quinta-feira, dezembro 23, 2004

Toda Nudez Será Castigada (1973)




"- Herculano, aqui quem fala é uma morta!"

Eis a primeira fala do filme dirigido por Arnaldo Jabor, inspirada na peça homônima de Nelson Rodrigues intitulada "Toda Nudez Será Castigada".

A trama é complexa e repleta de reviravoltas. Herculano é um viúvo que, para deixar a tristeza causado pelo falecimento da esposa, é estimulado por seu irmão a procurar uma prostituta chamada Geni. Puritano, Herculano, à princípio, rechaça a idéia, mas logo cai nos braços da meretriz.

Contudo, Herculano havia prometido a seu filho, Serginho, que jamais se deitaria com outra mulher. Ao descobrir que seu pai violara o juramento, Serginho se revolta e a família de Herculano se desestrutura.

As críticas de Nelson Rodrigues são explícitas: a família tradicional que esconde debaixo do tapete sua podridão, uma classe social decadente que vive da memória do passado, o puritanismo hipócrita, a dualidade entre santidade e pecado.

"Toda Nudez Será Castigada" é aquele tipo de filme que causa uma certa repulsa inicial, derivada, principalmente, pelas terríveis produções cinematográficas brasileiras das décadas de 70 e 80, mas logo esta produção mostra a que veio. Ao contrário do cinema da "Boca do Lixo" e da pornô-chanchada, o filme de Jabor, apesar de um áudio terrível e das imagens desgastadas, possui uma história riquíssima e bem construída, graças, em grande parte, ao excelente dramaturgo que foi Nelson Rodrigues.

É um filme que cativa por sua história, por sua psicologia e por algumas surpresas. Vale a pena conferir e redescobrir o bom cinema brasileiro de outrora.

quarta-feira, dezembro 01, 2004

Os Incríveis (2004)



"Os Incríveis" é o mais longo filme de animação já feito até os dias de hoje, mas ele é tão bem realizado e divertido que se deixa o cinema com a sensação de querer mais.
Certamente, a animação não foi concebida visando o público infantil, já que as temáticas abordadas dizem respeito, quase em sua totalidade, a aspectos e preocupações do universo adulto. É maravilhoso como a história de uma família de super-heróis se torna secundária à problemática de uma família urbana de classe média contemporânea.

O Sr. Incrível é um super-herói que viu seus dias de glória desaparecerem subitamente, quando a população começou a reagir negativamente contra os indivíduos dotados de super-poderes. O elogio à mediocridade o forçou a ter uma vida comum e tediosa, mesmo ele sabendo que possuía toda a potencialidade para ajudar as pessoas. Apesar da resistência da esposa, a Mulher-Elástica, o Sr. Incrível continou protegendo, na surdina, a humanidade, até que uma misteriosa proposta lhe dá a esperança de retornar à ativa e recuperar todo o status de super-herói.

Com cenas de empolgantes e vilões maquiavélicos, "Os Incríveis" lembra muito os filmes de ação americanos das décadas de 60 e 70, numa era acossada pela a iminência da uma guerra nuclear. No entanto, atualmente, já que o máximo de preocupação que temos é qual será o próximo país que os EUA bombardeará, o foco da trama se transfere dos perigos de um inimigo maluco para a periculosidade de uma mentalidade castradora e alienante. "Os Incríveis" critica a mentalidade do "nivelamento por baixo" tão comum em escolas e, de modo geral, na própria sociedade. O filme é a defesa do desenvolvimento das qualidades e dos potenciais específicos de cada indivíduo para que, deste modo, ele possa contribuir para o aperfeiçoamento de toda a estrutura social.

"Os Incríveis" é um filme inteligente e extraordinariamente bem produzido, inclusive com uma trilha sonora da melhor qualidade, ao espírito de James Bond. Merece ser incluído entre as melhores animações já feitas pelas produtoras norte-americanas e eu não me espantaria se ele fosse considerado como o melhor filme deste ano. É realmente incrível!

Novo conto publicado - Improvisação em Tom Maior

O conto Improvisação em Tom Maior já está publicado no blog

www.miriades.com.br

Entrem e confiram!

Abraços,

Henry Alfred.

Em Nome de Deus (2002)




É para o convento das Irmãs Madalenas que são enviadas as meninas consideradas promíscuas. Baseado numa rígida e autoritária disciplina, as reclusas são obrigadas a fazer trabalhos forçados, a aceitar punições corporais e humilhações. Neste ambiente, três moças irlandesas, Bridget, Bernadette e Patricia, buscam razões e forças para sobreviverem. Baseado em fatos reais, "Em Nome de Deus" é um retrato comovente de uma sociedade regida sob uma deturpada visão católica, na qual há uma condencendência para com os homens, por eles estarem sempre sujeitos às tentações, enquanto que impera a intolerância em relação ao comportamento feminino. Além de abordar outras questões ainda mais tabuísticas e complexas como a crueldade e o materialismo das madres, a violação dos votos de castidade dos padres, a indiferença das família e o tênue limiar entre formação humana e corrupção.
"Em Nome de Deus" é um belo filme erigido sobre uma terrível situação social, que vigorou até meados dos anos 90.
Uma história cativante ao mesmo tempo que repulsiva, digna do peculiar cinema irlandês.

terça-feira, novembro 23, 2004

Ju On: The Grudge (2003)

Estou virando fã dos filmes de terror japoneses. Por uma razão bem simples, eles são simplesmente apavorantes. Nenhum filme americano atinge tão visceralmente os medos mais íntimos do ser humano.

Não que "Ju On: The Grudge" seja um daqueles filmes violentos, muito pelo contrário, é pela sutileza e habilidade em criar situações tensas sem apelar para a violência gratuita é que o cinema japonês tem produzido filmes de terror que servem como referência mundial do gênero. Não é à toa que Hollywood volta, sempre que pode, os olhos para aquela ilha longínqua do Pacífico. Ringu foi o primeiro a ser incorporado no cinema americano com o título de "O Chamado", agora é a vez de "Dark Water" dirigido por Walter Salles e também "The Grudge" que deve estar para estrear nos EUA.

Ju On e The Grudge são sinônimos da palavra portuguesa "Rancor" e eis todo o vínculo deste filme. Segundo o enredo, pessoas que morrem de forma violenta e alimentando rancor não conseguem descansar. Além disto, qualquer um que entre no ambiente por elas habitado também é amaldiçoado com a morte. Tudo gira em torno de uma casa na qual habita uma velha e abandonada senhora. Narrado de maneira não-linear, com retrocessos súbitos ao passado e avanços para o futuro, "Ju On: The Grudge" é composto por uma série de capítulos, os quais apresentam a morte dos indivíduos que invadem o território daquela família que morreu violentamente na casa.

Além de uma fotografia excelente, a trilha sonora e os efeitos sonoros representam uns 80% de todo o clima de tensão no filme. Simplesmente apavorante e envolvente. Muitos elementos presentes em "Ringu" também são explorados neste filme dirigido por Takashi Shimizu, como vídeos insólitos, telefonemas misteriosos e personagens dotados de percepção extra-sensorial.

É um filme essencial para aqueles que gostam do gênero e lhes garanto que há várias cenas de arrepiar!

segunda-feira, novembro 22, 2004

Histórias Mínimas (2002)



O idoso Justo Benedictis foge da casa de seu filho quando lhe informam que seu cão, desaparecido há três anos, foi avistado numa cidade próxima. Maria Flores é sorteada num concurso e deve empreender uma viagem para receber o prêmio. Roberto é um vendedor itinerante ocupado em fazer uma surpresa de aniversário para o filho de uma cliente pela a qual ele está apaixonado.

Três histórias distintas com personagens singulares e humanos. Três destinos que se entrelaçam e se distanciam.

"Histórias Mínimas" é um filme do qual emana uma humilde sensibilidade. Pessoas comuns se encontram na solitária vastidão dos pampas da Patagônia. A opção do diretor Carlos Sorin em trabalhar, em sua maioria, com não-atores transmite uma autenticidade que apenas uma conversa de bar ou a alegria de uma roda de chimarrão pode possuir. Não há diálogos retóricos e teatrais, apenas a expressão mais genuína de indivíduos cujo o mundo se restringe às planícies incomensuráveis dos pampas.

Objetivos e conquistas simplórias num mundo capitalista, no entanto, essencialmente humanas. "Histórias Mínimas" possui o mérito de cativar por sua ingenuidade.

terça-feira, novembro 16, 2004

Minha Vida Sem Mim (2003)



Ann descobre que está com um câncer terminal.

Ao avaliar sua vida, ela passa em revista os sonhos que não cumpriu, os projetos que não teve, as privações que sofrera e o marido e filhas que terá de deixar.

Decidida a viver plenamente seus últimos meses de vida, Ann redige uma lista com metas a serem cumpridas, entres as quais deixar fitas cassetes gravadas para serem tocadas para suas filhas em seus aniversários até elas completarem 18 anos, fazer amor com outro homem e arranjar uma nova esposa para seu marido.

No entanto, apesar da morte iminente pairando, "Minha Vida Sem Mim" não é uma história melancólica nem saudosista. Ann não se arrepende de como ela encaminhou sua vida até aquele momento; ela reconhece sim que ela e seu esposo não foram bem-sucedidos, que a amargura de sua mãe é algo prejudicial, e que ela devia ter visitado seu pai na cadeia antes.

Assim como no poema de Álvaro de Campos, o mundo continuará sua marcha após a morte de Ann, nada muda, e as pessoas esquecerão dela até que, um dia, será como se ela jamais houvesse vivido.

(...)

Fazes falta? Ó sombra fútil chamada gente!

Ninguém faz falta: não fazes falta a ninguém...

Sem ti correrá tudo sem ti.

Talvez seja pior para outros existires que matares-te...

Talvez peses mais durando, que deixando de durar...

(...)

Fernando Pessoa, Poesia de Álvaro de Campos. Publicações Europa-América, p. 100.

domingo, novembro 14, 2004

Blog de Contos

Eu acabei de criar um blog com os meus meus contos. Quem quiser dar uma olhada é só clicar no link abaixo

  • www.miriades.blogspot.com
  • sexta-feira, novembro 12, 2004

    Geração Roubada (2002)



    Que filme espetacular!

    Ainda estou sem palavras para poder expressar todo o maravilhamento que este filme me causou.

    Em 1931, foi criada uma lei na Austrália para a integração dos aborígenes na sociedade branca. Graças a esta famigerada lei, famílias eram separadas e as crianças transportadas para campos de aprendizagem, onde elas eram "civilizadas" e condicionadas a aceitarem seu papel de criadas e subalternas dos brancos.

    "Geração Roubada" é a trajetória de três meninas, Molly, Grace e Daisy, que, após terem sido conduzidas a um destes acampamentos, fogem, ambicionando retornar para sua terra natal, distante quase três mil quilômetros de onde elas estavam.

    No entanto, esta empreitada não significa apenas um desejo de retorno ao lar, mas sim uma reafirmação de sua própria identidade, um atestado de que elas não precisavam adotar hábitos e cultura alheias porque elas já pertenciam a uma cultura. Somente uma motivação tão visceral e intrínseca justificaria aquela força de vontade que as fazia caminhar, fugir dos perseguidores e passar fome.

    Esta produção australiana é tão envolvente, que é impossível deixar de torcer para que as meninas consigam realizar seu intento.

    Baseado numa história real (o que torna o filme ainda mais supreendente), "Geração Roubada" é magnifíco; com a participação de Kenneth Branagh, que enriqueceu ainda mais a história, e uma excelente trilha sonora composta por Peter Gabriel.

    Não é um filme com muitas peripécias, mas é maravilhoso. Recomendo efusivamente e creio que quem assistir não se arrependerá.

    Simplesmente lindo e comovente.

    quarta-feira, novembro 10, 2004

    O Espanta Tubarões (2004)



    Este é a primeira grande animação afro-americana que assisti em minha vida, já que o protagonista possui todas as característica físicas e gestuais de um negro norte-americano.

    O peixinho Oscar (voz de Will Smith, mas que na versão dublada é a de Paulo Vilhena [!]) é um morador de um gueto dos corais, cuja maior ambição é se tornar rico, famoso e morar na cidade alta e iluminada.

    Por causa desta sua sede de sucesso, Oscar se endividou com seu patrão, o qual, por acaso, era um pau-mandado do um chefão da máfia (inspirada obviamente na máfia italiana), o aterrorizanote tubarão, Don Lino. Oscar e o filho afrescalhado de Don Lino, Lenny, unem-se então para mudar suas vidas. Num acidente, o irmão de Lenny morre após ser atingido por uma âncora e todos os peixes do coral passam a acreditar que Oscar é o responsável. Ele se torna um herói. Mas Don Lino inicia uma busca por vingança à procura do assassino de seu filho.

    Se este filme fosse uma produção convencional, com atores reais e não animados, certamente seria um fiasco. A história só é divertida por causa do simulacro da realidade que o mundo subaquático representa. Na verdade, a indústria de animação deixou de explorar a fábula com um sentido educativo, mas sim como uma representação "ipsis litteris" do mundo exterior. Em "O Espanta Tubarões" estão inseridos o mundo num bairro pobre, a ascensão social à qualquer preço, a mulher interesseira, o homossexualismo, a malandragem, o crime organizado. É difícil saber em até que ponto isto é instrutivo para as crianças que vão assistir a este filme, já que foi feita uma escolha consciente por abandonar o mundo lúdico, em detrimento do mundo como ele é.

    "O Espanta Tubarões" é o típico filme norte-americano no qual a hipocrisia é assumida como uma falha de caráter a ser redimida, e no qual todas as peripécias da história são a tentativa de manter a mentira inicialmente elaborada. Nada original, mas com belas imagens. Veio na onda de "Procurando Nemo", no entanto, não atinge a riqueza da história da Dysney.

    quarta-feira, novembro 03, 2004

    A Última Noite (2002)



    Edward Norton é Montgomery Brogan, um traficante de drogas condenado a sete anos de prisão, cuja vida acompanhamos em suas 24 últimas horas de liberdade. Neste período, ele tem de aproveitar o tempo para rever seu pai, amigos de infância, o seu antigo chefe da máfia russa e avaliar o tudo o que perdeu.
    O filme não tem o mesmo impacto do Spike Lee independente, mas nem por isto é desprezível. O diretor conseguiu unir sua extrema perspicácia e acidez a um orçamento que o permitiu produzir um filme com uma fotografia excelente, com um ótimo elenco e um bom roteiro.
    Duas digressões fazem do filme algo de memorável: a primeira, é quando Monty vai ao banheiro do bar de seu pai e encontra escrito no espelho um "Foda-se". Então, ele despeja o seu ódio sobre tudo e todos ao seu redor, quando, na verdade, tal revolta não passa de uma fuga para a própria cagada que ele fez. A segunda, é quando seu pai o instiga a fugir e criar uma nova vida. Estas duas cenas refletem, em grande parte, todo o clima da história, numa distinção completa entre o que se fala e o que se faz e como o que realmente conta, no fim, são os atos praticados.

    quinta-feira, outubro 28, 2004

    Exorcista: o Início. Crise em Hollywood? (2004)




    "Exorcista: o Início" pretender narrar as aventuras do padre Merrin (Stellan Skarsgard) na África, no ano de 1949, quando o exército inglês descobriu uma Igreja cristã datada do século V.
    No entanto, quando Merrin, mergulhado numa crise espiritual provocada pelas atrocidades nazistas na Europa, chega ao sítio arqueológico para investigar esta misteriosa construção, eventos malignos começam a ocorrer.
    Basicamente, o enredo deste malfadado filme.
    Do começo ao fim, a quarta parte do "Exorcista" não dá susto algum e nem se aproxima da histeria coletiva causada pelo primeiro, que estreou em 1973. De fato, a história nem medo provoca. Após uma hora assistindo, a sensação dominante é a de ter sido logrado, além de um ímpeto quase incontrolável de levantar-se e ir embora do cinema. Apenas a curiosidade mórbida faz com que o espectador permaneça assistindo a esta heresia (entendendo, heresia no sentido mais pejorativo possível). E, graças a esta curiosidade, arrependemo-nos por não ter ido embora antes.
    Este filme traz à luz um sério problema que tem rondado o cinema norte-americano: um esgotamento das temáticas e das técnicas narrativas. A total industrialização da produção cinematográfica, que certamente não data de hoje, criou uma escola que praticamente abole qualquer um que fuja às normas não explicitadas, mas dominantes das produtoras hollywoodianas. Uma destas fórmulas é a de tentar vender continuações de filmes outrora bem sucedidos. Contudo, tais continuações são, geralmente, fiascos que levam o público a até duvidar da qualidade do filme que as estimulou.
    "Exorcista: o Início" parece uma colagem feita à partir de outros filmes. Logo nas primeiras cenas, Merrin pode ser facilmente identificado com um Indiana Jones mórbido, numa exploração arqueológica qualquer, inclusive com as mesmas frases de efeito que insuflam no filme um ar cômico. Há a cena do chuveiro de "Psicose" e uma tempestade de areia aos moldes de "A Múmia", mas tudo deslocado e completamente sem nexo algum com a trama. Exorcismo mesmo somente na última meia hora e da maneira mais absurda possível. O texto é o mesmo do primeiro filme, porém, em compensação, a endemoninhada é um misto de Homem-aranha, Dragon Ball Z e de "13 fantasma". A cena final, mais parece uma cena de luta saída do fliperama do que um ritual religioso de expurgação espiritual.
    Não é possível entender para quem este filme se destina, ou que tipo de indivíduo sairá satisfeito, mas, sem sombra de dúvida, "Exorcista: o Início" está mais para um filme clichê de aventura do que para terror. E só ficarão satisfeiros aqueles que já estão completamente absorvidos pela indústria de cultura de massas, sem o senso crítico para perceber que o cinema norte-americano saiu dos trilhos e, aparentemente, não sabe para onde retornar.
    Enquanto que o cinema global tem buscado alternativas inteligentes e ousadas para produzir filmes interessantes e com qualidade, Hollywood tem investido cada vez mais num estilo medíocre e alienante que progressivamente o tem caracterizado.
    "Exorcita: o Início" é decepcionante. Só isto já bastaria para defini-lo.

    segunda-feira, outubro 11, 2004

    Monster - Desejo Assassino (2003)




    É simplesmente inacreditável o que conseguiram fazer com a linda Charlize Theron neste filme.

    Ela interpreta Aileen Wuornos, considerada a primeira assassina em série dos EUA.

    Aileen é uma prostituta completamente arrasada pelo o rumo que sua vida tomou. No entanto, após conhecer e se apaixonar por Selby (Cristina Ricci), ela decide tentar mudar de vida. Contudo, quando um cliente a estupra e está prestes à matá-la, Aileen reage e acaba assassinando-o.

    Uma sociedade sem compaixão é uma barreira para Aileen, quando, ao se recompor do crime que cometera, ela parte em busca de uma profissão menos degradante. Impelida pelas reclamações de Selby, Aileen retorna à vida de prostituição. Só que desta vez, Aileen descobre que assassinar seus clientes é mais lucrativo e "honroso" do que dormir com eles.

    Aileen possui uma mentalidade quase semelhante a de Raskolnikov, já que ela acredita que algumas pessoas transcendem o "Bem o o Mal". Portanto, para ela, os crimes cometidos não passavam de um mero artifício de sobrevivência.

    Uma interpretação extraordinária de Theron e, realmente, desta vez, o Oscar merece todos os créditos por tê-la premiado como a "Melhor Atriz". É assustador vê-la encarnando de maneira tão singular aquela assassina. Charlize Theron demonstrou a grandiosidade do seu talento neste papel.

    O Poderoso Chefão (1972)




    É quase com vergonha que eu confesso que jamais havia assistido a "O Poderoso Chefão" antes, um dos maiores filmes da história do cinema norte-americano.

    O filme narra a saga da família de mafiosos Corleone, encabeçada por Don Vito Corleone, a interpretação mais legendária de Marlon Brando. Num Estados Unidos ainda atordoado pelo o fim da Segunda Grande Guerra, os líderes do crime organizado de Nova Iorque estão expandindo suas áreas de influência. Uma guerra entre as maiores famílias de mafiosos é declarada, quando Don Corleone se recusa a ingressar nos negócios vinculados ao narcotráfico. Tentam assassiná-lo, o que motiva Michael (Al Pacino), o filho caçula de Vito e resistente às maneiras como seu pai acumulou a fortuna da família, a assumir o controle das operações e vingar o atentado contra Vito.

    Uma narrativa repleta de reviravoltas e extremamente complexa em suas ramificações, bem aos moldes do romance de Mario Puzzo.

    Sem sombra de dúvidas, um dos melhores filmes já realizado em solo americano e digno da fama que conquistou.

    Tommy (1975)




    "Tommy" é um musical escrito pelo agressivo guitarrista do "The Who", Pete Townshend.

    Tommy (Roger Daltrey) é um garoto que fica cego, surdo e mudo após ver seu pai ser assassinado pelo o amante de sua mãe e passa a vida imerso num mundo imaginário. Ao se tornar adulto, ele se torna um prodígio do Fliperama, alcançado fama mundial. Apesar dos esforços incomensuráveis de sua mãe para tentar curá-lo, o bloqueio sensorial de Tommy é algo criado por ele mesmo para se proteger e, por isto, a superação deve vir do seu interior e não de fora.

    Repleto de referências místicas, principalmente ao Novo Testamento, "Tommy" é uma metáfora moderna de um novo Messias. Além disto, é um ataque severo à maneira de como as crianças eram educadas numa sociedade pós-Guerras e aos rituais absurdos e às proibições austeras das igrejas cristãs.

    Uma trilha sonora magnífica com várias canções antológicas da banda "The Who". Conta também com a participação de várias celebridades musicais como: Eric Clapton, Elton John, Tina Turner, o próprio vocalista do "The Who", Roger Daltrey, como Tommy, e a inusitada participação do ator Jack Nicholson como um psiquiatra que tenta curar o jovem.

    Não é um filme imprescindível, mas é bastante divertido. Um tanto psicodélico e muito bem humorado.

    Encontro e Desencontros (2003)




    Eu realmente me esforcei para compreender o furor que "Encontros e Desencontros" causou na crítica norte-americana, mas não fui capaz de determinar a razão que fez um filme tão fraco e inexpressivo angariar o Oscar de Melhor Roteiro Original.

    Bob Harris (Bill Murray) é um famoso ator americano que viaja ao Japão para gravar uma série de comerciais. Lá, ele encontra Charlotte (Scarlett Johansson), também americana e oprimida pela solidão de estar num país estrangeiro e pela constante ausência de seu marido fotógrafo.

    Uma estranha amizade se forma entre Bob e Charlotte, o que permite que eles interajam com aquele mundo, sem, no entanto, se integrarem.

    É a típica história xenofóbica americana, na mesma linha de "A Praia", "Busca Frenética", "Expresso da Meia-Noite", entre tantos outros. Contudo, o enredo é conduzido de maneira mais amena e o medo terrível que os americanos têm de deixar sua amada e bela Terra da Liberdade se reduz a um mero incômodo existencial.

    De fato, há uma certa complacência da crítica com Sophia Coppolla pelo simples fato de ela portar aquele notório sobrenome. Nem "Virgens Suicidas" tampouco "Encontros e Desencontros" possuem a qualidade e o impacto para destacá-la ao nível de grandes diretores e roteiristas. Com certeza, boa parte da influência que ela exerce deriva do berço no qual ela nasceu. Se ela fosse brasileira e da família Silva, jamais teria dirigido sequer um curta-metragem.

    Mas há quem goste e elogie. Entretanto, geralmente estas pessoas utilizam as indicações e premiações do Oscar como critério de qualidade. Um critério bastante duvidoso...

    quinta-feira, outubro 07, 2004

    Desmundo (2003)


    Baseado no romance homônimo de Ana Miranda, "Desmundo" é, na minha opinião, um dos melhores filmes já feitos no Brasil e, certamente, uma das melhores resconstruções históricas do cinema.
    Simone Spolladore é Oribela, uma orfã portuguesa enviada ao Brasil para desposar algum dos colonizadores que aqui já estão. No entanto, a rebeldia desta jovem faz com que ela seja aceita apenas pelo mais rude dos pretendentes, Francisco de Albuquerque, magistralmente interpretado por Osmar Prado.
    Desprovido de qualquer sentimentalismo, "Desmundo" é o reflexo cru dos primórdios da nação brasileira, povoada de nativos, de grotescos civilizadores e de párias que buscam refúgio numa terra de ninguém.
    A opção de reproduzir a pronúncia e o léxico do português arcaico somente contribui para aumentar a impressão de autenticidade do filme e o estranhamento de Oribela ao aportar nesta terra inóspita é desolador.
    A trilha sonora composta por John Neschling é condizente com o clima da terra recém-conquistada, onde a cultura primitiva autóctone começa a se confundir e se mesclar com a estrangeira européia.
    Uma obra-prima realista e agreste.

    Tiros em Columbine (2002)




    O primeiro filme de Michael Moore, "Tiros em Columbine", diz mais respeito a um público norte-americano, do que em nível global.

    O documentarista tenta compreender quais sãos as razões possíveis que justifiquem o crime hediondo de dois adolescentes na escola secundarista de Columbine. Sua investigação o conduz a uma cultura armamentista fundada na própria Constituição norte-americana, na qual todo americano tem o direito de portar uma arma.

    Além de enfatizar este fascínio bélico, Moore também avalia as semelhanças e as diferenças entre os EUA e os seus vizinhos do norte, o Canadá, e a constatação de que, mesmo apesar de um grande número de canadenses portadores de armas de fogo (proporcionalmente equivalente à americana), os índices de criminalidade neste país são bastantes inferiores aos dos Estados Unidos.

    Moore atribui parte da culpa à imprensa, que explora a criminalidade como entretenimento, e o preconceito racial por esta mentalidade americana.

    Não tem a agilidade tampouco o impacto de "Farenheit, 11 de setembro", mas atinge o ponto nevrálgico daquela potência mundial - uma sociedade branca, suburbana, racista, sexista, preconceituosa, beligerante, segregacionista e resistente quanto a reavaliar suas próprias convicções.

    O Terminal (2004)




    A dupla Tom Hanks e Steven Spielberg pelo jeito deu certo. Após trabalharem juntos em "O Resgate do Soldado Ryan" e "Prenda-me se for Capaz", eles retornam em "O Terminal".

    Viktor Navorski (Tom Hanks) é um cidadão de um país imaginário do leste europeu, Karkhozia, o qual, ao desembarcar no aeroporto JFK, em Nova Iorque, é impedido de pisar em solo americano por causa de um problema diplomático - uma guerra civil em Karkhozia tornou inválido os passaportes de seus cidadão, portanto, Viktor não possui mais uma nação. Ele não pode retornar ao seu país em guerra, tampouco pode ingressar nos Estados Unidos. Até que o problema seja solucionado, o supervisor do aeroporto permite que Viktor aguarde na área de trânsito dos passageiros.

    Nos primeiros instantes, a impressão que se tem é de que se está assistindo a "O Náufrago", só que, ao invés de uma ilha, Tom Hanks tem de sobreviver agora no aeroporto. Só que esta impressão inicial logo se desvanece quando o enfoque passa a ser os relacionamentos humanos.

    É interessante a abordagem da relação entre o poder institucionalizado, representado pela administração do JFK, e as afinidades pessoais. É uma inversão da visão de que todo americano é xenófobo e de que todo viajante aos EUA é um imigrante.

    Catherine Zeta-Jones, no papel de uma comissária de bordo, está péssima. Ela não possui a naturalidade de Tom Hanks e quase todas as cenas na qual ela aparece poderiam ser descartadas. A interpretação de Zeta-Jones não favorece a tentativa de humanização de uma comissária.

    É um filme para dar algumas (tímidas) risadas e para torcer pelo destino de Viktor.

    Baseado na história real de um iraniano que ficou detido no aeroporto Charles De Gaulle, "O Terminal" é inteligente e muito bem desenvolvido.

    Irreversível (2002)




    "Irreversível" é narrado retrogressivamente, assim como o filme "Amnésia". O foco da história é o estupro de Alex (Monica Belucci) e as conseqüências dos atos de Marcus (Vicent Cassel), seu namorado, e de Pierre ((Albert Dupontel), quando eles decidem se vingar do estuprador.

    É bastante interessante a maneira como as tomadas de câmera foram filmadas numa tentativa de representar a confusão das personagens, tanto que, no início, as cenas chegam a ser nauseantes. À medida que o enredo retrocede, os humores se acalmam e o clima de tensão se ameniza. No entanto, a vingança de Marcus e de Pierre somente demonstra quanto uma situação dramática não pode ser revertida e que a inocência anterior não pode ser recuperada.
    Este filme tem algumas das cenas mais fortes que já vi no cinema e, supreendentemente, diferente dos demais espectadores, a sequência que mais me chocou foi o descontrole de Pierre ao esmagar a cabeça do Tênia, o estuprador, logo nos primeiros minutos, ao invés da cena de estupro propriamente dita.

    "Irreversível" é forte, agressivo e, certamente, não é para todo tipo de público, mas é muito bem composto e profundo.

    domingo, outubro 03, 2004

    21 Gramas (2003)




    Alguns estudos - um tanto duvidosos - afirmam que, na hora da morte, um ser humano perde 21 gramas de seu peso.

    É justamente estes 21 gramas que unem o destino de três pessoas, Paul (Sean Penn), Jack (Benicio Del Toro) e Cristina (Naomi Watts).

    A não-linearidade da narrativa compremete, ao menos inicialmente, a compreensão do que está ocorrendo. O espectador é lançado numa trama complexa e turbulenta. Aos poucos, porém, as peças vão se encaixando.

    Cristina, após perder seu marido e suas duas filhas numa atropelamento, é devastada pela solidão e pela depressão. Paul, um doente terminal, recebe o coração do falecido marido de Cristina e, assim, tem sua vida salva. Jack, um ex-presidiário, vê sua vida desabar quando, por distração e excesso de velocidade, atropela três pessoas e foge do local do acidente.

    Motivada por uma ânsia de vingança, Cristina se alia a Paul com a intenção de procurar e assassinar Jack.

    Desespero, perdão, amor, vida e morte se misturam num reflexo de como a existência é este turbilhão de experiência, vitórias e derrotas.

    terça-feira, setembro 21, 2004

    11 de setembro (2002)



    Hoje, assisti pela segunda vez a seleção de curtas que compõe o filme "11 de setembro".

    A proposta é bastante curiosa: são 11 curtas-metragem, cada um com 11 minutos, 9 segundos e 1 frame de duração, dirigidas por diretores de vários países diferentes.

    Uma produção tão abrangante como esta, que une sob o mesmo título curtas do Estados Unidos e do Burkina-Faso por exemplo, é de se esperar uma disparidade de qualidade. De fato, há curtas excepcionais, como o dirigido por Sean Penn, ou por Ken Loach do Reino Unido, enquanto que há outros bastante amadorístico como o curta egípcio, dirigido por Youssef Chahine, e o israelense, de Amos Gitai.

    Esta seleção impressiona, no entanto, pelo tom geral anti-americano. É surpreendente como em apenas um ano (o filme foi lançado em 2002), a visão sobre o atentado passou de solidariedade à aceitação de que, no fundo, os Estados Unidos tem incitado o resto do mundo a odiá-los.

    Destaques:

    - o forte curta iraniano (dirigido por Samira Makhmalbaf), no qual eles exploram a inocência das crianças diante de um evento incompreensível no mundo no qual elas vivem;

    - o curta dirigido por Ken Loach, do Reino Unido, que por si só já salvaria o filme, que compara o atentado ao World Trade Center e o golpe de Estado contra o governo de Salvador Allende, no Chile, ambos acontecidos do dia 11 de setembro. Simplesmente maravilhoso e, como já foi dito, ao explicitar a participação dos EUA no golpe, o roteiro "justifica", de certo modo, o ataque terrorista.

    - e, finalmente, o curta dirigido por Sean Penn, que aborda a alienação do povo americano diante do falido "american way of life".

    Para todos nós, que vimos pela TV este incidente, ter a oportunidade de vislumbrar o atentado com a perspectiva de outras culturas é esclarecedor. É a constatação pura de que a verdade não pertence a nenhum dos lados; temos somente interpretações.

    quinta-feira, setembro 16, 2004

    Charlie Kaufman - Um roteirista nadando contra a maré

    De vez em quando, em Hollywood, surge um gênio. E, por algumas décadas, somos agraciados com boas histórias, com bons diretores e, muito raramente, com bons atores.

    Nesta última semana, eu finalmente cumpri um desejo que há muito tempo eu alimentava: assistir a tríade de filmes escritos por Charlie Kaufman.

    Talvez seja um pouco de exagero chamá-lo de gênio; talvez ainda seja cedo demais. No entanto, o roteiro de Kaufman é tão cheio de sutilezas e de armadilhas conceituais que é bem possível sair da sala de projeção com a impressão de que se assistiu a apenas uma história boba ou um tanto surreal.

    Tudo começa com "Quero Ser John Malkovich", que é o primeiro escrito por Kaufman, mas o último que tive oportunidade de assistir. Neste filme já reside o germe do que viria a ser "Adaptação" e "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças".

    Craig Schwartz (John Cusack) é um manipulador de marionetes que, por necessidades financeiras, é obrigado a procurar emprego como arquivista no sétimo andar e meio de um edifício comercial. No seu local de trabalho, atrás de um dos pesados arquivos, Craig encontra uma portinhola que conduz à mente de John Malkovich. Com um humor bizarro e baseado num realismo fantástico, "Quero Ser John Malkovich" bem que poderia ser um dos contos de Jorge Luis Borges.

    Ao brincar com a fantasia de quase todo ser humano de poder ser, ao menos por alguns instantes, outra pessoa, Kaufman nos introduz no mundo de Malkovich (que apesar de interpretar ele mesmo, ainda assim é uma personagem ficcional), das suas experiências e da possibilidade de ser famoso e (relativamente) bem-sucedido.

    Destaque para a interpretação de Cameron Diaz, irreconhecível de tão feia que a deixaram, e do próprio John Malkovich. No próprio filme, o ator é tratado num tom de deboche, pois ele é reconhecido nas ruas, mas ninguém se lembra de filme algum no qual ele atuou. Ao menos deste, haverão de se recordar.

    O segundo filme escrito por Kaufman é "Adaptação", estrelado por Nicholas Cage e Meryl Streep.

    Assim como explorou a imagem de um ator, agora Kaufman desmistifica o papel de roteirista, que no fundo é ele mesmo, inclusive com o mesmo nome. Charlie Kaufman (Nicholas Cage) é um roteirista de cinema embaraçado com a adaptação de um romance sobre orquídeas para o cinema. A incapacidade de realizar este projeto vai aniquilando com a personalidade de Kaufman que se sente incapaz de penetrar na experiência da autora, a jornalista Susan Orleans (Meryl Streep). O desespero é tão grande que Charlie sente-se obrigado a pedir ajuda a seu irmão gêmeo, Donald Kaufman (irmão de Charlie Kaufman na vida real), um roteirista de thrillers hollywoodianos da pior categoria.

    Intercalando as cenas entre o tempo presente de Charlie e o tempo passado de Susan, o(s) roterista(s) cria(m) uma trama maravilhosa sobre o desafio, não somente de se adaptar uma obra literária a outro gênero, como da própria adaptação que o gênero humano deve se sujeitar para lidar com as adversidades.

    Por fim, o mais recente filme de Kaufman, cujo título é necessário ser memorizado de tão extenso, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças".

    Kaufman explora novamente o universo psicológico inaugurado em "Quero Ser John Malkovich". Agora é a vez de Joel Carrey (Jim Carrey) mergulhar numa profunda depressão por causa do rompimento abrupto de um namoro com Clementine (Kate Winslet).

    Para se livrar de qualquer vestígio da passagem de Clementine por sua vida, Joel recorre a um tratamento psicológico que apaga todas as memórias relacionadas ao aspecto selecionado pelo paciente. Contudo, quando a lavagem cerebral começa, à medida que vai revivendo aquelas experiências passadas, principalmente as agradáveis, Joel se arrepende e tenta resguardar ao menos um resquício daquele amor, que havia começado bem, mas que se deteriorara.

    Não é um daqueles filmes que você sai satisfeito. Não porque a história não seja agradável, mas porque fala profundamente ao sentimento mais íntimo que temos de procurar alguém ideal para nós e de como esta tentativa pode conduzir ao erro e à dor. Mais do que isso, porém, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças" reforça a idéia de que certas experiências são necessárias para nossa existência e de que, sem elas, não seríamos quem somos hoje.

    Charlie Kaufman pode não ser um gênio do cinema, mas, até agora, possui uma regularidade no que faz. Além disto, ele possui o dom fabuloso de nos fazer pensar: O que ele está querendo realmente dizer?

    domingo, agosto 29, 2004

    Beleza Americana (1999)



    Não deve ser triste quando você pára para refletir sobre sua vida e descobre que algo se perdeu?

    Conheçam, então, Lester Burnham, um pai de família com crise dos quarenta anos. Ao ser apresentado a uma amiga de sua filha, todo o vazio que a vida de Lester representa vem à tona e ele decide que algo precisa mudar. Uma crítica sagaz à família e ao modo de vida americano, "Beleza Americana" é um filme sensacional. E é um ataque para todos os lados, desde o casamento de aparências no qual nenhuma das partes está satisfeita, à filha adolescente problemática, ao vizinho voyer, ao homossexual enrustido, enfim, todos aqueles aspectos mórbidos que constituem a intimidade dos relacionamentos.

    O que supreende, além da excelente história, é a interpretação de Kevin Spacey, que dá um show de versatilidade no papel de Lester, quase um Homer Simpson da vida real.

    "Beleza Americana" é uma parábola sobre como pequenas coisas podem causar grandes transformações e de como devemos estar atentos aos sutis milagres cotidianos que nos cercam. Como diria Oscar Wilde: "Todos nós estamos na lama, mas alguns sabem ver as estrelas."

    A Arte de Vencer

    As Olimpíadas foram concebidas como uma celebração em honra aos deuses olímpicos. Nestas circunstâncias, todos os melhores homens da Grécia se reuniam e competiam em jogos gímnicos, cujos únicos prêmios eram uma coroa de louros e o reconhecimento público. Numa sociedade onde a excelência individual era valorizada, ser um dos vencedores era mais alta honra concedida a alguém por aquele povo.

    Fundamentado nesta mentalidade, os jogos olímpicos foram revividos no século XX, laureando os que provavam ser os melhores em suas modalidades. Fato que, neste último dia de competições, em Atenas, foi violado. É claro que um senso pátrio, por mais tênue que seja, grita diante da medalha de bronze de Vanderlei Cordeiro de Lima. Não que ele não a mereça, mas sim porque jamais saberemos se ele não poderia ter alcançado mais.

    A tristeza de ver um atleta olímpico do Brasil perder por haver encontrado um adversário superior ou por ter fraquejado no momento decisivo não se compara à cena de um maluco invadindo a pista de corrida e arremessando o líder da prova contra a multidão. Vanderlei não deixou de subir ao lugar mais alto do pódio por insuficiência sua; impediram-lhe isto. Pior ainda, impediram que a justiça fosse feita.

    Em qual país Vanderlei deveria ter nascido para que medidas justas fossem tomadas? De qual cor deveria ser sua pele?

    Vanderlei não recebeu uma medalha de ouro, mas a humildade com a qual ele aceitou o terceiro lugar o colocou ao lado dos grandes atletas olímpicos de antigamente, que se contentavam somente com aquela frágil coroa de louros. Eis a maior lição sobre a arte de vencer.

    quarta-feira, agosto 25, 2004

    Adeus, Lênin! (2003)



    Uma comédia muito inteligente e bem concebida.

    Poucos dias antes da queda do muro de Berlim, Christine Keller, uma comunista e nacionalista fanática de Berlim Oriental, entra em coma. Durante quase dez meses ela permanece desacordada e, quando retorna à consciência, o mundo ao qual ela estava habituada havia mudado completamente. Aconselhado por um médico a não perturbar sua mãe com situações e notícias desagradáveis, Alexander Keller faz de tudo para que sua mãe não descubra que a sua querida República Democrática Alemã não existe mais. A maneira como ele se desdobra para forjar a realidade de outrora é hilariante.

    O diretor Wolfgang Becker brinca com a tênue linha que separa a verdade e a mentira e como, em alguns casos, nós preferimos acreditar na mentira por ela nos ser mais agradável. Por outro lado, o filme reflete também a resistência de toda uma geração ao fim de um sonho de igualdade e de valorização dos atributos individuais imanentes ao ideal maxista-leninista, inexistentes, porém, na prática.

    Uma excelente trilha sonora de Yann Tiersen, inclusive com motivos do filme "O Fabuloso Destino de Amelie Poulain".

    terça-feira, agosto 24, 2004

    Cinema Paradiso (1988)



    Um declaração de amor ao cinema.

    O curioso é que, em toda minha vida, eu jamais ganhei coisa alguma em concursos, nem em rifas de escola. Por isso, foi com hesitação que me inscrevi num concurso da Eurochannel intitulado "O Olhar da Inocência", cuja premiação eram 30 DVDs do filme "Cinema Paradiso" para as melhores narrativas de toda a América Latina sobre algo curioso ocorrido durante uma sessão de cinema.

    A história do filme se passa num pequeno vilarejo da Sicília, onde a única diversão de Salvatore Vita, ou melhor, Toto, e dos seus demais habitantes é ir ao cinema. Apesar da relutância inicial de Alfredo, o projetista, Toto penetra nos mistérios e segredos por detrás do que se vê na tela do cinema. Com lirismo e humor extraordinários, Giuseppe Tornatore faz com que nos apaixonemos por aquela comunidade tão humana e viva, unida pela magia do cinema.

    Além de uma cativante trilha sonora de Morricone, "Cinema Paradiso" é um exemplo de como não podemos fugir ao nosso destino, talvez até mais do que isso, de como vale a pena viver o que sonhamos.

    Mas retornando à história do concurso... Após enviar a minha resposta, sobre um incidente ocorrido aqui mesmo em Curitiba, quando da exibição de "Dança com Lobos". Como o filme era longa-metragem, a distribuidora decidiu dividir o rolo em duas partes e exibí-las em dois cinemas diferentes, ou seja, assistia-se a primeira parte num cinema e um rapaz levava o rolo para outro cinema, enquanto que traziam o rolo da segunda para a projeção. Um dia, no entanto, eles exibiram a segunda parte primeiro e foi aquela confusão. Com esta historieta, eu fui um dos contemplados com o DVD quebrando um tabu de anos! O que mais me surpreendeu, no entanto, foi que, numa das cenas do filme, há uma situação semelhante. Antes mesmo de saber, eu já estava no clima da história.

    Suponho que boa parte do que está contido em "Cinema Paradiso" diz respeito à própria vida de Tornatore e pode ser isto que lhe dê tamanha autenticidade. Um filme para ser assistido e para encantar muitas vezes.

    Taxi Driver (1976)



    Um clássico do cinema, dirigido por Martin Scorsese e ganhador da "Palma de Ouro" em Cannes em 1976.

    Robert de Niro interpreta Travis, um homem de 26 anos completamente deslocado. Na verdade, Travis é quase um retrato do cidadão urbano, com relacionamentos superficiais, solitário e esmagado pela violência e pela podridão das ruas. Por causa de uma insônia crônica, Travis se inscreve numa companhia de taxis para ser motorista e ocupar o seu horário noturno. Durante suas corridas, Travis vai ao encontro da miséria da cidade - os assassinatos, as drogas, a prostituição. Indignado com esta situação, ele decide que alguém deve limpar as ruas.

    A adolescente prostituta Iris (Jodie Foster) ressalta este desejo justiceiro de Travis, que se arma e se rebela contra esta imundície.

    Com características marcantes de Scorsese, "Taxi Driver" é uma crítica contra esta sociedade alienante, violenta e ideologicamente controlada.

    segunda-feira, agosto 23, 2004

    O Chamado (Ringu) (1998)

    Fazia tempo que eu não assistia um filme que me desse medo.
    Mas hoje tive a oportunidade de assistir "O Chamado". Não a releitura americana, mas o original japonês (Ringu).
    O filme é sobre uma jornalista, Reiko Asakawa, que após a morte de uma parente, decide investigar os boatos sobre a causa de sua morte - um vídeo que mata o espectador após uma semana. Uma desesperada tentativa de esclarecer este mistério se inicia quando a própria Asakawa, seu ex-marido, Ryuiji, e seu filho, Yoichi, também assistem à esta fita de vídeo. Eles são conduzidos a uma extraordinária e terrível personagem, Sadako, uma paranormal com poderes mortais.
    Como não assisti a versão americana, não posso afirmar quais são as virtudes e os defeitos deste em comparação ao original japonês. Entretanto, por o "Ringu" ser baseado no romance japonês de Kôji Suzuki, creio que deva se assemelhar mais ao espírito e à intenção do livro.
    Um filme de terror que honra o gênero, sem as apelações e exageros que constam na maioria dos filmes americanos da mesma categoria.

    Dogville (2003)




    Simplesmente sensacional!

    É difícil agüentar os primeiros minutos, por causa do estranhamento que o cenário (ou a falta dele) causa. Assim como quando diante de grandes verdade, nós precisamos nos adaptar diante da transparência de "Dogville".

    Nicole Kidman é Grace, uma jovem que, após fugir de uns gangsters, se refugia nesta pequena e remota vila. No início, a população a recebe com desconfiança, mas após a proposta de Tom Edison, um dos moradores, Grace é aceita no convívio do vilarejo, desde que ela prove suas boas intenções ajudando seus habitantes. No entanto, o cerco se fecha e a polícia passa a vasculhar as cidades vizinhas à procura da fugitiva. Amedrontados, os moradores começam a exigir mais favores da pobre Grace, reduzindo-a quase a um estágio de escravidão.

    Mais uma vez, a faceta de sofredora de Nicole é explorada, pois Grace se assemelha muito a personagens melancólicas por ela interpretadas anteriomente, como a Virginia Wolff de "As Horas", como em "De Olhos Bem Fechados", "Moulin Rouge" e, em certo grau, em "Os Outros". É incrível como o sofrimento de Grace nos faz odiar os moradores desta maltida vila!

    "Dogville" revela tudo que há de mau e de corrupto em nós e a constatação de que também agiríamos, se estivéssemos na situação dos habitantes de Dogville, como eles é perturbadora.

    Um grande e catártico filme.

    Olga (2004)



    "Olga" possui belíssimas cenas, mas o filme, como um todo, soa artificial. A interpretação de Camila Morgado é carregada de uma dramaticidade teatral, a trilha sonora não se encaixa direito e há uma série de erros de continuidade detectável mesmo para o espectador mais desatento. Para uma produção da Globo Filmes, poderia se esperar mais do resultado final.

    O filme se inspirou na vida de Olga Benario, uma judia alemã que é designada, pelo governo soviético, para proteger o retorno de Carlos Prestes ao Brasil. Nesta viagem de volta, eles se envolvem amorosamente e deste relacionamento resulta uma criança. Quando a tentativa de revolução, encabeçada por Prestes, é rechaçada, Carlos e Olga são aprisionados. Prestes permanece no Brasil, enquanto que Olga é deportada para a Alemanha governada por Hitler e, por fim, enviada a um campo de concentração, onde morre.

    Na minha opinião, o que realmente salva o filme é a interpretação genial de Osmar Prado como Getúlio Vargas.

    Antes do lançamento do filme, ouvi muitas pessoas reclamando de ser o filme em português e não nas línguas originais. Entretanto, este é o menor dos detalhes, já que estamos acostumados, em filmes americanos, a ver Napoleão Bonaparte falando inglês; ou alemães, russos, árabes e qualquer outra nacionalidade falando inglês. O purismo de filmes como "Desmundo", falado em português arcaico, ou como "Hans Stadten", falado em alemão, tupi-guarani, espanhol, etc., é bastante interessante, porém, impede que tais filmes sejam sucessos de público.

    Creio que "Olga" merece ser assistido, pois retrata um importante período da história brasileira e, acima de tudo, ainda carecemos de imagens heróicas como Prestes e Olga.

    segunda-feira, agosto 16, 2004

    "O Senhor das Moscas" de William Golding


    Um livro assustador.
    Escrito durante os primórdios da Guerra Fria e publicado em 1952, "O Senhor das Moscas" traz muito daquele desamparo do pós-guerra, pois a história começa com a queda de um avião que havia deixado a Inglaterra após um bombardeio nuclear. Deste acidente, apenas um grupo de crianças sobrevive e, para serem resgatadas, elas estabelecem uma frágil sociedade "democrática". Entretanto, a luta pela liderança divide esta comunidade e instaura um violento conflito entre as crianças.
    Esta obra de Golding pode ser interpretada sob várias perspectivas. Como uma analogia da luta entre a democracia, na qual todos podem ter voz, mas que, por outro lado, as decisões são arrastadas e controversas, e a ditadura, na qual um tirano estabelece um sistema hierárquico baseado na punição e no medo.
    Entretanto, há uma mensagem mais profunda em "O Senhor das Moscas", já que ela pode representar os conflitos dentro da própria "psiqué" humana. Ralph é a consciência, porque todos seus esforços são o de manter clareza em sua fala e ações e de agir da maneira mais correta para serem resgatados; Porquinho é a racionalidade; Jack, os instintos animalescos e primitivos; Simon, a contemplação e intuição. No fundo, Golding afirma que estas contradições não existem somente no interior de uma sociedade, cujo resultado extremo é a guerra, mas também no interior de um próprio indivíduo.

    Vale a pena conferir, também, a versão cinematográfica de "O Senhor das Moscas", já que esta adaptação não fca devendo nem um pouco à obra original. É claro que devemos resguardar as devidas proporções, pois o livro favorece uma exploração da atividade mental das personagens, enquanto que o cinema procura meios alternativos para expressar isto.
    Uma obra formalmente simples, mas conceitualmente avassaladora. E terrivelmente atual.

    sábado, agosto 14, 2004

    Como matar o cachorro do vizinho?? (2000)

    Kenneth Branagh interpreta um dramaturgo neurastênico e anti-social que se vê oprimido pelo desejo de sua esposa em ter um filho. Com um humor inteligente e ácido, acompanhamos as sutis mudanças de conceitos e de atitudes de Peter, a personagem de Branagh, tanto em relação à paternidade quanto a sua maneira de escrever.

    "How to Kill Your Neighbor's Dog" aborda certas questões nevrálgicas: como a mãe castradora que impede a filha, com paralisia infantil, de se integrar com outras crianças; o perigo da mitificação de um ídolo; o mergulho e avaliação dos nossos pré-conceitos e como podemos nos equivocar em nossos julgamentos. É claro que a interpretação magistral de Branagh colore esta comédia.

    Bons momentos de riso.

    sexta-feira, agosto 13, 2004

    O exorcismo de Drummond - uma crítica da crítica

    EXORCISMO



    Das relações entre topos e macrotopos
    Do elemento suprassegmental
    /Libera nos, Domine/

    Da semia
    Do sema, do semema, do semantema
    Do lexema
    Do classema, do mesma, do sentema
    /Libera nos, Domine/

    Da estruturacao semêmica
    Do idioleto e da pancronia científica
    Da reliabilidade dos testes psicolingüísticos
    Da análise computacional da estruturação silábica dos falares regionais
    /Libera nos, Domine/


    Do vocóide
    Do vocóide nasal puro ou sem fechamento consonantal
    Do vocóide baixo e do semivocóide homorgâmico
    /Libera nos, Domine/

    Da leitura sintagmática
    Da leitura paradigmática do enunciado
    Da linguagem fática
    Da fatividade e da não-fatavidade na oração principal
    /Libera nos, Domine/

    Da organização categorial da língua
    Da principalidade da língua no conjunto dos sistemas semiológicos
    Da concretez das unidades no estatuto que dialetaliza a língua
    Da ortolinguagem

    /Libera nos, Domine/

    Do programa epistemológico da obra
    Do corte epistemológico e do corte dialógico
    Do substrato acústico do culminador
    Dos sistemas genitivamente afins
    /Libera nos, Domine/

    Da camada imagética
    Do estado heterotópico
    Do glide vocálico
    /Libera nos, Domine/

    Da lingüística frástica e transfrástica
    Do signo cinésico, do signo icônico e do signo gestual
    Da clitização pronomial obrigatória
    Da glossemática
    /Libera nos, Domine/

    Da estrutura exossemântica da linguagem musical
    Da totalidade sincrética do emissor
    Da lingüística gerativo-transformacional
    Do movimento transformacionalista
    /Libera nos, Domine/

    Das aparições de Chomsky, de Mehler, de Perchonock
    De Saussure, Cassirer, Troubetzkoy, Althusser
    De Zolkiewsky, Jacobson, Barthes, Derrida, Todorov
    De Greimas, Fodor, Chao, Lacan /et caterva/
    /Libera nos, Domine/

    1975, Jornal do Brasil, Carlos Drummond de Andrade

    quinta-feira, agosto 12, 2004

    Ulysses de James Joyce


    Ulysses é um épico do século XX.

    Um dia na vida de Leopold Bloom, exteriormente, um homem comum, um bom pai de família, um marido dedicado; interiormente, um turbilhão de pensamentos e sentimentos. Joyce recria a saga do legendário herói grego Odisseu (Ulisses no seu correspondente latino) na sua tentativa de voltar para casa. Bloom é Ulisses; sua casa, Ítaca; sua esposa, Penélope.
    No entanto, os valores são invertidos. Leopold não é nenhum herói do sentido exato da palavra; ele vaga pelas ruas de sua cidade como faz todos os dias. Em dezoito capítulos, ele revive, do seu modo, as peripécias da "Odisséia". Ele enfrenta os Cíclopes da ignorância, a tentação da calcinha da adolescente Nausícaa e a magia e sedução de Circe, representada por um animado prostíbulo.
    Repleto de elementos autobiográficos, o próprio Leopold pode ser identificado com o Joyce maduro, enquanto que Stephen Dedalus (a mesma personagem de "O Retrato do Artista Quando Jovem) com o impetuoso e prepotende Joyce da juventude.
    Considerado por alguns críticos como a obra mais importante do século XX, "Ulysses" é um monumento dos tempos modernos. Nela estão presentes todos os elementos, agradáveis ou insossos, deste século entremeado por duas grandes guerras - o antisemitismo, a erotização, o racionalismo cientificista, o adultério, as falsidade das relações sociais.
    Para muitos, lê-la não é uma tarefa fácil, mas é certamente recompensadora.

    Jogos, Deuses e LSD (2002)



    Um documentário com quase três horas e meia. Filmado em Toronto, Las Vegas, na Suíça e Índia, é uma investigação sobre as inquietações humanas.

    A proposta do diretor é a de que os vícios humanos e as religiões são maneiras que encontramos para silenciar aqueles questionamentos sem respostas que fervilham em nosso interior. Dos evangélicos pentecostais do Canadá, aos jogadores e compulsivos por sexo de Las Vegas; dos viciados de Zurique aos peregrinos hindus, o que vemos é a busca incessante de um paliativo para uma existência sem sentido. Um vazio que o próprio diretor compartilha.

    Repleto de cenas belíssimas, como as do deserto de Nevada e dos Alpes suíços, o filme estimula o espectador a refletir. De fato, enquanto eu assistia "Jogos, Deuses e LSD", eu me lembrei de uma antiga disputa, ainda quando eu estava na Universidade, sobre se existia Filosofia Oriental. Propositalmente, o diretor Peter Mettler abre o longa com um culto religioso cristão e encerra com uma cerimônia sagrada hindu. No ocidente, os cristãos buscam Jesus, esperam respostas de Deus; no oriente, eles sabem que o sagrado está em todas as coisas e basta que eles prestem atenção para sentir isto. Nós temos indagações, por isto questionamos; eles possuem respostas, por isto, podem se dar o luxo de não vê-las.

    terça-feira, agosto 10, 2004

    Cazuza - O Tempo não pára (2004)



    Talvez Cazuza seja o maior representante da sua geração.

    Uma geração pós-guerra do Vietnam e pós-movimento Hippie; uma geração pós-ditadura militar e pós-censura. Creio que esta sensação de ser pós-alguma coisa fez com que os anos oitenta parecessem uma década fora dos trilhos. A falta de ter algo contra lutar estimulou a juventude a lutar contra si própria.

    Há uma aura melancólica pairando sobre o filme, principalmente porque sabemos como ele terminará. Para mim, que era criança quando da morte de Cazuza, a incrível semelhança do ator Daniel Oliveira com Cazuza em seus últimos dias é impressionante. O ator brasileiro supera Tom Hanks em "Filadélfia", mas certamente não ganhará o Oscar.

    Quando saí da sala de projeção, a primeira coisa que me veio a mente foi atribuir a culpa a alguém. Ficou claro que os pais de Cazuza tiveram uma boa dose de responsabilidade quanto ao comportamento desmedido do filho; as drogas, os amigos, o produtor, a própria banda, todos contribuíram para afundar Cazuza. Mas será que é tão fácil assim encontrar um culpado para o que aconteceu?

    Seria bom se fosse, mas não é. O tempo não parou para Cazuza, mas o poeta ainda vive.

    Atrás da Verdade (1999)

    Conta a lenda que, após a queda do Terceiro Reich, Josef Mengele, o "Anjo da Morte de Auschwitz", refugiou-se na Argentina e, finalmente, na década de setenta, faleceu no Brasil.

    Entretanto, pesquisadores afirmam que o cadáver sepultado em Embú não é o do médico-monstro que apavorava os gêmeos e os ciganos com suas experiências macabras. É neste ponto que "Atrás da Verdade (Nichts als die Wahrheit, 1999, Alemanha/EUA)" começa.

    O filme se trata de um hipotético julgamento de Mengele pelas autoridades alemãs. O grande dilema do renomado advogado Röhmer é descobrir como inocentar alguém que praticou tamanhas atrocidades como o seu cliente. Aí reside o brilhantismo da história, pois a proposta do advogado de defesa é que, para compreender os atos de Mengele, é necessário pensar como um médico, segundo as éticas médicas, dos anos quarenta numa Alemanha governada por Hitler.

    Contudo, esta tarefa é impossível. O passado é como a pele morta de uma serpente que ela deve abandonar para poder crescer. Jamais poderemos compreender a barbárie ou as conquistas dos que já se foram, simplesmente porque o passado nos é velado. O nosso esforço para compreender o passado esbarra na nossa própria contemporaneidade. Sempre julgaremos Mengele com olhos de hoje.

    segunda-feira, agosto 09, 2004

    Eu, Robô? Você é que é! (2004)



    Uma história interessante. Muitas possibilidades. Mas o roteiro é um fracasso. Por quê?

    É extraordinário como os filmes de ficção científica passaram de um gênero B, isto por volta das décadas de quarenta e cinquenta, e se tornam megaproduções campeões de bilheteria.

    "Eu, Robô" é baseado no livro homônimo de Isaac Asimov. A história se passa em 2030, numa sociedade na qual humanos e máquinas convivem em harmonia. Até que um cientista é supostamente assassinado por um robô, criação sua. Will Smith é o detetive encarregado de investigar este misterioso crime. Até aí, tudo bem!

    No entanto, o filme desanda. Logo começam as explosões, tiros, e robôs dando saltos mortais e voadoras... Isto mesmo, voadoras! Não posso negar que estas cenas me prenderam na cadeira do cinema, na expectativa (ou melhor, na certeza) de o herói conseguir se salvar. Mas uma história tão essencialmente rica, perde espaço para as explosões.

    Ontem, passando por uma livraria, vi a reluzente capa da reedição de "Eu, Robô" de Asimov. Como eu imaginava, o livro, com exceção do título, não tinha nada em comum com o filme. Trata-se de nove contos, os quais narram a progressiva evolução das máquinas, de um robozinho babá inofensivo, até o controle absoluto que elas obtêm sobre os humanos. Não há porrada, nem mortes, nem cenas mirabolantes.

    O filme é, em si, a expressão do poder que a tecnologia exerce sobre nós, pois subestimam a nossa inteligência bombardeando-nos com efeitos especiais.

    O mais triste, porém, é constatar que aqueles primeiros filmes de ficção científica, produzidos com um orçamento restrito, com robôs de papelão e naves espaciais de isopor, estão muito mais avançados em criação e conceito do que o que se faz agora. Realmente, o ser humano perdeu.

    Heródoto: do mito à História

    Eu tentei três vezes antes de conseguir ler a "História" de Heródoto do começo ao fim.

    Não é um livro enfadonho, muito pelo contrário. O historiador grego possui uma habilidade para narrar o seu mundo que lhe é particular. Creio que se os historiadores, hoje em dia, soubessem se expressar como Heródoto, mais pessoas se interessariam por esta disciplina.

    O que torna esta obra um tanto pesada é o excesso de detalhes. Heródoto descreve tudo - templos, as regiões, os costumes - com minúcias e isto pode ser um tanto cansativo para o leitor contemponâneo, tão acostumado à agilidade da televisão e do cinema. No entanto, Herótodo e a proposta do seu livro são magníficos: contar os fatos relacionados à invasão persa na Hélade.

    Poucos autores souberam retratar com maestria o espírito de seu tempo. Os combates navais de Artemísios e Salamina e os combates terrestres de Maratona, Termópilas (imagem acima) e Platéia representam a vitória de uma mentalidade. Leônidas, o comandante de trezentos espartanos e quatro mil eginetas, contra um exército composto por mais de um milhão e quinhentos mil persas é o grande símbolo daquele povo. Uma luta constante por sua própria autonomia.

    Se somos o que somos hoje, talvez devamos às lutas que os gregos empreenderam para preservar sua liberdade. O maior legado deste povo não é a Filosofia, nem a Retória, nem a Gramática, nem mesmo a História, mas é o apego a este conceito relativo e abstrato: Liberdade.

    Fahrenheit 11 de setembro (2004)



    Um filme tendencioso de Michael Moore.
    Não que isto signifique que aquilo que ele nos apresenta não seja verdadeiro ou digno de atenção, mas o que temos é uma visão bastante parcial da situação. A proposta de Moore é a de evitar a reeleição de Bush e creio que, para isto, o documentário tem força bastante para convencer alguns eleitores indecisos.
    Em nenhum momento vemos a parcela de culpa de Blair na Guerra do Iraque, tampouco somos informados dos abusos de Hussein enquanto presidente-ditador. Farenheit é um ataque declarado aos "Bushes", pai e filho. A grande crítica de Moore não é tanto contra a guerra (mas certamente que também é contra a guerra), mas sim contra a política americana de gastar bilhões de dólares em defesa militar, enquanto que a taxa de desemprego aumenta diariamente.
    É um filme que deveria ser assistido, principalmente, pelos norte-americanos, pois as vendas que os cegam precisam ser desatadas. Até agora, a principal fonte de informação que eles possuíam eram as grandes redes de jornalismo, as quais apresentavam suas visões tendenciosas e, em sua maioria, pró-Bush.
    A verdade, se é que há alguma, está entre a visão de Moore e das fontes oficiais de informação. Cabe a nós a tarefa de tirarmos nossas próprias conclusões.

    domingo, agosto 08, 2004

    A mãe de todas as críticas

    Quando esta invasão de blogs se iniciou, eu a observei com desconfiança e com até uma certa relutância. Realmente, eu não via muito sentido em centenas de milhares de diários pessoais sendo publicados pela internet.

    Mas o tempo passou... Não me tornei um assíduo leitor de blogs, mas reconheci que, em alguns, havia algo de bom. No fundo, uma necessidade de compartilhar pensamentos, inquietações, anseios e confidências estava por detrás desta revolução virtual. Mais do que isto, havia uma necessidade, por parte dos leitores também, de penetrar em mundos tão diferentes, mesmo que não fossem tão distintos assim.

    O meu tempo de silêncio se foi. Motivado pela mesma necessidade de muitos, exporei aqui sobre aquilo que mais sei (ou ao menos que penso saber): Arte.

    No entanto, falar sobre Arte, requer que falemos também do que não é arte, ou daquilo que o é por extensão, ou daquilo que não era, mas que acabou se tornando.

    Sinto-me como Brás Cubas, no início de suas "Memórias Póstumas". Gostaria de crer que muitos lerão o que tenho a dizer, mas me surpreenderia se mais de cinco leitores acompanhassem estas críticas "difusas".