segunda-feira, março 27, 2006

Rocky - Uma série sobre ascensão e queda


Desde criança, há algo que que me fascina nos filmes da série "Rocky, um lutador".
Não sei se é a capacidade inacreditável do protagonista em levar pancada e ainda permanecer de pé, ou se é a imbelicidade ingênua do pugilista que o faz, quase como Forest Gump, ascender na vida sem se dar conta disto, ou se é simplesmente o realismo que, ao contrário da inverossimilhança das lutas, arrasta um pobre coitado que esmurrava pedaços de carne num açougue ao estrelato, mas que também o afunda novamente na sarjeta quando a fama se desvanece.

Rocky é a própria história da indústria cultural.
No primeiro filme, vemos Apollo Creed, um boxeador campeão, querendo divulgar sua carreira ao escolher um pugilista novato e inexperiente para disputar seu cinturão.
Rocky é um daquelas centenas de rapazes pobres que sonham com uma oportunidade. Num dos guetos da Filadélfia, é treinado pelo boxeador aposentado Mickey, que vê em Rocky seu Mesmo refletido.
Não é difícil transpor esta trama para os milhares de talentos futebolísticos que chutam meias em nossas favelas, mas, como toda oportunidade criada pela indústria cultural, apenas um é escolhido. O restante terá de amargar socos em pedaços de carnes ou chutes em bolas de meia.

Contra todas as expectativas, Rocky tem um desempenho incrível na luta contra Apollo e, apesar de todo o mundo considerar a luta como um empate, os juízes decidem em favor do campeão Apollo. Assim termina o primeiro filme, num misto de decepção (Rocky não vence) e de satisfação (Rocky não foi massacrado no ringue).

O filme, cujo roteiro foi escrito pelo próprio Sylvester Stallone, foi um sucesso imediato nos Estados Unidos, isto lá pelos idos de 1970.
A história sobre a indústria cultural torna-se, então, parte desta indústria. Na cola do sucesso de "Rocky, um Lutador" surge "Rocky, a Revanche", que não passa de um repeteco literal do primeiro: o clamor popular faz com que Apollo peça uma revanche contra Rocky, para provar que sua vitória foi autêntica e não apenas favorecimento por parte dos juízes. Tudo se repete nos mínimos detalhes, inclusive as famosas cenas de treinamento de Rocky, no qual ele corre pelas ruas da Filadélfia e escala, fatual e metaforicamente, as escadarias da vitória.

Só que desta vez, Rocky ganha. Não há margem para dúvidas e ele se torna uma estrela do boxe.

"Rocky 3, o desafio supremo" é lançado, contando a história de Rocky sob a ótica inversa. Agora, é ele quem deve lutar contra um novato, o furioso Clubber Lang, que deseja a todo custo provar que Rocky é uma fraude, que todas suas lutas foram armadas e que ele não merece o título de campeão.
E não é que Lang tinha razão?

O que Rocky mais sabia fazer era apanhar (ele tinha um talento nato para isto) e, quando o oponente já estava exausto, bastava um de seus cruzados de canhota para derrubá-lo.
Mas com Lang as coisas não foram tão fáceis e Rocky teve de amargar sua principal derrota. Ofuscado pelo sucesso, não se concentrando no treinamento, gastando maior parte de seu tempo fazendo propagandas comerciais, o protagonista não era páreo para seu ávido oponente.
É sua vez, então, de pedir uma revanche. Com o paradoxal auxílio de Apollo, Rocky treina pesadamente e consegue reaver seu título.

Após haver vencido todos os desafios, faltava para Rocky o mais difícil de todos, derrotar a máquina russa Drago, a qual havia posto um fim à carreira e à vida de Apollo numa luta anterior. Uma mensagem clara sobre a postura dos EUA na Guerra Fria.
O maniqueísmo deste quarto filme é evidente. Rocky é popular, é amado, é gente boa; seu único defeito é não saber articular bem as palavras, mas esta última é mais uma característica do ator do que propriamente do personagem.
Já Drago, é antipático, odiado, frio, mal possui falas, é quase um robô sempre a cumprir ordens. Somos obrigados a detestá-lo, não há escolhas para nós simpáticos capitalistas ocidentais senão desprezar o taciturno comuna oriental. Não há escolha!

E o que parecia ser impossível demonstra ser possível. Novamente, após duro treinamento, Rocky derrota o monstro russo.

Mas a realidade bate à cara do pugilista.
Derrotar a União Soviética expôs, incrivelmente, as próprias mazelas norte-americanas. Sem uma outra superpotência a derrotar, os EUA foram obrigados a voltar seus olhos para o interior de seu próprio país e a perceber que a vida estava longe de ser maravilhosa como o American Way of Life pregava aos quatro ventos.

A derrota da URSS é, para Rocky, sua própria derrocada, o fim de sua carreira.
Sem poder mais lutar, o protagonista decide se tornar treinador e descobre um jovem com um potencial incrível. Mas este, longe de manter laços de fidelidade para com Rocky, tais quais ele manteve para com Mickey, quando vê a oportunidade surgir, abandona seu treinador e escora-se num empresário bem-sucedido.
Rocky encerra sua brilhante carreira vivendo novamente no gueto, no ponto onde tudo começou.

Esta pentalogia é um clássico exemplo de ascensão e queda de um homem público. Compará-la a "Cidadão Kane" seria um exagero, mas ambos tratam de indivíduos que atingem o topo do mundo, e aos quais o destino, além de uma certa dose de falta de previsão, lançaram novamente ao chão (Rocky, de fato; Kane, moralmente).

Além disso, Rocky é um panorama da América nos quinze anos que separam as cinco produções (de 1976 a 1990). Compreendê-lo é constatar que o Ocidente não venceu. Compreendê-lo é perceber que ainda estamos no ponto que começamos.

Compreendê-lo é verificar que tudo que está no topo, um dia descerá novamente.

Também pode ser lido em
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quinta-feira, março 02, 2006

A Marcha dos Pinguins (2005)


"A Marcha dos Pinguins" causou comoção nos Estados Unidos, a tal de ponto de se tornar o segundo documentário mais visto naquele país, perdendo apenas para "Fahrenheit 11/9".
A história seria incrível, se não fosse verídica e não ocorresse todo ano no Pólo Sul.
Durante o inverno, os pinguins imperadores cruzam centenas de quilômetros por entre as geleiras para procriarem. Como se não bastasse este exaustivo êxodo, os pinguins são obrigados a percorreram algumas vezes este percurso: primeiro para acasalarem, depois para as fêmeas se alimentarem, para os machos encherem os buchos e, por fim, já com os filhotes, rumo ao mar para desfrutarem do verão.
As imagens do continente gelado são belíssimas e chocantes. As cenas dos milhares de pinguins enfileirados em meio ao gelo são deslumbrantes. Mas, mais do que isto, a sensilidade e a coragem do diretor Luc Jacquet e sua equipe para encararem este desafio são impressionantes.

Muito se comentou sobre a antropomorfização dos pinguins, através de narrações humanizadas, dotando-os de objetivos semelhantes aos nossos, de sentimentos de ternura e amor, de uma distorção dos instintos de sobrevivência dos animais, que em nada se assemelham aos nossos projetos deliberados e racionais.
Mais do que subestimar o instinto dos animais, tais comentários superestimam a racionalidade humana. Ignoram que boa parte de nossos comportamentos derivam de uma memória primitiva que nos condiciona também à sobrevivência. A única diferença, talvez, é que nós temos consciência de nossas próprias ações e nos acreditamos superiores aos demais animais devido a esta característica. É claro que uma narrativa de caráter humano nos aproxima ainda mais da luta que os pinguins empreendem contra um frio absurdo, mas, independemente dela, não podemos evitar de nos emocionar com o milagre da natureza, da qual fazemos parte e à qual insistimos em destruir.
Para quem assistiu a "Fernão Capelo Gaivota" (ou leu o livro), a comparação é inevitável. No entanto, enquanto que neste o pássaro anseia por liberdade e por descobrir todos os segredos do vôo, no outro, pássaros que não podem voar não desejam a liberdade, mas sim perpetuar aquele ritual. Instintivamente, os pinguins imperadores criam outros para que, um dia, seus filhotes passem pelo mesmo perrenque que eles passaram. É a crueldade mecânica da natureza que impele as gerações adiante, sem se importar com os que tombam no caminho.

Por ser, ao menos conceitualmente, um documentário, "A Marcha dos Pinguis" carece de um roteiro dinâmico como os de animações da Disney. Arranca risos e exclamações de espanto, mas, em alguns momentos, chega a ser enfadonho.

Certamente um dos que poderia entrar para a lista da "Sessão da Tarde", ao lado de Benjie, Lassie, "Free Willy" e Flipper.