domingo, agosto 29, 2004

Beleza Americana (1999)



Não deve ser triste quando você pára para refletir sobre sua vida e descobre que algo se perdeu?

Conheçam, então, Lester Burnham, um pai de família com crise dos quarenta anos. Ao ser apresentado a uma amiga de sua filha, todo o vazio que a vida de Lester representa vem à tona e ele decide que algo precisa mudar. Uma crítica sagaz à família e ao modo de vida americano, "Beleza Americana" é um filme sensacional. E é um ataque para todos os lados, desde o casamento de aparências no qual nenhuma das partes está satisfeita, à filha adolescente problemática, ao vizinho voyer, ao homossexual enrustido, enfim, todos aqueles aspectos mórbidos que constituem a intimidade dos relacionamentos.

O que supreende, além da excelente história, é a interpretação de Kevin Spacey, que dá um show de versatilidade no papel de Lester, quase um Homer Simpson da vida real.

"Beleza Americana" é uma parábola sobre como pequenas coisas podem causar grandes transformações e de como devemos estar atentos aos sutis milagres cotidianos que nos cercam. Como diria Oscar Wilde: "Todos nós estamos na lama, mas alguns sabem ver as estrelas."

A Arte de Vencer

As Olimpíadas foram concebidas como uma celebração em honra aos deuses olímpicos. Nestas circunstâncias, todos os melhores homens da Grécia se reuniam e competiam em jogos gímnicos, cujos únicos prêmios eram uma coroa de louros e o reconhecimento público. Numa sociedade onde a excelência individual era valorizada, ser um dos vencedores era mais alta honra concedida a alguém por aquele povo.

Fundamentado nesta mentalidade, os jogos olímpicos foram revividos no século XX, laureando os que provavam ser os melhores em suas modalidades. Fato que, neste último dia de competições, em Atenas, foi violado. É claro que um senso pátrio, por mais tênue que seja, grita diante da medalha de bronze de Vanderlei Cordeiro de Lima. Não que ele não a mereça, mas sim porque jamais saberemos se ele não poderia ter alcançado mais.

A tristeza de ver um atleta olímpico do Brasil perder por haver encontrado um adversário superior ou por ter fraquejado no momento decisivo não se compara à cena de um maluco invadindo a pista de corrida e arremessando o líder da prova contra a multidão. Vanderlei não deixou de subir ao lugar mais alto do pódio por insuficiência sua; impediram-lhe isto. Pior ainda, impediram que a justiça fosse feita.

Em qual país Vanderlei deveria ter nascido para que medidas justas fossem tomadas? De qual cor deveria ser sua pele?

Vanderlei não recebeu uma medalha de ouro, mas a humildade com a qual ele aceitou o terceiro lugar o colocou ao lado dos grandes atletas olímpicos de antigamente, que se contentavam somente com aquela frágil coroa de louros. Eis a maior lição sobre a arte de vencer.

quarta-feira, agosto 25, 2004

Adeus, Lênin! (2003)



Uma comédia muito inteligente e bem concebida.

Poucos dias antes da queda do muro de Berlim, Christine Keller, uma comunista e nacionalista fanática de Berlim Oriental, entra em coma. Durante quase dez meses ela permanece desacordada e, quando retorna à consciência, o mundo ao qual ela estava habituada havia mudado completamente. Aconselhado por um médico a não perturbar sua mãe com situações e notícias desagradáveis, Alexander Keller faz de tudo para que sua mãe não descubra que a sua querida República Democrática Alemã não existe mais. A maneira como ele se desdobra para forjar a realidade de outrora é hilariante.

O diretor Wolfgang Becker brinca com a tênue linha que separa a verdade e a mentira e como, em alguns casos, nós preferimos acreditar na mentira por ela nos ser mais agradável. Por outro lado, o filme reflete também a resistência de toda uma geração ao fim de um sonho de igualdade e de valorização dos atributos individuais imanentes ao ideal maxista-leninista, inexistentes, porém, na prática.

Uma excelente trilha sonora de Yann Tiersen, inclusive com motivos do filme "O Fabuloso Destino de Amelie Poulain".

terça-feira, agosto 24, 2004

Cinema Paradiso (1988)



Um declaração de amor ao cinema.

O curioso é que, em toda minha vida, eu jamais ganhei coisa alguma em concursos, nem em rifas de escola. Por isso, foi com hesitação que me inscrevi num concurso da Eurochannel intitulado "O Olhar da Inocência", cuja premiação eram 30 DVDs do filme "Cinema Paradiso" para as melhores narrativas de toda a América Latina sobre algo curioso ocorrido durante uma sessão de cinema.

A história do filme se passa num pequeno vilarejo da Sicília, onde a única diversão de Salvatore Vita, ou melhor, Toto, e dos seus demais habitantes é ir ao cinema. Apesar da relutância inicial de Alfredo, o projetista, Toto penetra nos mistérios e segredos por detrás do que se vê na tela do cinema. Com lirismo e humor extraordinários, Giuseppe Tornatore faz com que nos apaixonemos por aquela comunidade tão humana e viva, unida pela magia do cinema.

Além de uma cativante trilha sonora de Morricone, "Cinema Paradiso" é um exemplo de como não podemos fugir ao nosso destino, talvez até mais do que isso, de como vale a pena viver o que sonhamos.

Mas retornando à história do concurso... Após enviar a minha resposta, sobre um incidente ocorrido aqui mesmo em Curitiba, quando da exibição de "Dança com Lobos". Como o filme era longa-metragem, a distribuidora decidiu dividir o rolo em duas partes e exibí-las em dois cinemas diferentes, ou seja, assistia-se a primeira parte num cinema e um rapaz levava o rolo para outro cinema, enquanto que traziam o rolo da segunda para a projeção. Um dia, no entanto, eles exibiram a segunda parte primeiro e foi aquela confusão. Com esta historieta, eu fui um dos contemplados com o DVD quebrando um tabu de anos! O que mais me surpreendeu, no entanto, foi que, numa das cenas do filme, há uma situação semelhante. Antes mesmo de saber, eu já estava no clima da história.

Suponho que boa parte do que está contido em "Cinema Paradiso" diz respeito à própria vida de Tornatore e pode ser isto que lhe dê tamanha autenticidade. Um filme para ser assistido e para encantar muitas vezes.

Taxi Driver (1976)



Um clássico do cinema, dirigido por Martin Scorsese e ganhador da "Palma de Ouro" em Cannes em 1976.

Robert de Niro interpreta Travis, um homem de 26 anos completamente deslocado. Na verdade, Travis é quase um retrato do cidadão urbano, com relacionamentos superficiais, solitário e esmagado pela violência e pela podridão das ruas. Por causa de uma insônia crônica, Travis se inscreve numa companhia de taxis para ser motorista e ocupar o seu horário noturno. Durante suas corridas, Travis vai ao encontro da miséria da cidade - os assassinatos, as drogas, a prostituição. Indignado com esta situação, ele decide que alguém deve limpar as ruas.

A adolescente prostituta Iris (Jodie Foster) ressalta este desejo justiceiro de Travis, que se arma e se rebela contra esta imundície.

Com características marcantes de Scorsese, "Taxi Driver" é uma crítica contra esta sociedade alienante, violenta e ideologicamente controlada.

segunda-feira, agosto 23, 2004

O Chamado (Ringu) (1998)

Fazia tempo que eu não assistia um filme que me desse medo.
Mas hoje tive a oportunidade de assistir "O Chamado". Não a releitura americana, mas o original japonês (Ringu).
O filme é sobre uma jornalista, Reiko Asakawa, que após a morte de uma parente, decide investigar os boatos sobre a causa de sua morte - um vídeo que mata o espectador após uma semana. Uma desesperada tentativa de esclarecer este mistério se inicia quando a própria Asakawa, seu ex-marido, Ryuiji, e seu filho, Yoichi, também assistem à esta fita de vídeo. Eles são conduzidos a uma extraordinária e terrível personagem, Sadako, uma paranormal com poderes mortais.
Como não assisti a versão americana, não posso afirmar quais são as virtudes e os defeitos deste em comparação ao original japonês. Entretanto, por o "Ringu" ser baseado no romance japonês de Kôji Suzuki, creio que deva se assemelhar mais ao espírito e à intenção do livro.
Um filme de terror que honra o gênero, sem as apelações e exageros que constam na maioria dos filmes americanos da mesma categoria.

Dogville (2003)




Simplesmente sensacional!

É difícil agüentar os primeiros minutos, por causa do estranhamento que o cenário (ou a falta dele) causa. Assim como quando diante de grandes verdade, nós precisamos nos adaptar diante da transparência de "Dogville".

Nicole Kidman é Grace, uma jovem que, após fugir de uns gangsters, se refugia nesta pequena e remota vila. No início, a população a recebe com desconfiança, mas após a proposta de Tom Edison, um dos moradores, Grace é aceita no convívio do vilarejo, desde que ela prove suas boas intenções ajudando seus habitantes. No entanto, o cerco se fecha e a polícia passa a vasculhar as cidades vizinhas à procura da fugitiva. Amedrontados, os moradores começam a exigir mais favores da pobre Grace, reduzindo-a quase a um estágio de escravidão.

Mais uma vez, a faceta de sofredora de Nicole é explorada, pois Grace se assemelha muito a personagens melancólicas por ela interpretadas anteriomente, como a Virginia Wolff de "As Horas", como em "De Olhos Bem Fechados", "Moulin Rouge" e, em certo grau, em "Os Outros". É incrível como o sofrimento de Grace nos faz odiar os moradores desta maltida vila!

"Dogville" revela tudo que há de mau e de corrupto em nós e a constatação de que também agiríamos, se estivéssemos na situação dos habitantes de Dogville, como eles é perturbadora.

Um grande e catártico filme.

Olga (2004)



"Olga" possui belíssimas cenas, mas o filme, como um todo, soa artificial. A interpretação de Camila Morgado é carregada de uma dramaticidade teatral, a trilha sonora não se encaixa direito e há uma série de erros de continuidade detectável mesmo para o espectador mais desatento. Para uma produção da Globo Filmes, poderia se esperar mais do resultado final.

O filme se inspirou na vida de Olga Benario, uma judia alemã que é designada, pelo governo soviético, para proteger o retorno de Carlos Prestes ao Brasil. Nesta viagem de volta, eles se envolvem amorosamente e deste relacionamento resulta uma criança. Quando a tentativa de revolução, encabeçada por Prestes, é rechaçada, Carlos e Olga são aprisionados. Prestes permanece no Brasil, enquanto que Olga é deportada para a Alemanha governada por Hitler e, por fim, enviada a um campo de concentração, onde morre.

Na minha opinião, o que realmente salva o filme é a interpretação genial de Osmar Prado como Getúlio Vargas.

Antes do lançamento do filme, ouvi muitas pessoas reclamando de ser o filme em português e não nas línguas originais. Entretanto, este é o menor dos detalhes, já que estamos acostumados, em filmes americanos, a ver Napoleão Bonaparte falando inglês; ou alemães, russos, árabes e qualquer outra nacionalidade falando inglês. O purismo de filmes como "Desmundo", falado em português arcaico, ou como "Hans Stadten", falado em alemão, tupi-guarani, espanhol, etc., é bastante interessante, porém, impede que tais filmes sejam sucessos de público.

Creio que "Olga" merece ser assistido, pois retrata um importante período da história brasileira e, acima de tudo, ainda carecemos de imagens heróicas como Prestes e Olga.

segunda-feira, agosto 16, 2004

"O Senhor das Moscas" de William Golding


Um livro assustador.
Escrito durante os primórdios da Guerra Fria e publicado em 1952, "O Senhor das Moscas" traz muito daquele desamparo do pós-guerra, pois a história começa com a queda de um avião que havia deixado a Inglaterra após um bombardeio nuclear. Deste acidente, apenas um grupo de crianças sobrevive e, para serem resgatadas, elas estabelecem uma frágil sociedade "democrática". Entretanto, a luta pela liderança divide esta comunidade e instaura um violento conflito entre as crianças.
Esta obra de Golding pode ser interpretada sob várias perspectivas. Como uma analogia da luta entre a democracia, na qual todos podem ter voz, mas que, por outro lado, as decisões são arrastadas e controversas, e a ditadura, na qual um tirano estabelece um sistema hierárquico baseado na punição e no medo.
Entretanto, há uma mensagem mais profunda em "O Senhor das Moscas", já que ela pode representar os conflitos dentro da própria "psiqué" humana. Ralph é a consciência, porque todos seus esforços são o de manter clareza em sua fala e ações e de agir da maneira mais correta para serem resgatados; Porquinho é a racionalidade; Jack, os instintos animalescos e primitivos; Simon, a contemplação e intuição. No fundo, Golding afirma que estas contradições não existem somente no interior de uma sociedade, cujo resultado extremo é a guerra, mas também no interior de um próprio indivíduo.

Vale a pena conferir, também, a versão cinematográfica de "O Senhor das Moscas", já que esta adaptação não fca devendo nem um pouco à obra original. É claro que devemos resguardar as devidas proporções, pois o livro favorece uma exploração da atividade mental das personagens, enquanto que o cinema procura meios alternativos para expressar isto.
Uma obra formalmente simples, mas conceitualmente avassaladora. E terrivelmente atual.

sábado, agosto 14, 2004

Como matar o cachorro do vizinho?? (2000)

Kenneth Branagh interpreta um dramaturgo neurastênico e anti-social que se vê oprimido pelo desejo de sua esposa em ter um filho. Com um humor inteligente e ácido, acompanhamos as sutis mudanças de conceitos e de atitudes de Peter, a personagem de Branagh, tanto em relação à paternidade quanto a sua maneira de escrever.

"How to Kill Your Neighbor's Dog" aborda certas questões nevrálgicas: como a mãe castradora que impede a filha, com paralisia infantil, de se integrar com outras crianças; o perigo da mitificação de um ídolo; o mergulho e avaliação dos nossos pré-conceitos e como podemos nos equivocar em nossos julgamentos. É claro que a interpretação magistral de Branagh colore esta comédia.

Bons momentos de riso.

sexta-feira, agosto 13, 2004

O exorcismo de Drummond - uma crítica da crítica

EXORCISMO



Das relações entre topos e macrotopos
Do elemento suprassegmental
/Libera nos, Domine/

Da semia
Do sema, do semema, do semantema
Do lexema
Do classema, do mesma, do sentema
/Libera nos, Domine/

Da estruturacao semêmica
Do idioleto e da pancronia científica
Da reliabilidade dos testes psicolingüísticos
Da análise computacional da estruturação silábica dos falares regionais
/Libera nos, Domine/


Do vocóide
Do vocóide nasal puro ou sem fechamento consonantal
Do vocóide baixo e do semivocóide homorgâmico
/Libera nos, Domine/

Da leitura sintagmática
Da leitura paradigmática do enunciado
Da linguagem fática
Da fatividade e da não-fatavidade na oração principal
/Libera nos, Domine/

Da organização categorial da língua
Da principalidade da língua no conjunto dos sistemas semiológicos
Da concretez das unidades no estatuto que dialetaliza a língua
Da ortolinguagem

/Libera nos, Domine/

Do programa epistemológico da obra
Do corte epistemológico e do corte dialógico
Do substrato acústico do culminador
Dos sistemas genitivamente afins
/Libera nos, Domine/

Da camada imagética
Do estado heterotópico
Do glide vocálico
/Libera nos, Domine/

Da lingüística frástica e transfrástica
Do signo cinésico, do signo icônico e do signo gestual
Da clitização pronomial obrigatória
Da glossemática
/Libera nos, Domine/

Da estrutura exossemântica da linguagem musical
Da totalidade sincrética do emissor
Da lingüística gerativo-transformacional
Do movimento transformacionalista
/Libera nos, Domine/

Das aparições de Chomsky, de Mehler, de Perchonock
De Saussure, Cassirer, Troubetzkoy, Althusser
De Zolkiewsky, Jacobson, Barthes, Derrida, Todorov
De Greimas, Fodor, Chao, Lacan /et caterva/
/Libera nos, Domine/

1975, Jornal do Brasil, Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, agosto 12, 2004

Ulysses de James Joyce


Ulysses é um épico do século XX.

Um dia na vida de Leopold Bloom, exteriormente, um homem comum, um bom pai de família, um marido dedicado; interiormente, um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Joyce recria a saga do legendário herói grego Odisseu (Ulisses no seu correspondente latino) na sua tentativa de voltar para casa. Bloom é Ulisses; sua casa, Ítaca; sua esposa, Penélope.
No entanto, os valores são invertidos. Leopold não é nenhum herói do sentido exato da palavra; ele vaga pelas ruas de sua cidade como faz todos os dias. Em dezoito capítulos, ele revive, do seu modo, as peripécias da "Odisséia". Ele enfrenta os Cíclopes da ignorância, a tentação da calcinha da adolescente Nausícaa e a magia e sedução de Circe, representada por um animado prostíbulo.
Repleto de elementos autobiográficos, o próprio Leopold pode ser identificado com o Joyce maduro, enquanto que Stephen Dedalus (a mesma personagem de "O Retrato do Artista Quando Jovem) com o impetuoso e prepotende Joyce da juventude.
Considerado por alguns críticos como a obra mais importante do século XX, "Ulysses" é um monumento dos tempos modernos. Nela estão presentes todos os elementos, agradáveis ou insossos, deste século entremeado por duas grandes guerras - o antisemitismo, a erotização, o racionalismo cientificista, o adultério, as falsidade das relações sociais.
Para muitos, lê-la não é uma tarefa fácil, mas é certamente recompensadora.

Jogos, Deuses e LSD (2002)



Um documentário com quase três horas e meia. Filmado em Toronto, Las Vegas, na Suíça e Índia, é uma investigação sobre as inquietações humanas.

A proposta do diretor é a de que os vícios humanos e as religiões são maneiras que encontramos para silenciar aqueles questionamentos sem respostas que fervilham em nosso interior. Dos evangélicos pentecostais do Canadá, aos jogadores e compulsivos por sexo de Las Vegas; dos viciados de Zurique aos peregrinos hindus, o que vemos é a busca incessante de um paliativo para uma existência sem sentido. Um vazio que o próprio diretor compartilha.

Repleto de cenas belíssimas, como as do deserto de Nevada e dos Alpes suíços, o filme estimula o espectador a refletir. De fato, enquanto eu assistia "Jogos, Deuses e LSD", eu me lembrei de uma antiga disputa, ainda quando eu estava na Universidade, sobre se existia Filosofia Oriental. Propositalmente, o diretor Peter Mettler abre o longa com um culto religioso cristão e encerra com uma cerimônia sagrada hindu. No ocidente, os cristãos buscam Jesus, esperam respostas de Deus; no oriente, eles sabem que o sagrado está em todas as coisas e basta que eles prestem atenção para sentir isto. Nós temos indagações, por isto questionamos; eles possuem respostas, por isto, podem se dar o luxo de não vê-las.

terça-feira, agosto 10, 2004

Cazuza - O Tempo não pára (2004)



Talvez Cazuza seja o maior representante da sua geração.

Uma geração pós-guerra do Vietnam e pós-movimento Hippie; uma geração pós-ditadura militar e pós-censura. Creio que esta sensação de ser pós-alguma coisa fez com que os anos oitenta parecessem uma década fora dos trilhos. A falta de ter algo contra lutar estimulou a juventude a lutar contra si própria.

Há uma aura melancólica pairando sobre o filme, principalmente porque sabemos como ele terminará. Para mim, que era criança quando da morte de Cazuza, a incrível semelhança do ator Daniel Oliveira com Cazuza em seus últimos dias é impressionante. O ator brasileiro supera Tom Hanks em "Filadélfia", mas certamente não ganhará o Oscar.

Quando saí da sala de projeção, a primeira coisa que me veio a mente foi atribuir a culpa a alguém. Ficou claro que os pais de Cazuza tiveram uma boa dose de responsabilidade quanto ao comportamento desmedido do filho; as drogas, os amigos, o produtor, a própria banda, todos contribuíram para afundar Cazuza. Mas será que é tão fácil assim encontrar um culpado para o que aconteceu?

Seria bom se fosse, mas não é. O tempo não parou para Cazuza, mas o poeta ainda vive.

Atrás da Verdade (1999)

Conta a lenda que, após a queda do Terceiro Reich, Josef Mengele, o "Anjo da Morte de Auschwitz", refugiou-se na Argentina e, finalmente, na década de setenta, faleceu no Brasil.

Entretanto, pesquisadores afirmam que o cadáver sepultado em Embú não é o do médico-monstro que apavorava os gêmeos e os ciganos com suas experiências macabras. É neste ponto que "Atrás da Verdade (Nichts als die Wahrheit, 1999, Alemanha/EUA)" começa.

O filme se trata de um hipotético julgamento de Mengele pelas autoridades alemãs. O grande dilema do renomado advogado Röhmer é descobrir como inocentar alguém que praticou tamanhas atrocidades como o seu cliente. Aí reside o brilhantismo da história, pois a proposta do advogado de defesa é que, para compreender os atos de Mengele, é necessário pensar como um médico, segundo as éticas médicas, dos anos quarenta numa Alemanha governada por Hitler.

Contudo, esta tarefa é impossível. O passado é como a pele morta de uma serpente que ela deve abandonar para poder crescer. Jamais poderemos compreender a barbárie ou as conquistas dos que já se foram, simplesmente porque o passado nos é velado. O nosso esforço para compreender o passado esbarra na nossa própria contemporaneidade. Sempre julgaremos Mengele com olhos de hoje.

segunda-feira, agosto 09, 2004

Eu, Robô? Você é que é! (2004)



Uma história interessante. Muitas possibilidades. Mas o roteiro é um fracasso. Por quê?

É extraordinário como os filmes de ficção científica passaram de um gênero B, isto por volta das décadas de quarenta e cinquenta, e se tornam megaproduções campeões de bilheteria.

"Eu, Robô" é baseado no livro homônimo de Isaac Asimov. A história se passa em 2030, numa sociedade na qual humanos e máquinas convivem em harmonia. Até que um cientista é supostamente assassinado por um robô, criação sua. Will Smith é o detetive encarregado de investigar este misterioso crime. Até aí, tudo bem!

No entanto, o filme desanda. Logo começam as explosões, tiros, e robôs dando saltos mortais e voadoras... Isto mesmo, voadoras! Não posso negar que estas cenas me prenderam na cadeira do cinema, na expectativa (ou melhor, na certeza) de o herói conseguir se salvar. Mas uma história tão essencialmente rica, perde espaço para as explosões.

Ontem, passando por uma livraria, vi a reluzente capa da reedição de "Eu, Robô" de Asimov. Como eu imaginava, o livro, com exceção do título, não tinha nada em comum com o filme. Trata-se de nove contos, os quais narram a progressiva evolução das máquinas, de um robozinho babá inofensivo, até o controle absoluto que elas obtêm sobre os humanos. Não há porrada, nem mortes, nem cenas mirabolantes.

O filme é, em si, a expressão do poder que a tecnologia exerce sobre nós, pois subestimam a nossa inteligência bombardeando-nos com efeitos especiais.

O mais triste, porém, é constatar que aqueles primeiros filmes de ficção científica, produzidos com um orçamento restrito, com robôs de papelão e naves espaciais de isopor, estão muito mais avançados em criação e conceito do que o que se faz agora. Realmente, o ser humano perdeu.

Heródoto: do mito à História

Eu tentei três vezes antes de conseguir ler a "História" de Heródoto do começo ao fim.

Não é um livro enfadonho, muito pelo contrário. O historiador grego possui uma habilidade para narrar o seu mundo que lhe é particular. Creio que se os historiadores, hoje em dia, soubessem se expressar como Heródoto, mais pessoas se interessariam por esta disciplina.

O que torna esta obra um tanto pesada é o excesso de detalhes. Heródoto descreve tudo - templos, as regiões, os costumes - com minúcias e isto pode ser um tanto cansativo para o leitor contemponâneo, tão acostumado à agilidade da televisão e do cinema. No entanto, Herótodo e a proposta do seu livro são magníficos: contar os fatos relacionados à invasão persa na Hélade.

Poucos autores souberam retratar com maestria o espírito de seu tempo. Os combates navais de Artemísios e Salamina e os combates terrestres de Maratona, Termópilas (imagem acima) e Platéia representam a vitória de uma mentalidade. Leônidas, o comandante de trezentos espartanos e quatro mil eginetas, contra um exército composto por mais de um milhão e quinhentos mil persas é o grande símbolo daquele povo. Uma luta constante por sua própria autonomia.

Se somos o que somos hoje, talvez devamos às lutas que os gregos empreenderam para preservar sua liberdade. O maior legado deste povo não é a Filosofia, nem a Retória, nem a Gramática, nem mesmo a História, mas é o apego a este conceito relativo e abstrato: Liberdade.

Fahrenheit 11 de setembro (2004)



Um filme tendencioso de Michael Moore.
Não que isto signifique que aquilo que ele nos apresenta não seja verdadeiro ou digno de atenção, mas o que temos é uma visão bastante parcial da situação. A proposta de Moore é a de evitar a reeleição de Bush e creio que, para isto, o documentário tem força bastante para convencer alguns eleitores indecisos.
Em nenhum momento vemos a parcela de culpa de Blair na Guerra do Iraque, tampouco somos informados dos abusos de Hussein enquanto presidente-ditador. Farenheit é um ataque declarado aos "Bushes", pai e filho. A grande crítica de Moore não é tanto contra a guerra (mas certamente que também é contra a guerra), mas sim contra a política americana de gastar bilhões de dólares em defesa militar, enquanto que a taxa de desemprego aumenta diariamente.
É um filme que deveria ser assistido, principalmente, pelos norte-americanos, pois as vendas que os cegam precisam ser desatadas. Até agora, a principal fonte de informação que eles possuíam eram as grandes redes de jornalismo, as quais apresentavam suas visões tendenciosas e, em sua maioria, pró-Bush.
A verdade, se é que há alguma, está entre a visão de Moore e das fontes oficiais de informação. Cabe a nós a tarefa de tirarmos nossas próprias conclusões.

domingo, agosto 08, 2004

A mãe de todas as críticas

Quando esta invasão de blogs se iniciou, eu a observei com desconfiança e com até uma certa relutância. Realmente, eu não via muito sentido em centenas de milhares de diários pessoais sendo publicados pela internet.

Mas o tempo passou... Não me tornei um assíduo leitor de blogs, mas reconheci que, em alguns, havia algo de bom. No fundo, uma necessidade de compartilhar pensamentos, inquietações, anseios e confidências estava por detrás desta revolução virtual. Mais do que isto, havia uma necessidade, por parte dos leitores também, de penetrar em mundos tão diferentes, mesmo que não fossem tão distintos assim.

O meu tempo de silêncio se foi. Motivado pela mesma necessidade de muitos, exporei aqui sobre aquilo que mais sei (ou ao menos que penso saber): Arte.

No entanto, falar sobre Arte, requer que falemos também do que não é arte, ou daquilo que o é por extensão, ou daquilo que não era, mas que acabou se tornando.

Sinto-me como Brás Cubas, no início de suas "Memórias Póstumas". Gostaria de crer que muitos lerão o que tenho a dizer, mas me surpreenderia se mais de cinco leitores acompanhassem estas críticas "difusas".