domingo, outubro 06, 2013

Gravidade (2013)


Acho que, assim como eu, você também deve ter se emocionado quando, no filme "O Náufrago", a bola de vôlei Wilson cai da jangada de Tom Hanks e se perde no mar.
Que habilidade narrativa fenomenal esta capaz de dar personalidade a uma bola de vôlei, a ponto de nos importarmos com seu destino!

Ontem, ao deixar a sala de cinema após assistir a "Gravidade", não pude evitar comparar este filme com "O Náufrago".
Os dois são filmes de sobrevivência.
Em "O Náufrago", temos um acidente de avião e o protagonista isolado em uma ilha deserta, cujo único companheiro é o Wilson, a tal bola de vôlei.
Em "Gravidade", temos um acidente no espaço com dois sobreviventes, a Dra. Stone (Sandra Bullock) e o piloto Matt Kowaslki (George Clooney).
E as duas histórias possuem um ritmo muito parecido, mas com tons emocionais bastante diferentes.

Não se pode questionar a obra-prima técnica que é "Gravidade", e merecidamente deveria levar todos os Oscares técnicos possíveis, como fotografia, efeitos visuais, edição e edição de som. Até a trilha sonora merece destaque, num ambiente onde o som não se propaga e a trilha sonora acaba cumprindo todo o papel que seria de explosões e outros ruídos.
As cenas do planeta Terra são estonteantes e a velocidade da história é de tirar literalmente o fôlego.

No entanto, a história é pobre de doer. Não há profundidade alguma, não há nenhum tipo de reflexão a ser feito. Isto não chega a ser um problema para filmes deste estilo, mas quando vários críticos se empolgaram e fizeram inúmeras comparações entre "Gravidade" e o clássico "2001, uma Odisseia no Espaço", é impossível não se incomodar com isto.
A obra-prima de Kubrick é pura reflexão sobre a espécie humana, desde as primeiras cenas com os primatas descobrindo o uso de ferramentas, até o computador Hal adquirindo auto-consciência e se vingando dos humanos, até a psicodelia da última cena, com um dos astronautas perdido no espaço.
Já "Gravidade", dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón, é mais sensorial, sem nenhuma preocupação com temas filosóficos ou questionamentos de ordem humana. É uma sequência de peripécias, algumas plausíveis, outras nem tanto, em busca por sobrevivência.
Acho difícil até considerar "Gravidade" como um filme de ficção científica, pois um dos critérios para este gênero é que a história dependa de uma relação necessária entre história e ciência/tecnologia.
No fundo, a trama de "Gravidade" poderia ser transplantada, ponto a ponto, para qualquer outro tipo de cenário ou ambientação, no fundo do mar, no deserto, na floresta, em uma cidade exótica. O espaço, os astronautas, os feitos para sobreviver, tudo isto é contingente, tudo não passa de uma belíssima maquiagem para ocultar uma história convencional e que já vimos às centenas por aí.



Por outro lado, um dos grandes méritos de "Gravidade" e, talvez neste aspecto esteja seu caráter realmente revolucionário, é a revitalização do cinema, enquanto espaço de entretenimento.
A crise no cinema não é recente, mas os downloads de filmes, as TVs em três dimensões, o stream de filmes por serviços como o Netflix, ameaçam (ou ameaçavam) o futuro das salas de cinema, prenunciando o fim desta experiência coletiva de sair de casa, ir até um auditório, sentar-se numa poltrona ao lado de centenas de desconhecidos e, naquele intervalo de tempo, não fazer mais nada senão assistir a um filme e comer pipoca.
Em nosso mundo contemporâneo, o ato de suspender todas as demais atividade para se concentrar em um única é raríssimo, em vias de extinção.
Assistimos a um filme no computador, conferindo ao mesmo tempo as atualizações nas redes sociais, nossos e-mails, com a TV ligada, falando no telefone e sabe-se lá fazendo quantas outras coisas mais.
"Gravidade" é o tipo de filme que implora para ser visto na tela grande, em 3D, com toda a pompa e a potência que somente o cinema pode proporcionar. Não será a mesma experiência assistir um filme como este em casa, na "Tela Quente", ou na telinha do seu computador. Não será mesmo!
O que Cuarón está ensinando ao mundo é que, se o cinema como nós o conhecemos quiser sobreviver, será necessário criar experiências visuais e sensoriais que somente a grande tela pode expressar em plenitude.
Há filmes para TV.
E deverá haver mais filmes para o cinema.
Talvez "Gravidade" seja o primeiro desta nova geração de cinema.