quinta-feira, outubro 26, 2006

O Plano Perfeito (2006)



O papel do crítico, mais do que estabelecer juízos de valores sobre determinada criação artística, é fingir total imparcialidade em seus comentários. O crítico não é aquele que gosta de algo, é aquele que possui argumentos para justificar o fato de gostar de algo.
Durante todo o tempo em que escrevo neste blog, já defendi filmes que não gostei, porque eram bons filmes, e já ataquei filmes que me agradaram, mas que eram filmes ruins. No entanto, se há um ator no qual confio cegamente e que dificilmente me decepciona, este é Denzel Washington. Ele já caiu na armadilha que muitos atores hollywoodianos caem, acreditar em um péssimo roteiro, como em "Assassino Virtual" ou "Por um Triz", mas o conjunto de seu trabalho é excepcional.
Una agora um excelente ator com um ótimo diretor, Spike Lee, um roteiro engenhoso, e você terá "O Plano Perfeito".
Este filme é um daqueles que, se você contar um pouquinho mais do que deve, estraga a surpresa de quem ainda não assistiu. A trama envolve o assaltante de banco Dalton Russell (Clive Owen), o banqueiro bilionário Arthur Case (Christopher Plummer) e o detetive encarregado de salvar os reféns, Keith Frazer (Denzel Washington). Logo no começo do filme, Dalton Russell utiliza a fórmula básica da narração para compor sua história: quem, o que, por que, quando, onde e, o mais importante, como. Russell possui, segundo o próprio título sugere, o plano perfeito para roubar o banco e não ser capturado; este é o enredo.
Spike Lee, que já foi o maior representante do cinema independente de Nova York, tem dado uma guinada em sua carreira nos últimos anos. Ele não abandonou completamente o debate sobre a condição racial nos EUA, mas, sem dúvida, este deixou de ser o tema para seus filmes. Em "A Última Noite", o protagonista é um traficante descendente de irlandeses (Edward Norton); já em "O Plano Perfeito", apesar de o personagem principal ser um detetive negro e haver uma série de situações cômicas relacionadas ao preconceito racial ou religioso (como o Sikh sendo discriminado por ser "árabe"), o foco envolve muito mais pecados históricos pretéritos do que situações conflituosas contemporâneas. Parece que Spike Lee percebeu que cinema entretenimento também pode ser crítico, além de atingir um público muito maior.
"O Plano Perfeito" mantém o espectador intrigado até o fim, sem decepcioná-lo com explicações estapafúrdias ou escapadas miraculosas. Às vezes, o óbvio é o mais difícil de ser percebido.

domingo, outubro 08, 2006

Capote (2005)




A Organização Mundial de Saúde denomina a psicopatia como "distúrbio da personalidade antisocial". Entre algumas características de um indivíduo com tal patologia encontramos: falta de consideração com o sentimento alheio, atitudes irresponsáveis e desrespeito às normas sociais, incapacidade para manter relações duradouras, baixa tolerância a frustrações, incapacidade para experimentar culpa, capacidade de culpar os outros ou de oferecer racionalização plausível para explicar as causas que o conduziram ao conflito social.
Segundo tal classificação, fica difícil saber, baseado em como o filme "Capote" se desenvolve, quem são os verdadeiros psicopatas, se são os responsáveis pelo assassinato de uma família no Kansas, ou se é Truman Capote, o jornalista cobrindo este crime.
A obsessão de Capote para escrever o livro que mudará os rumos da escrita na segunda metade do século XX, o clássico "À Sangue Frio", é tão ou mais chocante do que os assassinatos. Manipulando pessoas, tentando adiar a provável execução dos criminosos, menosprezando seus amigos, Capote é o retrato do gênio que se crê acima das convenções sociais e do restante dos pobres mortais.
O filme possui um desenvolvimento extraordinário, acompanhando passo a passo a composição da obra literário-jornalística, ao mesmo tempo em que mostra a dificuldade do autor em extrair dos criminosos o mais importante, a descrição de como eles mataram a família.
A atuação de Philip Seymour Hoffman é brilhante e o Oscar por ela recebido foi mais do que merecido.
"Capote" é o típico filme que, ao tentar homenagear uma figura pública, acaba denegrindo sua imagem. Mas, apesar do asco que o personagem Capote nos causa, ainda é uma obra excepcional.

terça-feira, outubro 03, 2006

As Torres Gêmeas (2006)



Quando surgiu o rumor de que Oliver Stone dirigiria um filme sobre o atentado ao World Trade Center, logo o público americano se escandalizou - um cineasta com filmes polêmicos no currículo, como "Platoon" e "JFK - A Pergunta que não quer calar", jamais se sujeitaria a abordar este tema de maneira não-revisionista.
No entanto, todos se impressionaram com a sutileza do tratamento de Stone em relação ao assunto, ao invés de intrincadas teorias conspiratórias ou críticas aos imperialismo norte-americano, "As Torres Gêmeas" focaliza a história de dois policiais nova-iorquinos designados para auxiliar a evacuação das duas torres do World Trade Center, imediatamente após elas haverem sido atingidas pelos atentados terroristas, no inesquecível dia 11 de setembro de 2001.
Não se trata de um documentário (ou de uma ficção documental), não temos uma visão global do evento, mas sim o recorte particular daqueles indivíduos que não sabiam no que estavam se metendo e tampouco as conseqüências das ordens que obedeciam. Assim como grande parte do mundo, aqueles dois policiais, mais do que protagonistas, eram apenas espectadores de um inacreditável ato de terror.
Apesar da orientação piegas do filme, com vários flashbacks realizados pelos personagens John McLoughlin (Nicholas Cage) e Will Jimeno (Michael Pena), relembrado momentos felizes em família, e um chororô interminável, os noticários norte-americanos, pouco antes da estréia do filme nos EUA, apresentavam enquetes como:
"Você levaria seu filho para assistir a este filme?"
Demonstração de que, por detrás da aparente normalidade de Nova York cinco anos depois, o atentado ainda é uma chaga aberta no coração dos americanos.
A própria recusa de Stone em problematizar o tema, em questionar os fundamentos dos fundamentalistas que perpretaram esta barbárie (se eles possuem algum de fato, isto é uma outra questão), em tentar descobrir porque os EUA é tão odiado ao redor do mundo, é uma declaração de que os americanos possuem uma inclinação para posarem de vítimas.
Mas as coisas parecem estar mudando. No último dia 11 de setembro, quando as pessoas se reuniram ao redor do enorme buraco deixado pelas torres, muitos clamavam por respostas, sendo a principal delas: "Por que os EUA atacaram o Iraque, quando os responsáveis pelos atentados eram fundamentalistas islâmicos patrocinados, principalmente, pelo regime Talibã do Afeganistão?"
Já se falou, inclusive, em indicação ao Oscar. Ainda é cedo para este tipo de previsão, mas com certeza há muitas produções melhores em cartaz por aí, e bem menos melodramáticas.

Também pode ser lido em

www.adorocinema.com.br