sábado, maio 21, 2016

Hugo (2011)



Nos séculos XVIII e XIX, os automata foram uma febre na Europa e nos EUA, construídos com uma precisão milimétrica, com complexas engrenagens, e, de certo modo, foram os avós dos nossos robôs. Estas maravilhas mecânicas, muitas vezes com forma humana, realizavam certas atividades, como tocar um instrumento, escrever, ou jogar xadrez, como no caso famoso do automaton conhecido como "O Turco", que até chegou a derrotar jogadores competentes. "O Turco" foi imortalizado em um ensaio de Edgar Allan Poe, no qual ele tentava desmascarar este incrível automaton, como se não passasse de um mero truque de mágica. O fato é que hoje se reconhece que "O Turco" não era um automaton de verdade, mas que era controlado, de algum modo misterioso, por alguém.

Aliás, automata, mistério e mágica tem tudo a ver com o livro sobre o qual eu gostaria de falar hoje: A Invenção de Hugo Cabret de Brian Selznick.
Antes de tudo, a própria estrutura do livro já é bastante intrigante. Metade romance, metade livro ilustrado, é impossível definir exatamente onde ele se encaixa. Assim como "O Turco", metade automaton, metade truque de mágica, Hugo Cabret se situa num limiar.
Logo descobrimos que o personagem principal, o jovem Hugo, nada tem de convencional. Ele vive dentro da estação de trens de Montparnasse, e quando digo dentro é literalmente dentro. Dentro de suas paredes.
Como ele vai parar lá é apresentado ao longo da narrativa, mas tudo que sabemos à princípio é que Hugo é o responsável por dar corda e ajustar os relógios da estação. No entanto, ele tem uma missão ainda maior do que esta. No pequeno quartinho onde ele vive, ele guarda um automaton quebrado, que ele tenta restaurar com os diagramas feitos por seu pai relojoeiro (que já está morto) em um caderno de notas.
Esta é apenas a trama de fundo de A Invenção de Hugo Cabret, pois a história de fato, e é neste ponto que vários mistérios começam a se acumular um sobre o outro, é quando ele, ao tentar roubar peças de brinquedos de uma lojinha dentro da estação, é apanhado pelo dono dela, um sujeito amargo chamado Georges Méliès, que parece reconhecer aqueles diagramas no caderninho de Hugo.

Qual é a relação entre Mèlies e o automaton, isto é, a invenção de Hugo Cabret?

Para ajudar Hugo a desvendar este mistério, Isabelle, uma garota que é criada por Méliès, resolve ajudá-lo e, juntos, eles acabam não apenas desvendando o segredo guardado dentro do mecanismo do automaton, o que ele tem para desenhar, bem como o incrível passado de Mèlies.

Se você gosta de cinema, talvez tenha associado este nome com alguém... mas não vou relevar o fim da história.
O livro é curto, embora pareça ser imenso nesta edição minha. Há muitas ilustrações, portanto, é uma leitura rápida. Acho que não chegou a me tomar 2 horas de leitura.

Em 2011, este livro foi adaptado ao cinema e o filme se chama simplesmente "Hugo", dirigido por Martin Scorcese. Devo dizer que é um filme um pouco estranho para a filmografia deste diretor, mais conhecido por seus filmes violentos, com gangsters, policiais e desajustados em geral. "Hugo" é uma história fofinha demais para o perfil do Scorcese.
Não é uma adaptação ruim, embora se esforce demais para criar uma atmosfera idílica, mais ou menos ao estilo de O Fabuloso Destino de Amelie Poulain.

Eu não sei, mas quando levamos mais tempo para ver um filme do que para ler um livro, acho que há algo errado aí. Em quase três horas de filme, foi preciso incluir algumas subtramas para reforçar a presença de certos personagens secundários, como o inspetor da estação, interpretado por Sasha Baron Cohen, que em boa parte do livro é quase uma ameaça invisível, a possibilidade de que Hugo seja descoberto e apanhado, enquanto que no filme incluíram um breve romancezinho entre ele e a vendedora de flores que sequer há no livro.
Além disto, houve uma tendência para atenuar certos atos de Hugo e Isabelle, que em algumas partes do livro acabam roubando objetos ou mentindo, enquanto que, no filme, isto foi quase totalmente suprimido, talvez para deixar bastante claro os limites entre o certo e errado para o público juvenil.
Mas, para mim, sem dúvida o mais fascinante no livro são as ilustrações e como elas facilmente são capazes de suplantar o texto.

Ao pensarmos na relação entre homem e máquina, representada pelo automaton, a mensagem de Hugo Cabret não poderia ser mais clara: de que todos nós, mesmo que não possamos perceber, fazemos parte de um gigantesco mecanismo e temos nossa razão de ser, temos algum propósito, temos alguma missão. Ao longo deste livro, acompanhamos como Hugo desvenda sua própria missão pessoal e, neste processo, auxilia outros personagens neste caminho, inclusive até fazendo com que Georges Méliès redescubra quem ele realmente era.

domingo, outubro 06, 2013

Gravidade (2013)


Acho que, assim como eu, você também deve ter se emocionado quando, no filme "O Náufrago", a bola de vôlei Wilson cai da jangada de Tom Hanks e se perde no mar.
Que habilidade narrativa fenomenal esta capaz de dar personalidade a uma bola de vôlei, a ponto de nos importarmos com seu destino!

Ontem, ao deixar a sala de cinema após assistir a "Gravidade", não pude evitar comparar este filme com "O Náufrago".
Os dois são filmes de sobrevivência.
Em "O Náufrago", temos um acidente de avião e o protagonista isolado em uma ilha deserta, cujo único companheiro é o Wilson, a tal bola de vôlei.
Em "Gravidade", temos um acidente no espaço com dois sobreviventes, a Dra. Stone (Sandra Bullock) e o piloto Matt Kowaslki (George Clooney).
E as duas histórias possuem um ritmo muito parecido, mas com tons emocionais bastante diferentes.

Não se pode questionar a obra-prima técnica que é "Gravidade", e merecidamente deveria levar todos os Oscares técnicos possíveis, como fotografia, efeitos visuais, edição e edição de som. Até a trilha sonora merece destaque, num ambiente onde o som não se propaga e a trilha sonora acaba cumprindo todo o papel que seria de explosões e outros ruídos.
As cenas do planeta Terra são estonteantes e a velocidade da história é de tirar literalmente o fôlego.

No entanto, a história é pobre de doer. Não há profundidade alguma, não há nenhum tipo de reflexão a ser feito. Isto não chega a ser um problema para filmes deste estilo, mas quando vários críticos se empolgaram e fizeram inúmeras comparações entre "Gravidade" e o clássico "2001, uma Odisseia no Espaço", é impossível não se incomodar com isto.
A obra-prima de Kubrick é pura reflexão sobre a espécie humana, desde as primeiras cenas com os primatas descobrindo o uso de ferramentas, até o computador Hal adquirindo auto-consciência e se vingando dos humanos, até a psicodelia da última cena, com um dos astronautas perdido no espaço.
Já "Gravidade", dirigido pelo mexicano Alfonso Cuarón, é mais sensorial, sem nenhuma preocupação com temas filosóficos ou questionamentos de ordem humana. É uma sequência de peripécias, algumas plausíveis, outras nem tanto, em busca por sobrevivência.
Acho difícil até considerar "Gravidade" como um filme de ficção científica, pois um dos critérios para este gênero é que a história dependa de uma relação necessária entre história e ciência/tecnologia.
No fundo, a trama de "Gravidade" poderia ser transplantada, ponto a ponto, para qualquer outro tipo de cenário ou ambientação, no fundo do mar, no deserto, na floresta, em uma cidade exótica. O espaço, os astronautas, os feitos para sobreviver, tudo isto é contingente, tudo não passa de uma belíssima maquiagem para ocultar uma história convencional e que já vimos às centenas por aí.



Por outro lado, um dos grandes méritos de "Gravidade" e, talvez neste aspecto esteja seu caráter realmente revolucionário, é a revitalização do cinema, enquanto espaço de entretenimento.
A crise no cinema não é recente, mas os downloads de filmes, as TVs em três dimensões, o stream de filmes por serviços como o Netflix, ameaçam (ou ameaçavam) o futuro das salas de cinema, prenunciando o fim desta experiência coletiva de sair de casa, ir até um auditório, sentar-se numa poltrona ao lado de centenas de desconhecidos e, naquele intervalo de tempo, não fazer mais nada senão assistir a um filme e comer pipoca.
Em nosso mundo contemporâneo, o ato de suspender todas as demais atividade para se concentrar em um única é raríssimo, em vias de extinção.
Assistimos a um filme no computador, conferindo ao mesmo tempo as atualizações nas redes sociais, nossos e-mails, com a TV ligada, falando no telefone e sabe-se lá fazendo quantas outras coisas mais.
"Gravidade" é o tipo de filme que implora para ser visto na tela grande, em 3D, com toda a pompa e a potência que somente o cinema pode proporcionar. Não será a mesma experiência assistir um filme como este em casa, na "Tela Quente", ou na telinha do seu computador. Não será mesmo!
O que Cuarón está ensinando ao mundo é que, se o cinema como nós o conhecemos quiser sobreviver, será necessário criar experiências visuais e sensoriais que somente a grande tela pode expressar em plenitude.
Há filmes para TV.
E deverá haver mais filmes para o cinema.
Talvez "Gravidade" seja o primeiro desta nova geração de cinema.