imagens do mar invadindo e varrendo do mapa cidades. Não se trata apenas de uma história de sobrevivência, mas principalmente de uma história de morte e destruição, que dizimou lares e famílias inteiras.

O ponto de vista é de uma família de estrangeiros, em viagem de férias à Tailândia, inspirado numa história verídica. A estrutura da narrativa é tradicionalíssima: no começo é só felicidade e diversão, até que a onda arrasadora do tsunami surge para mudar a vida daquelas pessoas para sempre.
Durante a primeira parte da trama, acompanhamos a luta de Maria (Naomi Watts), primeiro para sobreviver à inundação, depois para salvar seu filho Lucas e, por fim, sobreviverem ao inconcebível, ou, ao impossível que dá nome ao filme.
Na segunda parte, o foco se transfere para Henry (Ewan McGregor), o marido, que com os outros dois filhos, tentam manter a esperança de encontrar a esposa e Lucas ainda vivos.

Há dois aspectos que tornam o filme inconveniente: 1 - há uma fixação quase macabra em apresentar as feridas e a agonia dos personagens, de modo que chega a ser repugnante; e 2 - num nível mais intelectual, a história não possui profundidade.

Assim, deixei a sala de cinema com um misto de emoções, por um lado, "O Impossível" é um belo trabalho de reconstrução desta catástrofe, por outro, não possui uma mensagem muito clara que justifique sua existência.

Convenhamos que nem todos os filmes precisam ter uma mensagem, alguns podem ser mero entretenimento, sem nenhuma pretensão de ensinar algo às pessoas, porém, esta não me parece ser a proposta de "O Impossível", que pouco tem de entretenimento, inclusive, exaure o espectador com tantas desgraças.

No fundo, é uma história de sobrevivência, do animal humano que somos, e de como, em meio à tanta devastação, ainda é possível encontrar pessoas caridosas e compassivas, assim como egoístas que não dão a mínima para o sofrimento alheio.

Realmente, eu preferiria uma abordagem mais ampla, não apenas centrada em turistas ocidentais que, uma vez que embarquem num avião, estarão longe de toda a ruína causada pelo tsunami. Adoraria ter a perspectiva dos tailandeses e dos indonésios, que levariam anos para reconstruírem suas vidas, para sepultarem todos seus mortos e cicatrizarem todas suas feridas.

"O Impossível" é um filme bem executado, no entanto, brutal e sem propósito. Substitua o tsunami pelo King Kong ou pelo Godzilla, e você tem um blockbuster hollywoodiano, contudo, neste caso, há um sofrimento gratuito e interminável, sem a diversão dos americanos lançando bombas numa criatura horrenda.
O final não significa o fim da dor, mas apenas a certeza da falta de propósito de nossas existências e também a constatação que, na luta nossa contra a natureza, somos a parte mais frágil e indefesa.

quarta-feira, dezembro 26, 2012

Les Misérables - O Musical (2012)


Poucos romances se tornaram tão revelantes e universais ao longo dos séculos como "Les Misérables", de Victor Hugo.
Terrivelmente atual em 1862, quando foi publicado originalmente numa França turbulenta, ainda esmagada pelas sombras da Revolução, de seus subsequentes Anos de Terror e frequentes revoltas e tumultos.
O lema iluminista de "Liberdade, Igualdade e Fraternidade" serviu de inspiração para outros movimentos revolucionários ao redor do mundo e moldou os princípios que viriam a nortear a Modernidade.
Victor Hugo era um dos filhos da Revolução e seus livros são quase monografias, defendendo algumas teses bastante evidentes.

Em "Les Misérables", dois temas se cruzam e dialogam: o primeiro, do ex-prisioneiro Jean Valjean, condenado a 19 anos de trabalho forçado e que, ao tentar se reintegrar à sociedade, é perseguido por um oficial da Lei, Javert, um sujeito que não acredita que um bandido possa se recuperar; o segundo, é o do próprio espírito revolucionário, das batalhas necessárias que devemos empreender pela causa da justiça, mesmo que isto nos custe a vida.
O fato é que não é fácil resumir uma obra que se estende por muitas centenas de páginas em seus cinco volumes, muito menos é a tarefa de adaptá-la para o cinema ou para um musical.

Mesmo assim, "Les Misérables" já foi transposto para o cinema, TV e teatro várias dezenas de vezes, sendo que a melhor adaptação que já vi foi de uma série televisiva com Gérard Depardieu no papel de Jean Valjean, e John Malkovich no de Javert. Em suas 6 horas, há tempo o bastante para explorar a complexidade da obra de Hugo, ainda que não seja o suficiente para explorar todas as sutilezas.

Talvez por isto que a adaptação para um musical, primeiro em Paris, depois em Londres e Nova York, tenha sido recebida com reações negativas da crítica, apesar do sucesso popular.
Pois "Les Miserábles" ainda continua atual, ainda fala sobre os injustiçados, os pobres e esquecidos, sobre aqueles que não tiveram oportunidades, para quem falta um teto ou comida e que acabam tendo que se rebaixar aos mais profundos dos poços, abrindo mão da dignidade e daquela centelha de moral que nos caracteriza como humanos.
Victor Hugo escreveu sobre os pobres e miseráveis de uma França oprimida pela ganância e indiferença de monarcas e governantes, mas hoje poderia estar escrevendo sobre os soropositivos esquecidos de rincões da África, ou sobre as prostitutas infantis nas favelas de Mumbai, pois a miséria ainda está viva, ainda está presente em nossa sociedade.

O musical preserva a essência da obra de Victor Hugo, apesar de suas muitas pontas soltas. Através da música é possível expressar emoções que nenhuma cena ou descrição são capazes, e é nesta tecla que bate "Les Misérables - O Musical".


Eu não era um grande fã de musicais, logo confesso, por isto, não fui ver "Le Miz" na Broadway. Tornei-me um apreciador posteriormente, quando a peça já não estava mais em cartaz. Por isto, esperei ansioso a ousada adaptação deste musical para o cinema, dirigida pelo britânico Tom Hooper.
O elenco não era dos mais estimulantes. Excetuando Hugh Jackman, que iniciou sua carreira em musicais e se consagrou em West End, eu não associaria nenhum dos outros grandes nomes do elenco principal, como Anne Hathaway e Russel Crowe, com um musical.
Nada poderia me preparar para o (talvez) maior fenômeno cinematográfico dos últimos anos.

O maior mérito não está na adaptação, nem neste enredo tão conhecido, mas na inovação na hora de gravar as trilhas musicais. Ao invés do habitual, de realizar a gravação das canções em estúdio e depois tocá-las em playback no set de filmagem para que os atores sincronizassem as vozes, o diretor optou por gravar as trilhas ao vivo, durante as próprias cenas.
Isto pode parecer um detalhe insignificante, porém proporcionou um realismo e uma carga dramática às performances como jamais vi antes em um musical. Depois disto, estas mesmas canções em estúdio parecem desprovidas de alma.


A melhor atuação de todas é, sem dúvida, do desespero de Fantine (Anne Hathaway) ao atingir a pior degradação possível. Após, é impossível pensar na canção "The dream I dreamed" sem ser na voz dela.
Por outro lado, como era de se esperar, Hugh Jackman não decepciona, com alguns momentos de brilhantismo e, por incrível que pareça, até Russel Crowe mostra a que veio. Já a grande surpresa foi a estreante Samantha Barks, no papel de Éponine, possivelmente a maior revelação deste filme.

Esta nova versão de "Les Misérables" quer que nós nos sintamos deploráveis, até culpados por termos comida na mesa todos os dias e ainda assim reclamarmos por causa de dinheiro. Talvez esta tenha sido exatamente a intenção principal de Victor Hugo em sua época, estapear a cara da burguesia francesa que enchia seus cofres, enquanto nas portas de suas casas pessoas morriam de fome.
Talvez os miseráveis sejamos realmente nós, com os corações endurecidos, incapazes de enxergar um palmo diante dos olhos, sem nos compadecermos com o real sofrimento dos outros.
A Literatura não tem, nem deve ter, obrigação de ser educativa, mas, sem dúvida, há muito a se aprender com os sofrimentos de Jean Valjean, Fantine, da pequena Cosette e de toda a legião de necessitados que bate às nossas portas.
Quiçá o grande poder da escrita seja o de atravessar séculos e mais séculos e ainda nos tocar diretamente, revelando-nos, às vezes, que aquilo a que damos tanto valor nem sempre é que há de mais valioso.

domingo, outubro 28, 2012

Revista SAMIZDAT é Top 100 do Topblog 2012. Ajude-nos, votando!




Revista SAMIZDAT (www.revistasamizat.com) está entre os 100 blogs mais populares da categoria de Literatura no Topblogs 2012.

Por isto, viemos aqui para pedir o seu apoio e o seu voto, clicando no botão acima.
Existem três opções de voto, através do e-mail, por sua conta do Facebook ou Twitter, sem complicação alguma.
Inclusive, você pode votar três vezes, uma para cada opção.

Se você é nosso leitor habitual, já conhece a qualidade do nosso trabalho e compreende a importância de publicações como a SAMIZDAT para o panorama literário atual, apresentando o melhor da Literatura que ainda não aparece nas grandes livrarias, feiras literárias ou nos cadernos de Literatura dos jornais.

Nossa missão, hoje e sempre, é a de contornar o brutal processo de exclusão do mercado literário, que tenta relegar às sombras grandes talentos que, por qualquer razão que seja, não se enquadrem em seus restritos perfis de negócio.
Simplesmente não vamos nos calar nem deixar de lutar.

Se você está nos visitando pela primeira vez, gostaríamos de compartilhar com você algumas informações sobre a Revista SAMIZDAT.


 - criada em 2008, a SAMIZDAT foi uma das primeiras revistas digitais distribuídas gratuitamente em .PDF, apresentando autores brasileiros e portugueses, além de grandes nomes da literatura nacional ou internacional;
- foram 34 edições regulares e 1 edição especial;
- mais de 1000 obras publicadas no blog, com a participação de mais de 170 autores consagrados e estreantes, dos mais diversos gêneros;
- acessada por mais de 140 mil leitores no site;
- e lida por outros 130 mil leitores nas edições da Revista SAMIZDAT em .PDF.

Contamos com seu apoio, caro leitor, pois nosso labor e nosso esforço é e sempre será o de lhe trazer o melhor do nosso talento, com obras instigantes, profundas, divertidas, angustiantes ou informativas.

Se ainda estamos aqui, dia após dia e ano após ano, é pelo simples prazer de sermos lidos por vocês.

A votação vai até dia 10 de novembro de 2012.

Obrigado,

Henry Alfred Bugalho
editor

quinta-feira, março 01, 2012

Arte não é o que você pensa


Em janeiro de 2007, o jornal The Washington Post resolveu fazer um experimento: convidaram um dos maiores violinistas da atualidade para tocar no metrô da capital dos EUA e ver no que dava, e gravaram com uma câmera escondida o resultado.

A expectativa era que o músico e seu violino Stradivarius valendo 3,5 milhões de dólares atraísse muita gente e que sua apresentação de quase uma hora rendesse uns bons trocados.
Todavia, o desfecho foi bastante diferente do esperado. Quase ninguém parou para ouvi-lo, ele ganhou míseros 32,17 dólares e ergueu-se a indagação: por que quase ninguém foi capaz de reconhecer a habilidade de um prodígio do violino?

O artigo do Post, Pearls Before Breakfast, para quem souber inglês, é longo e discorre sobre a natureza da Arte. Sugere-se que se isto ocorresse na Europa, o público seria maior; uma engraxate brasileira até supõe que os brasileiros teriam sido mais receptivos; e culpou-se inevitavelmente o ritmo frenético do mundo contemporâneo.

No entanto, a Arte não é o que pensamos, nem o que os poetas cantam. A Arte não é uma coisa objetiva e palpável, de fácil determinação, que se possa apontar o dedo e afirmar categoricamente: "isto é uma obra de arte, sem sombra de dúvida".

A Arte é uma questão de contexto, de tempo e espaço. A Arte é uma convenção.

O violinista estava no lugar errado e na hora errada. Ninguém está interessado em ouvir música clássica na passagem de entrada do metrô, aliás, são bem poucos os que apreciam música erudita em nossos dias.
Arranque a obra de arte de seu contexto, neste caso dos grandes salões de concerto, e ela perderá grande parte de sua relevância, a não ser para aqueles que realmente a apreciam e a reconhecem.

Esta divisão, entre o mundo sagrado e profano, ou entre a alta e baixa cultura, existe desde sempre. Selecione qualquer grande pintura em um museu e dependure-a num tapume de uma construção que seu valor imediatamente desaparecerá, e quase qualquer transeunte deixará de identificar sua importância. Imprima qualquer obra de um escritor de renome e distribua em panfletos em esquinas de grandes cidades, e verá que o destino será a lixeira mais próxima.

A Arte é o reconhecimento de determinada criação como Arte, e isto depende de várias instâncias de legitimação, como um museu, um teatro, uma livraria ou uma sala de cinema, e dos críticos, da imprensa e de acadêmicos. Arranque a obra de arte de seu contexto de legitimação, jogue-a na rua, no domínio do profano, e poucos lhe darão valor.
Mas se você fizer o caminho inverso, como Duchamps que leva um mictório de um banheiro público para um museu, numa crítica evidente ao que é Arte, você também romperá estes limites, dotando de sentido um objeto totalmente ignorado na vida corriqueira.

A qualidade da Arte não é intrínsica, é coletiva. Se houvessem espalhado o rumor que um dos maiores violinistas dos EUA estava tocando no metrô, a situação seria diferente, pois as pessoas tendem a valorizar o que outros valorizam. Se houvessem contratado uma dúzia de figurantes para se acercarem do músico, outros teriam parado para escutá-lo, pois se tanta gente se interessou, é porque deve ser bom.
No fundo, não basta tanto ser competente ou talentoso, é preciso que os outros se convençam disto e que estes convençam também os demais.

E esta é a maior dificuldade de qualquer artista em início de carreira, como atrair a atenção dos pedestres que passam por nós, todos imersos em suas próprias preocupações cotidianas, divididos por tantas outras atrações ao redor?
Como revelar aos outros o valor daquilo a que damos tanto valor, sendo que este valor depende necessariamente do reconhecimento coletivo?

A obra de arte não é o resultado de trabalho de gênios, de sujeitos inspirados, não é evidente e universalmente aceita. É cultural, é localizada, é intangível e temporal. O que é Arte hoje pode não sê-lo amanhã, e só reconhecemos a Arte de ontem graças à instâncias de legitimação que a preservam e que canonizam alguns artistas, enquanto olvidam arbitrariamente outros.

A Arte não é o que você pensa.

(publicado originalmente em http://blogdoescritor.oficinaeditora.com/2012/02/arte-nao-e-o-que-voce-pensa.html)

sábado, fevereiro 25, 2012

Sherlock Holmes (2009)


Para qualquer um habituado aos livros de Arthur Conan Doyle, o criador do legendário personagem Sherlock Holmes, esta adaptação mais recente para o cinema é uma aberração.

Um personagem reconhecido por sua capacidade dedutiva, por sua astúcia e frieza de raciocínio se converteu num desajustado violento e que não possui nenhum tipo de empatia, quase um Wolverine vitoriano.

No fundo, tanto fazia se os protagonistas se chamassem detetive Arthur e doutor William, já que até o próprio doutor Watson, companheiro inseparável de Holmes, se tornou irreconhecível nesta adaptação, de um sujeito cauteloso e até um pouco titubeante, Watson agora é um lutador impecável e destemido, ou seja, quase o oposto do personagem original.

Quem assiste ao "Sherlock Holmes" dirigido por Guy Ritchie está vendo qualquer coisa além do que concebeu Conan Doyle, o que se pode perceber logo na primeira cena do filme, e isto é ruim e bom ao mesmo tempo.

A trama beira o sobrenatural, com Lord Blackwood, um assassino satanista temido por todos os londrinos, como o grande vilão. Holmes (Robert Downey Jr.) e Watson (Jude Law) são quem primeiro conseguem prendê-lo, evitando assim mais uma morte e Lord Blackwood acaba na forca.
O mistério realmente se acentua quando Blackwood volta dos mortos, decidido a dominar o mundo. Obviamente que resta a Holmes e a seu colega desvendarem o que pode ter ocorrido e encontrarem uma solução lógica para este enigma, com um enredo todo recheado de cenas de ação, lutas, tiroteios e explosões, numa estratégia típica do século XXI para atrair o público.

O filme é muito divertido e com reviravoltas curiosas, bastante ao estilo habitual de Guy Ritchie, mas o que incomoda é a distorção de um personagem clássico, mundialmente conhecido e reconhecido, e desintegrá-lo.
Será que o personagem original não seria interessante o bastante para protagonizar um filme para o público de hoje, sem a necessidade de acrobacias fenomenais, cenas de pugilato e outras pirotecnias?

Li pela primeira vez os livros de Sherlock Holmes quando tinhas uns 15 anos e lembro-me que fiquei deslumbrado com aquele personagem brilhante, que não necessitava da força bruta para solucionar os maiores problemas de sua época.
Não seria uma mensagem igualmente eficaz hoje, ao invés de um sujeito que resolve tudo na porrada, com os músculos superando o cérebro?
Ou se tornou impossível um filme que faça jus aos romances de mistério dedutivo, quando uma mente extraordinária é capaz de resolver crimes sem disparar um tiro sequer, nem dar uma voadora na cara do bandido?

sexta-feira, fevereiro 10, 2012

O Tesouro de Sierra Madre (1948)


John Huston foi os um dos maiores diretores que já passou por Hollywood e trouxe para as telonas do cinema alguns clássicos como "O Falcão Maltês", "Moby Dick", "Os Desajustados" e "o Homem que queria ser rei".

"O Tesouro de Sierra Madre" é um destes clássicos, que merecia ser assistido por qualquer um que aprecia um bom filme; é quase uma obrigação.

Esta é a história de três homens em busca de riqueza no México, Dobbs (interpretado magistralmente por Humphrey Bogart), Curtin e Howard (papel dado ao pai do diretor, Walter Huston), que é o mais velho do três e o único com experiência de mineração de ouro.
Os três empreendem uma viagem por um terristório inóspito até Sierra Madre, uma montanha que esconde em seu seio uma fortuna em ouro.

Acima de tudo, "O Tesouro de Sierra Madre" é sobre ganância e a horrível natureza humana. A princípio, estimulados pela possibilidade de se tornarem homens ricos, os três amigos se comportam normalmente, com solidariedade até. No entanto, aos poucos, enquanto começam a acumular seus sacos de ouro, a relação se deteriora, um suspeitando do outro até o limite do insustentável.

Quem se habituou à imagem do detetive durão de "O Falcão Maltês" ou do elegante Rick de "Casablanca", irá se surpreender com a incrível atuação de Borgart em "O Tesouro de Sierra Madre".
Um roteiro inteligente, com uma bela fotografia e profundos diálogos, fazem deste filme um dos grandes exemplos de uma narração que tem desaparecido, capaz de mergulhar na escuridão mais secreta da alma humana e revelar como nós mesmo somos.

"O Tesouro de Sierra Madre" é sobre nós, sobre a fragilidade da nossa moral e como as riquezas são capazes de corromper-nos, mas também é sobre a mão brincalhona do destino, sempre a virar nossas vidas de cabeça para baixo, de maneira imprevisível e surpreendente.

sexta-feira, janeiro 27, 2012

Cão Danado/Nora Inu (1949)


"Cão Danado/Nora Inu" é um filme de mistério noir dirigido por Akira Kurosawa em 1949, e como todos os filmes do gênero, é um mergulho no submundo e no lado escuro do ser humano.

No devastado Japão pós-guerra, assistimos ao desespero do policial novato Murakami (Toshirô Mifune), da divisão de homicídios, que tem sua pistola roubada dentro do ônibus. Apavorado pelas consequências disto, tanto pelo perigo de sua arma acabar causando alguma vítima quanto de ser repreendido por seus superiores, Murakami empreende uma jornada pelas vielas de Tóquio em busca do ladrão.

Para quem está habituado a ver toda a opulência e sofisticação do Japão contemporâneo, este vislumbre por um país arrasado pela guerra e por duas bombas atômicas é assustador, em parte pelos horrores da guerra, e em parte por ver a capacidade deste povo de se reerguer e se tornar, em pouquíssimo tempo, uma potência econômica, cultural e tecnológica.

"Cão Danado" é um filme fraco, lento e com longas cenas sem propósito evidente. A trilha sonora é tão deslocada e inconveniente que chega até a irritar, simplesmente é como se não fizesse parte do filme e fosse a interferência de alguma rádio pirata. Este é o terceiro filme da parceria Kurosawa/Mifune e o ator está quase irreconhecível, com uma atuação morna e inexpressiva.

E assim como em vários filmes do pós-guerra, tanto na Europa quanto na Ásia, há uma tendência em justificar o crime e a imoralidade a partir dos traumas ou da necessidade, em estreitar os limites do que é ser honesto ou criminoso.

Esta obra vale como um registro daqueles tempos turbulentos, mas é uma narrativa frouxa, sem grande apelo e que não faz jus às obras-primas posteriores de Kurosawa.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Harakiri (1962)


No Japão feudal, durante o shogunato dos Tokugawa em 1630, o ronin Hanshiro Tsugumo apresenta-se diante de um senhor, procurando um local apropriado para cometer seppuku, o ritual samurai de suicídio mais conhecido como harakiri no Ocidente.

Antes de tudo, "Harakiri" é um filme sobre a perda da honra. Através de vários flashbacks, primeiro de um harakiri realizado por um outro samurai, Motome Chijiiwa, depois quando Tsugumo conta sua própria história de miséria, acompanhamos uma crise da classe dos samurais quando o Japão foi pacificado, e muitos guerreiros acabaram se tornando ronins, vagando pelo país, sem senhor e sem sustento.

A primeira cena de seppuku, de Chijiiwa, é simplesmente impressionante, pois, por causa de sua pobreza, ele havia vendido suas espadas, consideradas a alma de um samurai, e subsituído-as por outras de bambu. O senhor do palácio, sabendo que muitos ronins batiam de porta em porta dos senhores, pedindo um local para realizarem seppuku, mas, no fundo, apenas esperando que alguém lhes dessem alguns trocados, resolve fazer o caso de Chijiiwa um exemplo, e obriga-o a se matar com sua espada de bambu.

Este mesmo senhor pensa que Tsugumo também é um destes ronins sem honra e sem verdadeira intenção de se matar, contando-lhe a história de Chijiiwa para tentar dissuadi-lo. No entanto, Tsugumo tem suas convicções e, como saberemos posteriormente, ele tem uma razão muito específica para cometer seppuku no interior daquele palácio.

A história de "Harakiri" é brilhante, que me fez recordar "Ladrões de Bicicleta" de Vittorio de Sicca. Tanto no filme japonês quanto naquele italiano, vislumbramos quão baixo um ser humano pode cair, e como neste desamparo estão dispostos a fazer qualquer coisa. Contudo, é também uma catártica trama de vingança e, eu lhe garanto, sentimo-nos vingados com o ato de Tsugumo!

A fotografia e a iluminação são perfeitas, às vezes até trazendo à mente a do teatro japonês, e os planos-sequências são uma competência que raras vezes se vê em nossos dias.

Posso dizer, sem hesitação, que foi o melhor filme de samurais que já assisti, daqueles que lhe prende na cadeira desde o primeiro segundo, e que continua reverberando em sua mente muitas horas depois.

domingo, janeiro 22, 2012

À Prova de Morte (2007)


Podem falar o que quiser do diretor Quentin Tarantino, que ele abusa de cenas de violência gratuita, que seus filmes são repletos de humor negro, que é racista (como sugeriu Spike Lee), ou o que for, mas não se pode tirar o mérito dele, nem deixar de reconhecer que ele é um dos maiores fenômenos cinematográficos das últimas duas décadas.

São bem poucos os que conseguem trazer à tona temáticas e estilos de filmes C, revesti-los de uma carga conceitual contemporânea e torná-los cult. Além de que passar por um filme do Tarantino pode ressuscitar a carreira de quase qualquer ator.

Em "À Prova de Morte", um filme que faz parte de Grindhouse, uma sessão dupla de Tarantino em parceria com Robert Rodriguez, temos um revival dos filmes de perseguição de carros da década de 70, como aqueles com Burt Reynolds, e do psicopata assassino em série que persegue com seu automóvel turbinado as vítimas.

Outro grande mérito deste diretor é conseguir trazer para a tela do cinema longos diálogos, alguns aparentemente sem sentido, e ainda assim prender o espectador na cadeira. "À Prova de Morte" é uma fusão entre cenas de ação e diálogos tão próximos da realidade que soam inverossímeis.

O psicopata é interpretado por Kurt Russel, que se identifica como um dublê de cinema e séries televisivas e conduz um carrão que, segundo ele, é à prova de morte, reforçado para aguentar qualquer tranco. Este carro é a arma que ele utiliza para assassinar mulheres indefesas, isto até ele encontrar algumas amigas, também dublês de cinema, que estão longe de ser indefesas.

Tudo, desde a filmagem até a atuação um tanto artificial, remete-nos aos filmes C e talvez seja o mais fascinante de "À Prova de Morte", num intertexto entre outros filmes do Tarantino e de outros diretores. Assim como outras obras deste cineasta, esta é uma prova do profundo amor e respeito que ele tem pelo cinema, muito além da indústria, muito além do intelectualismo barato, muito além de reducionismos.

É diversão, pura e simples, e bem realizada.

sábado, janeiro 21, 2012

A Tale of Two Sisters (2003)


Sou fã do cinema de terror oriental, pois, mesmo quando o filme não é tão bom, ainda assim consegue ser mais assustador do que a maioria dos filmes de terror americano. Talvez isto se deva ao viés psicológico do horror asiático, quase sempre com crianças ou pré-adolescentes, o que ressalta ainda mais a tensão.

"A Tale of Two Sisters" (traduzido no Brasil pelo título simples e pouco explicativo de "Medo") é uma produção coreana, que se tornou um remake Hollywoodiano em 2009, "The Uninvited", ou também "O Mistério das duas irmãs".

O original e o remake são relativamente diferentes. Na verdade, primeiro assisti à versão americana e confesso que não me impressionou muito, nem me assustou. Já o original coreano é muito mais eficaz e aterrador, apesar de possuir praticamente o mesmo storyline.

Trata-se da história de duas irmãs inseparáveis, Su-mi e Su-yeon, que, por causa do pai, são obrigadas  a morar com a madrasta. Logo percebemos o conflito clássico da madrasta contra as filhas, que atinge limites inimagináveis, ainda mais se somarmos aparições fantasmagóricas na história.

No entanto, é impossível discernir muito bem o que são aparições reais, pesadelo ou delírio, principalmente da metade do filme até o fim. Acompanhamos uma desintegração progressiva da psiqué da protagonista, Su-mi, até um ponto insustentável.

"A Tale of Two Sisters" possui algumas cenas bastante assustadoras, possivelmente inspiradas em sucessos japoneses, como Ringu. O desfecho aberto e um tanto frouxo dá margem a várias interpretações, o que, na minha opinião, funciona muito melhor do que o final mastigadinho do remake americano. Definitivamente, os americanos não gostam muito de sair coçando a cabeça, tentando decifrar o que o filme queria dizer.

Para quem gosta do gênero, vale assistir a este filme, que figura em várias listagens de melhores filmes de terror dos últimos tempos, mesmo que não seja tão extraordinário assim, mas vale pelo clima geral e por algumas cenas bastante amedrontadoras.

sexta-feira, janeiro 20, 2012

Trono de Sangue (1957)


O enredo de "Trono de Sangue", dirigido por Akira Kurosawa, é de uma típica tragédia grega, ou melhor, de uma típica tragédia shakesperiana, pois é inspirado na peça "Macbeth".

O filme começa após uma insurreição em alguma região do Japão feudal, que é subjugada graças a dois generais, Washizu (interpretado por Toshirô Mifune, ator presente em vários filmes de Kurosawa) e Miki.

Para recompensá-los, Tzusuki, o governante do Castelo da Teia de Aranha, convida-os para visitar sua fortaleza. Os dois generais perdem-se numa floresta próxima ao castelo e encontram-se com um espírito maligno, que faz duas profecias: primeiro, que Washizu se tornaria o novo governante, e depois, o filho de Miki ocuparia o lugar de Washizu.

Assim como nas tragédias gregas, não há como fugir do destino, por isto, ao evitar que ele se cumpra, tanto Washizu quanto Miki apenas conduzem à realização das profecias.

"Trono de Sangue" é Kurosawa em sua melhor forma, com muitas batalhas, sangue e um ambiente bastante masculino. No entanto, talvez o mais interessante deste filme seja perceber o papel feminino, na figura da esposa de Washizu, que de certo modo é quem todo o controle sobre as decisões do marido, um vislumbre das sutilezas femininas numa sociedade brutalmente patriarcal.

Já disseram que Kurosawa é o mais ocidental dos diretores japoneses e, ao assistirmos um filme claramente estruturado a partir de paradigmas narrativos ocidentais, tão próximos do que estamos habituados, somos obrigados a concordar.