domingo, fevereiro 24, 2013

Amour (2012)


Já fui mais entusiasmado pela linguagem do cinema europeu. Hoje sou um pouco mais criterioso entre deslumbrar-me por uma estética inovadora ou simplesmente considerar aquilo um nonsense travestido de vanguarda.

Decepcionei-me bastante com outro filme deste mesmo diretor; em "A Professora de Piano", Michael Haneke errou o alvo, e nos deparamos com uma história sem muito propósito.

Em "Amour", ele já foi mais certeiro, apesar de ainda não ser uma obra-prima.

Neste filme, acompanhamos a história de um casal de idosos, Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anna (Emmanuelle Riva), e como eles lidam com as consequências de um derrame da esposa e de sua degeneração física e mental.
"Amour" é de uma crueza terrível, tão real que é quase como se estivéssemos invadindo a privacidade daquele casal, com uma veracidade absurda que torna esta história muito mais eficaz do que qualquer abordagem piegas e excessivamente cinematográfica, no pior sentido que isto possa insinuar.

Uma característica que deixa muito clara esta tendência naturalista de "Amour" é a ausência de trilha sonora. Escutamos apenas os sons ambientes, e as canções são aquelas que os próprios personagens estão ouvindo.
Outro detalhe que realça este realismo são longos plano-sequências, alguns até sem um propósito evidente, que nos insere neste cotidiano triste e desesperador da doença.

Iniciar o filme pelo final, pela descoberta do cadáver em decomposição de Anna num apartamento vazio, foi uma ótima alternativa para complementar os finais abertos típicos de Haneke, assim, pelo menos ele satisfaz o desejo interno da maioria dos espectadores: "'tá, e daí?"

Dentro de sua proposta, "Amour" é um filme bastante verossímil e inquietante, que nos leva a refletirmos sobre as condições de nossos avós e pais, e, até mais do que isto, de como será nossa própria velhice.

"Todo homem é mortal", diz o exemplo clássico de lógica, mas o problema não é este, a questão fundamental é: "pelo que tanto passaremos até o dia de nossas mortes?"

terça-feira, fevereiro 19, 2013

Lincoln (2012)



Quem se detém para estudar um pouco da História dos Estados Unidos da América tem de dar o braço a torcer e reconhecer quão admirável é, em certos sentidos, esta nação.

Os pais fundadores, como são chamados os primeiros democratas do país, figuras como George Washington, Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, entre outros, tinham os olhos voltados para Iluminismo francês, importando ideias e conceitos bastante avançados para a época, noções como igualdade e liberdade, a inteligência e a cultura a serviço do desenvolvimento, e a democracia como a forma de governo mais justa e maleável.

Olhando em retrospecto, tudo parece ter ocorrido às mil maravilhas, mas a História tem suas sutilezas e sempre houve cismas na cúpula do poder americano. Havia os idealistas, mas havia também a realidade crua e brutal, esta natureza humana podre que se revela na luta pela supremacia, ao custo da opressão.

Qualquer sujeito razoável sabe que a escravidão é uma abominação, mesmo que isto não fosse tão evidente até para certos intelectuais do século XIX. O fato que é que a escravidão foi um negócio bastante lucrativo por vários séculos e muita gente criou fortunas nas costas dos escravos negros.

Os movimentos abolicionistas que se espalharam como fogo num matagal não comprometiam somente uma mentalidade, como também, senão principalmente, um sistema econômico. Nos EUA, havia dois mundos distintos: o norte industrializado e que rapidamente conseguiu se livrar do trabalho escravo, realizando a transição para o assalariado, sintoma da era industrial, e o sul agrícola, atrasado, com latinfúndios e dependente do labor servil.

A Guerra de Secessão americana começou por causa desta disparidade econômica e também pelo temor dos sulistas que a abolição da escravatura destruísse sua economia.

A figura no meio deste conflito era Abraham Lincoln, o décimo-sexto presidente dos EUA, um homem conhecido por sua inteligência e retratado neste filme de Steven Spielberg.

"Lincoln" aborda a complicada articulação política nos bastidores para a aprovação de uma emenda constitucional abolindo a escravidão, um dos legados que o presidente queria deixar para o mundo.
Basicamente, a trama é uma espécie de mensalão da abolição, com compras de votos de parlamentares para conseguirem fechar o número de votos suficientes para passar a emenda.
Um retrato fiel das tramóias e politicagens do governo, mesmo que fossem por uma boa causa. É o lado sujo da democracia, quando interesses pessoais dos governantes acabam falando mais alto do que o interesse da coletividade, quando o dinheiro e ameaças silenciam ideologias.
Neste caso em particular, a causa do "bem" venceu, mas quantas vezes o certo e o justo não foram distorcidos por estes mesmos interesses escusos nos bastidores do poder?
Esta é a indagação que "Lincoln" pode, ou até deveria, suscitar.

Um equívoco é pensar que a discriminação terminou com a abolição dos escravos. Os EUA ainda é um país extremamente segregado, com uma tensão racial constante, com crimes raciais ocorrendo todos os dias. A escravidão foi abolida nos EUA em 1865, quando vários outros países latino-americanos já haviam se antecipado, de maneira muito significativa com Simon Bolívar, mas a segregação oficial americana perseverou até 1964, sendo que a discriminação nunca se encerrou.

Os americanos gostariam de pensar que vivem num país equânime e igualitário, mas, na realidade, existem várias Américas, a dos brancos, a dos negros, a dos latino-americanos, a dos chineses, a dos nativo-americanos, e a de todas as demais minorias étnicas.

A América fragmentária e desigual gostaria de ver-se espelhada em filmes como "Lincoln", mas, nas ruas, os guetos continuam sendo a evidência inquestionável que eles podem estar juntos, mas separados, num Apartheid invisível de discriminação que mina cotidianamente a vida dos americanos.

terça-feira, fevereiro 12, 2013

O Massacre da Serra Elétrica (1974)


Apesar do título horrendo, "O Massacre da Serra Elétrica" é muito mais sutil do que isto, ou melhor, sutil até a metade do filme.

Poucos assassinos tiveram uma influência tão poderosa no inconsciente de uma nação quanto Ed Gein, um sociopata famoso por vestir as peles de suas vítimas, ou de corpos que ele desencavava do cemitério, também criando mobílias com partes humanas.
A história deste maníaco serviu de inspiração para o cinema várias vezes, com produções bastante distintas como "Psicose" de Hitchcock, "O Silêncio dos Inocentes" e também para "O Massacre da Serra Elétrica".
O que estes três filmes tem em comum é um psicopata isolado, oprimido por uma forte figura materna e que tem fixação por cadáveres. Todavia, as abordagens são totalmente diferentes, desde um thriller policial até um filme de terror com requintes de crueldade como este de 1974.

A trama começa despretensiosa, com alguns amigos viajando pelo Texas para visitar a casa onde os avós de uns deles moravam. No caminho, dão carona para um sujeito estranhíssimo, o que já prenuncia o tom do que virá por diante. Depois de se livrarem do caronista doidão, eles encontram a casa abandonada dos avós, sem terem ideia que, ali perto, morte e carnificina os aguardam.

"O Massacre da Serra Elétrica" segue num crescendo sufocante, com as primeiras mortes ocorrendo tão naturalmente que nem temos muita consciência do que se sucederá. No entanto, na medida em que todos vão morrendo, somos surpreendidos pela cena mais assustadora de todas, na escuridão, com o maníaco com a serra elétrica na mão correndo atrás da mocinha.
Algo que se tentou fazer muito no cinema, geralmente sem competência, mas que. neste filme, é de deixar o espectador tremendo de tamanha angústia.

O enredo é trivial e se tornou um clichê com o passar do tempo. No entanto, não é a história que torna "O Massacre da Serra Elétrica" um dos clássicos do terror, mas o poder da maldade humana, a crueldade que habita, de alguma maneira, em todas as pessoas. E também a capacidade de retratar esta maldade no cinema, de maneira tão realista e terrível, como raras vezes se logrou.

segunda-feira, fevereiro 11, 2013

Suspiria (1977)


É possível que um filme de terror seja, ao mesmo tempo, uma obra de Arte?

Talvez esta tenha sido a intenção do diretor italiano Dario Argento quando concebeu e realizou seu maior clássico, "Suspiria", de 1977.

Neste filme, acompanhamos a viagem da bailarina nova-iorquina Suzy Banyon até a Alemanha, para estudar dança numa renomada academia. No entanto, eventos muito estranho estão ocorrendo pelos corredores da academia e, assim que Suzy chega ali, já é saudada por um trágico assassinato que vitimou duas bailarinas.

Eu não consideraria "Suspiria" um dos filmes mais assustadores que já vi, longe disto inclusive. Há fortes cenas de horror, como o mencionado assassinato logo no começo, e há um clima constante de tensão, no entanto, o que distingue esta obra de Argento de vários outros do gênero é o cuidado absurdo aos detalhes, aos pontos de vistas, aos ângulos inusitados de câmera, à iluminação, à trilha sonora maestral, aos planos-sequências.
Tudo em "Suspiria" exala a centelha de um artista, que se revela em cada aspecto aparentemente insignificante.

A atuação é medíocre, porém compensada por toda a qualidade técnica da produção, comparável às de Kubrick ou de Roman Polanski.

"Suspiria" é um dos clássicos do cinema de horror, mas também é uma importante obra entre todos os gêneros.
Um pesadelo em forma de filme.

domingo, fevereiro 10, 2013

Mama (2013)


Eu me arriscaria a dizer que, em nossos tempos, um dos gêneros cinematográficos mais exigentes e difíceis de serem realizados com competência é o Terror.

Cada grande filme estabelece um padrão de qualidade difícil de ser superado e, ao observarmos em retrospecto, é complicado ser assustador depois de clássicos como "O Exorcista", "A Noite dos Mortos Vivos", "O Chamado", "A Profecia" ou "O Iluminado".

Vez ou outra, aparece alguma nova história que transcende esta tradição, mas, na maioria dos casos, vemos apenas o mesmo digerido, regurgitado e reembalado.

Em "Mama", temos uma premissa bastante interessante. Após um acidente, duas garotas são criadas num casebre no meio do mato por uma estranha entidade. Com o passar dos anos, elas mesmas acabam se tornando criaturas tão assustadoras quanto o monstro que cuidou delas, até que, enfim, o tio das meninas consegue encontrá-las, tentando reinseri-las na sociedade.
Só que o monstro, a mamãe do título, vem junto, para atormentar.

Faltou ousadia para este filme se tornar bom. Recheado com todos os clichês hollywoodianos e movido basicamente pelas mesmas técnicas de terror de sempre - a trilha sonora, os sustos, vultos e sombras -, "Mama" é decepcionante, pois não assusta, o que é o maior fracassso para um filme deste gênero, nem convence.

Uma execução pobre que comprometeu uma ideia bastante promissora.