domingo, setembro 25, 2005

A Queda - As Últimas Horas de Hitler (2004)



Que estranho fascínio esta criatura diabólica, conhecida como Adolf Hitler, exerce sobre o imaginário humano!
No entanto, "A Queda" não trabalhará, como já foi feito até a exaustão pelo cinema norte-americano, este assunto demonizando o ditador, mas sim, com uma sutileza extraordinária, revelando a humanidade que havia naquele bunker em Berlim.
Conhecer um pouco da História da Segunda Grande Guerra não é vital, porém, contribui para reconhecer aquelas personalidades que marcaram negativamente a contemporaneidade: Hitler, Himmler, Goebbels, Speer, Eva Braun, Fegelein, além de outras que não aparecem no filme, mas que são mencionadas, como Göring e Dalitz.
O século XX foi bastante produtivo em crueldade e, ao invés de heróis, temos uma galeria de vilões. Hitler está, sem sombra de dúvida, no topo do pedestal da crueldade. Por isso, "A Queda" se torna um filme tão surpreendente: vemos um indivíduo contraditório, que consegue ser afável com seus subalternos civis, gosta de animais, atencioso com sua concubida - Eva Braun -, ao mesmo tempo em que é irascível, megalomaníaco, cruel, paranóico e inclemente.
Além de abordar os últimos dias do Führer em seu esconderijo, esta maravilhosa produção alemã, a primeira na história do cinema a apresentar um ator alemão no papel do ditador, revela toda sorte de emoções e comportamentos daqueles que estão próximos ao poder, variando da fidelidade cega de Goebbels, crente de que Hitler pode ainda conseguir se salvar, até os desesperados que não estão mais dipostos à morrer por um sonho insano.
Ver retratado em um filme tudo aquilo que documentários e livros durante décadas tentaram reproduzir - um governante descontrolado, comandando em mapas tropas que já foram dizimadas, arquitetando planos impraticáveis, enfurecido com conspiradores inexistentes, disposto a sacrificar milhões de vidas ao invés de se render - é bastante impactante.
É fácil julgar aqueles que colaboraram com o projeto nazista, nós que estamos distantes espaço-temporalmente daqueles acontecimentos, mas, como no caso de uma das testemunhas, a secretária do Führer Traudl Junge, que vivenciou aqueles dias, não havia este afastamento e era compreensível a adesão à aura de poder que emanava daquele sujeito.
Como que um só indivíduo foi capaz de unificar um povo inteiro num delírio imperial?
Isso ainda permanece um mistério. Não há dúvidas de que Hitler não possuía o apoio incondicional de todas as pessoas, nem mesmo de membros das estruturas de poder. Muitos sabiam que seus projetos eram impraticáveis, muitos tentaram abandonar o barco quando este começou a naufragar, muitos civis morreram sem jamais poder escolher entre a vida ou a morte.
"A Queda" é um dos filmes que merece ser visto por causa das grandes lições que encerra. Exemplos de crueldades que não podem ser esquecidos; exemplos de humanidade que transcendem até mesmo a barbárie da guerra.
Atuações magistrais (entre elas a de Bruno Ganz no papel de Hitler e de Ulrich Matthes como Joseph Goebbels) e uma reconstrução histórica excepcional fazem deste filme simplesmente uma obra-prima do cinema.

domingo, setembro 18, 2005

Balzac e a Costureirinha Chinesa (um fábula sobre transformação) (2002)



Durante o regime maoísta na China Comunista, dois amigos, Lu e Ma, são enviado para as montanhas, por causa de suas orientações reacionárias (entenda-se ocidentalizantes), para passarem por um processo de reeducação.
Neste local, eles devem aprender a se desapegarem de seus princípios capitalistas-ocidentais e descobrir como é a vida campesina revolucionária. Lá, Lu e Ma conhecem uma singela e ignorante costureirinha. O objetivo de ambos se torna, então, "civilizá-la".
Ao lerem livros proibidos, autores clássicos da literatura francesa como Balzac, Zola e Flaubert, os três criam um vínculo íntimo que os ligam à liberdade de pensamento e à ruptura de um autoritarismo intelectual.
Não raro costuma-se propagar aos quatro ventos os efeitos sociais da literatura, de como ela pode mudar o mundo. Creio que poucos exemplos poderiam ser mais apropriados do que as mudanças radicais que os livros realizaram naquele pequeno vilarejo chinês perdido em meio a montanhas. O próprio processo de superação dos três acaba por se refletir em toda a vida daquelas pessoas humildes, que papagueiam ideais revolucionários sem mesmo saber o que eles significam, semelhante a muitos jovens, que se acham revolucionários sem ler (ou sem entender) Marx.
"Balzac e a Costureirinha Chinesa" é uma crítica, ao mesmo tempo que uma advertência, contra quaisquer princípios ditatoriais restritivos da liberdade de expressão e de como o saber e a cultura podem sim serem motores de mudanças. Ao contrário do materialismo dialético, no qual a super-estrutura acaba por refletir a infra-estrutura, aqui temos um inversão de papéis, a cultura e o ideal burguês-liberal explodindo de dentro o escopo limitado de um marxismo imbecilizado e imbecilizante.
Uma fotografia belíssima e um enredo envolvente faz deste filme uma das pérolas do cinema internacional.
Inocentemente avassalador!

Também pode ser lido em
www.adorocinema.com.br

quinta-feira, setembro 08, 2005

Retratos da Província




Toda tentativa para ser original, em nossa época, redunda num esforço inútil.

Vários autores já preconizavam, muito antes de sequer se conceber um universo virtual como a internet, uma narrativa tridimensional, labiríntica, sem princípio nem fim.

Por razões óbvias, por sua limitação espacial, o livro nunca foi um suporte apropriado para este tipo de experimentação e apenas por extensão conseguia atingir o fim almejado desta inter-conectividade das narrativas e personagens.

No capítulo 10 de Ulysses, James Joyce descreve, na curta duração de uma hora, as trajetórias de uma dezena de personagens que se esbarram, encontram-se, ignoram-se ou simplesmente coabitam na mesma cidade. Jorge Luis Borges, em seu conto, Jardim das Veredas que se Bifurcam, propõe um mergulho nesta narrativa ilimitada, simultânea e inabarcável, mesmo que ele próprio só tenha podido vislumbrá-la conceitualmente.

Desde a década de 80, tem surgido, principalmente nos EUA, um movimento conhecido como hyperficção, o qual mune-se do suporte virtual para compor narrativas fragmentadas, as quais podem ser lidas em qualquer seqüência e da maneira como o leitor bem entender. Através da navegação por hyperlinks, o leitor escolhe a trajetória que mais o apraz, tornando-se, de certo modo, co-autor da narrativa.

No Brasil, os esforços em criar hyperficções ainda são limitados. Poucos autores se propuseram a se enveredar neste intrincado universo da não-linearidade que rompe com todos os princípios da ficção tradicional.

Esta coleção de contos que se encontra neste site, foi concebida como uma obra única, com as tramas entrelaçadas, com vidas que se tocam e num mundo compartilhado. Foi redigida num fôlego único e é de qualidade díspar. No entanto, vale como primeiro experimento.

Espero que vocês visitem,

Abraços.

http://www.provincia.cjb.net/