domingo, abril 16, 2006

Crash - No Limite (2004)


Assistir a "Crash" deveria ser quase uma obrigação.
Poucas vezes temos a oportunidade de ver um filme que atinge sua meta sem tematizá-la.
A problemática do preconceito está presente em cada cena, estapeando-nos na cara, mas, em momento algum, ela é verbalizada.

A primeira comparação a ser feita é com o magnífico roteiro de Paul Thomas Anderson para "Magnólia". Tanto neste filme quanto em "Crash", nós nos enveredamos num labirinto de vidas e de frustrações. Pessoas completamente diferentes, mergulhadas no mesmo mundo, tocando-se cotidianamente, confrontando-se, compreendendo-se.

Em "Magnólia", Anderson nos apresenta o afastamento, o distanciamento.
Em "Crash", Paul Haggis nos apresenta a proximidade, os acidentes (de onde vem o título) que nos forçam a reconhecer o outro como pertencente ao mesmo universo que nós.

A trama é fragmentada em vários núcleos narrativos, todos imersos em sua apreensão de mundo e em seus preconceitos próprios.
Há o caucasiano com preconceito em relação aos negros e latinos; há os negros com preconceitos dos brancos e dos próprios negros; há árabes (categorização que inclui, no filme, todos os muçulmanos, mesmo que a maioria islâmica do mundo não seja falante do árabe ou nascida na Arábia Saudita) com preconceito dos latinos; há os chineses, os porto-riquenhos, os tailandeses, os pobres, os ricos, os bandidos, os policiais e há mesmo aqueles que nem possuem classificação.

"Crash" demonstra, com um realismo surpreendente, que preconceito e discriminação não é um "privilégio" dos brancos burgueses, que todos nós, independentes de raça e classe social, já possuímos uma pré-compreensão do mundo que nos circunda e que é através dela que escolhemos nossos círculos de amizade, os ambientes que freqüentamos e as pessoas que costumamos evitar. Não se trata de algo racional, fundamentado em teorias eugênicas, mas sim a própria constituição nossa, enquanto seres humanos, de julgar o próximo e lidar com ele através deste julgamento.

Há um desamparo terrível nesta constatação, como se, para esta falta de tolerância, não houvesse solução. Mas a arte - mesmo que não tenha de possuir esta atribuição - é um modo de voltarmos nosso olhar sobre nós mesmos e percebermos que também fazemos parte deste ciclo de ódio, que, se um filme como "Crash" existe, é porque nós permitimos e, mais do que isto, contribuímos que para chegássemos a este ponto.

Acredita-se que o filme de Haggis simboliza a América pós-11-de-setembro. Nada mais equivocado do que isto. O filme de Haggis simboliza a humanidade, desde seus primórdios pré-históricos até hoje. Nossa época, longe de ser a fundadora do preconceito, apenas o acentua dia após dia.

Infelizmente, "Crash" é a história do nosso cotidiano...

Felizmente, o filme é belo!

8 comentários:

Anônimo disse...

Concordo com você. "Crash" é um excelente filme e realmente merecia cada Oscar que venceu (merecia até mais, como o de ator coadjuvante para Matt Dillon e umaindicação e vitória de atriz coadjuvante para Thandie Newton). Posso dizer que Paul Haggis subiu ainda mais no meu conceito! =)
Marco

Anônimo disse...

1-Bem, um blog como esse tem que ser estimulado,não somente pq propaga o conhecimento, mas pq vai á contramão da nossa cultura popular,tão supercial, mantendo a qualidade.
2-O filme realmente tem um roteiro especial,não somente pela qualidade,mas pq vai á contramão da nosssa cultura critica,tão amoral,mantendo o estimulo comercial.
A moralidade é capaz de corromper a arte, mas existem exceções.Creio que Crash é quase um exemplo.Magnólia para mim não seria quase.
O diferencial seria que Magnólia é mais artístico e Crash, comercial(Haja visto a duração deles).
O grande mérito dele é a ousadia, o filme arriscou ser julgado como anacrônico, trazendo quase que um espírito natalino a tanto tempo distante do cinema de qualidade.
Além disso ressalto mais dois méritos do roteiro: a imparcialidade(Por não pender para ou contra nenhum grupo)e o dinamismo.
O melhor desse dinamismo é que em nenhum momento ele leva o filme a ser caricato ou superficial(mas tbm nao é tão profundo), diferente do seu antecessor Menina de Ouro, que na cena da visita familiar chega a ser infantil.
O grande defeito foram os ``clichês'', muitos...Mas seria muito difícil fugir deles dentro da proposta de um filme curto e abrangente.
Num tempo aonde a moda é criticar a Igreja ou os EUA(Não que eu seja defensor destes dois, que na minha opinião fazem por onde) em contrapartida das classes discriminadas e dos países sub-desenvolvidos, Crash da um tapa na cara da classe culta com sua ambiguidade impecável.
Parabéns Crash, parabéns Blog.

paulo ramon disse...

Você diz que não se chega a verbalizar o assunto racismo. Mas não é bem assim. Há o personagem do rapper Ludacris que fala sobre a discriminação (embora hipócrita, pois ele mesmo contribui). Há diálogos francos que falam sobre o racismo e a diferenciação que se faz de forma clara. O assunto foi explicitamente abordado, nem acho que deveria ser de outra forma. Não chega a tematizá-la, mas bem se vê que é ponto principal da trama. É, inclusive, objetivo, creio eu. Basta um pouco de sensibilidade para perceber.

Anônimo disse...

Parabéns! Você se expressa de uma forma maravilhosa.

Caleidoscopio disse...

Olá Henry,ontem voltando de Miami/SP vi Menina de Ouro e Crash.Eram dois filmes que queria assistir,e eles estavam na progr.de filmes!Sou psicóloga,amei Crash.O filme trata de questões de um ciclo de vidas,de uma energia que circula entre todos,e se retroalimenta do resultado dessas ações.Incrível.O Universo nos retorna as boas e más ações que fazemos e até aquelas que não fazemos e desejamos,ou aquelas que ficam no pensar."The Secret" trata um pouco dessas questões,mas acho que Crash foi mais objetivo. O fato é que fiquei pensando tanto no filme,que hj entrei e procurei comentários a respeito dele.Aí encontrei seu blog,um de leitor que comparou M.de Ouro com Crash(os dois filmes que assisti ontem) e não pude deixar de te escrever concordando com todos os seus comentários e demonstrando minha surpresa com sua opinião que condiz muito com a minha e com a "descoberta" de seu blog e a coincidencia do leitor que fez a comparação com os dois filmes...
A propósito: O sobrenome de meu bisavô também é Bugalho.Coincidências. Assista Julia & Julie. Abraço.

Henry Bugalho disse...

Obrigado por seu comentário.

Na verdade, somente depois de morar nos EUA que fui perceber como aquelas situações apresentadas em Crash são reais, representam de fato o clima de tensão étnica e social nos EUA.
Eu gostaria de entender como é possível viver com tamanho ódio sendo disseminado diariamente...

E eu assisti a "Julia & Julia" faz umas duas semanas, realmente é um filme muito divertido. É de um estilo totalmente diferente de "Crash", mas é representa muito esta mudança que a internet tem causado na cultura.

Abraços.

Moraes disse...

Lindo filme!! E quem percebeu a beleza da mensagem e conseguir leva-la para o dia a dia transmitindo o bem vai estar fazendo um bem imenso para si mesmo e humanidade. Gostei muito dos comentarios do usuario caledoscopio e gostaria de trocar mais ideias. Meu email é vitor.talha@gmail.com caso alguem queira entrar em contato..felicidades e um ótimo ano para todos!!

KS disse...

Otario