quarta-feira, outubro 31, 2007

Ônibus 174 (2002)


Isto é o Brasil, meu irmão!

O filme de estréia do diretor José Padilha é a prova de que ele veio pra criar polêmica, cutucar a ferida do brasileiro sem dó. Neste documentário, ele vasculha a vida de Sandro, um ex-menino de rua ex-presidiário que, por aquelas burradas do destino, foi assaltar um ônibus e acabou protagonizando uma situação digna de filmes hollywoodianos.
O documentário é brilhante, é como aquele fiozinho de lã que, quando puxamos, acaba desfazendo a blusa inteira. Através dum único personagem, Padilha rastreia uma série de conexões, num labirinto de indivíduos, na tentativa de compreender a calamidade que o Brasil se tornou.
Sandro é um desgraçado: ainda criança, viu a mãe ser degolada na frente dele, morou nas ruas, cheirou cola e cocaína, sobreviveu ao massacre da Candelária, foi internado na Febem e preso. Ou seja, ele possuía todos os elementos para se tornar uma bomba-relógio humana. Felizes seríamos nós se Sandro fosse uma exceção no Brasil.

É curioso como a sociedade observa os erros que cometeu com surpresa, como se aquilo lhe fosse alheio. No documentário, há um sociólogo que fala um monte de baboseiras, entre elas uma hipótese de que os meninos de rua e mendigos assaltam e matam na tentativa de deixar se serem invisíveis para a sociedade que os excluiu.
Eu entendo a reação dos que estão à margem (e justamente por isto são cognominados de marginais) mais como um sintoma da ausência de formação moral do que duma reação deliberada de deixar a sombra aos quais foram relegados. A banalidade da violência, expressão que já se tornou um clichê na boca dos pessimistas, é uma prova irrefutável de que Kant e Aristóteles, por exemplo, estavam equivocados quando supunham que no ser humano havia o germe da consciência moral e uma inclinação a realizar o bem.
Os conceitos de bem e mal derivam do convívio social, são normas para regular uma existência harmoniosa numa sociedade humana. Por isto, quando indivíduos sentem-se fora desta sociedade, imediatamente tais conceitos deixam de ter validade. O estado de semi-bestialidade aos quais os "marginais" se encontram impedem-nos de cultivar qualquer noção de bondade ou maldade. O que há é a sobrevivência imediata, o alimento do dia, o abrigo da noite. Não há perspectivas duma redenção pós morte ou remorso por um ato realizado, apenas a dor da punição física (realizada pelo abuso policial ou pela exclusão do cárcere).

Ao assistir ontem ao curta de Jorge Furtado, "Ilha das Flores", reparei como ambos os documentários estão vinculados. Um fala da violência que brota da pobreza, o outro fala da diferenciação, da exclusão realizada pela riqueza. Ambos são faces da mesma moeda, enquanto uns partem contra a sociedade, em busca de sobrevivência, outros se sujeitam ao mundo dos párias, dos intocáveis.

Ilha das Flores
Parte 1




Parte 2




É impossível julgarmos os atos dos outros sem nunca termos estado na pele deles. Será que, se você tivesse tido a vida de Sandro, você agiria diferente?

2 comentários:

Linda Souza disse...

Entendo seu ponto de vista mas discordo quando escreveu que especialista disse um monte de baboseiras.

Anônimo disse...

Cara, você vai ter que estudar consideravelmente mais para entender em suma o que o Luis Eduardo Soares (o antropólogo e cientista político que você disse que é sociólogo)falou. É muito mais complexo do que você entendeu.